Os indicadores todos já conhecem: desemprego em alta, economia ainda desaquecida e todos os setores sofrendo com a falta de confiança tanto dos empresários quanto dos consumidores. Com as mudanças que têm sido realizadas no rumo da política econômica do país, há, contudo, perspectivas positivas para o próximo ano. Isso não significa, porém, mais empregos a médio prazo. É que o mercado de trabalho é uma das últimas bases a sentir o baque de uma crise econômica, mas também é a última a retomar. O motivo desse ciclo está na demora entre o sentimento e a ação efetiva: embora os empresários estejam um pouco mais otimistas agora, eles ainda vão demorar para, de fato, retomar os investimentos e voltar a contratar.
O impacto de todo esse ciclo econômico não acaba aí. Na verdade, ele reverbera dentro das empresas, principalmente para quem continua empregado. A pressão por resultados de curto prazo é maior em meio a turbulências, e os quadros enxutos imprimem um ritmo ainda mais acelerado entre os funcionários. “É inevitável verificarmos um nível maior de pressão para entrega de resultados”, afirma Daniel Motta, fundador e CEO do BMI – Brazilian Management Institute. “A maior parte das empresas tem acionistas extremamente exigentes com entrega de resultado mensal, e essa pressão é canalizada para as equipes”, afirma.
Os resultados dessa dinâmica são os mais diversos: ao mesmo tempo em que podem surgir novos talentos, também é possível se agravar problemas que estavam escondidos enquanto tudo estava bem, fazendo com que a desmotivação e o descontentamento imperem. Não à toa, muitas companhias se preocupam em reforçar as iniciativas de gestão de pessoas em tempos difíceis, já que funcionários desmotivados não trazem resultados.
Segundo pesquisa do BMI, 95% das empresas entrevistadas têm ações focadas na comunicação; 85% fomentam a busca de significado e propósito e 43% acreditam que desenvolver competências de lideranças é o aspecto mais importante na administração. Esses resultados mostram uma preocupação com o tema. As empresas de shopping centers já entenderam isso. Há muito tempo elas implementaram uma forte política de gestão dos recursos humanos com base no engajamento. Agora, elas reforçam esse caminho.
Autonomia e foco na liderança
A Ancar Ivanhoe, companhia que tem no portfólio 23 empreendimentos, entre shoppings em operação e em desenvolvimento, tem reforçado a política de gestão de pessoas desde 2008. O foco, segundo Leia Cardoso, gerente corporativa de RH da empresa, é dar mais autonomia ao colaborador. “Com isso, conseguimos criar um ambiente de confiança entre as equipes”, avalia. Para ela, ter começado esse trabalho bem antes da crise fez diferença para que a moral do quadro não caísse diante de momentos difíceis. “O trabalho acontece bem antes, de maneira que o time continue engajado e motivado, mesmo com a mudança de cenário”, afirma. O desenvolvimento é outro foco da companhia, que não deixou de investir mesmo em um momento de instabilidade. “Revisitamos nossos cursos, mas não deixamos de investir no desenvolvimento, com a nossa universidade”, afirma.
E o que mudou com a crise? A comunicação, afirma a executiva, está mais clara. “Nosso negócio é varejo e sabemos o quanto ele é afetado, mas temos investido em comunicação clara: o foco está nas oportunidades que temos, e não na crise”, explica. Na empresa, cada conquista dos times é comemorada e compartilhada. As avaliações são feitas no formato 360 graus, em que todo mundo avalia todo mundo – esse esquema ajuda as equipes a manter a clareza no diálogo. “Quando se faz essa troca e há um feedback claro, transparente e diário, podem-se eliminar fantasias, inseguranças e medos”, diz.
A confiança também é fundamental neste momento, por isso a empresa tem nos líderes os multiplicadores de boas-novas. “Nosso desafio é colocar o líder como multiplicador interno, de modo que ele ajude a criar um ambiente que favoreça a pessoa”, afirma. “A liderança é o ponto-chave dessa multiplicação e, quanto mais próxima ela for, maior o alinhamento”, diz. Os gestores da companhia têm recebido treinamento tanto para o desenvolvimento de competências técnicas como de skills comportamentais.
Nos últimos meses, quando a crise deu seus sinais mais intensos, essa liderança ficou ainda mais próxima. E os shoppings que fazem parte da rede da companhia se apoiaram uns nos outros para conseguir crescer. “Há uma maior troca de boas práticas entre os shoppings, fortalecendo toda a rede”, afirma Leia.
“Neste ano estamos implementando tudo o que aprendemos nos últimos dois anos. Quando se cria um ambiente em que a liderança é estimulada a inovar, se consegue aproveitar o potencial de cada um – e isso é o que faz a diferença neste momento. Agora, não é a hora de deixar de investir no time. São as pessoas que revertem os cenários”, afirma.
Diálogo aberto
A área de recursos humanos da AD Shopping, que tem no seu portfólio 27 shoppings, entre unidades em operação e em desenvolvimento, tem focado seus esforços em uma comunicação aberta e clara para estimular e engajar os funcionários. “Temos um calendário de endomarketing que está sendo mantido mesmo diante da crise”, afirma Carolina Povoa, diretora de recursos humanos da companhia. “Temos usado muito o RH corporativo para fazer ações conjuntas, porque é o funcionário que faz a diferença. E é importante ele estar alinhado e motivado”, afirma.
“Como é uma crise geral, sabemos que as pessoas estão receosas, os investimentos estão parados, mas precisamos ser muito transparentes com o nosso colaborador”, considera. A empresa tem reuniões frequentes e mantém nos shoppings o Plantão do RH – uma política de portas abertas para ficar mais próximo das equipes. “Quando estamos mais próximos dos funcionários e mais transparentes, o quadro se sente mais respeitado e confiante”, afirma.
A empresa passou por um corte pequeno de empregados, mas esse movimento não afetou a moral de quem ficou – sinal de que a companhia conseguiu evitar a desmotivação com comunicação clara. A AD investe em datas comemorativas para engajar o quadro e também tem promovido ações focadas em qualidade de vida. “Temos feito trabalhos para o colaborador se sentir feliz e bem para produzir melhor. É preciso ter um clima e um ambiente bons. E, mesmo diante dessa crise, temos conseguido crescer”, aponta Carolina.
O intercâmbio de boas práticas entre os empreendimentos também foi reforçado. “Temos estimulado o pensamento corporativo de que a união faz a força e trabalhado cada vez mais de forma cooperada. É uma forma de reduzir custos, mas também de integrar”, afirma Carolina. A liderança também é foco na estratégia para motivar os funcionários. “O papel da liderança é passar clareza da informação. Ser transparente sempre é um dos valores fortes da empresa. Sem liderança, as coisas não acontecem.”
Fora das paredes dos shoppings
Além das ações focadas em liderança e comunicação aberta com os funcionários, a Tenco Shopping Centers, que tem mais de 20 empreendimentos no seu portfólio, implementou desde o ano passado uma iniciativa diferente: levou funcionários para fazer montanhismo. “Durante uma atividade de montanhismo exercitamos inúmeros valores que são importantes tanto para a vida pessoal quanto para a administração dos negócios”, explica Adriana Gribel, vice-presidente da companhia. “Espírito de solidariedade, compromisso, superação de desafios, ousadia, estratégia e trabalho em equipe são atributos importantes para uma escalada bem-sucedida e constituem aquilo que buscamos para a nossa empresa”, afirma.
No ano passado, 20 funcionários realizaram uma expedição ao Monte Roraima, para celebrar a inauguração do Roraima Garden Shopping, em Boa Vista. “Foi o sucesso da atividade que fez a Tenco transformar esta ação em um programa anual da empresa”, afirma. Neste ano, 20 funcionários fizeram uma expedição à Chapada Diamantina. “O nosso objetivo foi comemorar a conclusão de um trabalho importante, que foi a implantação do primeiro shopping de Juazeiro da Bahia, localizado próximo à Chapada. Quando levantamos a bandeira da Tenco no final do percurso, pudemos perceber como cada um da equipe foi importante para o cumprimento daquele desafio, tanto o profissional quanto o pessoal, além de nos sentirmos gratos, orgulhosos e motivados”, afirma a executiva.
De acordo com Adriana, o montanhismo ajudou os colaboradores a exercitar valores como simplicidade e humildade. “Na expedição, todos eram iguais, independentemente de ser o presidente, diretor, secretária ou assistente. Fazíamos as refeições juntos, dormíamos no mesmo ambiente e nos ajudávamos mutuamente”, diz. Adriana conta que iniciativas como essa contribuem para reforçar a ideia de pertencimento à empresa. “Os valores deixam de ser algo distante da sua realidade, transcendendo os quadros de avisos afixados nas paredes, para ser experimentados na prática”, afirma. “Cada um passa a enxergar a importância do seu papel para o sucesso do negócio, assim como cada um foi fundamental para a conclusão da expedição”, explica.
Não há como ser diferente
“Engajamento e motivação são irreversíveis”, afirma Motta, do BMI. “Os drivers de engajamento passam por quatro elementos: confiança; comprometimento; combinação de responsabilidade com autonomia; e conhecimento e significado. Esses quatro elementos sustentam uma abordagem consistente de engajamento”, afirma. Para ele, para uma estratégia de engajamento dar certo, é preciso que as empresas entendam primeiro o que motiva as pessoas. “As pessoas se motivam por necessidades, aspirações e expectativas. E o propósito da empresa precisa se encaixar em uma delas. O que não pode haver é apenas o foco na entrega de resultados, onde não se preenche nenhuma dessas indicações”, afirma Motta.
A visão dos líderes
O que os gestores priorizam no processo de tomada de decisão, segundo o impacto dos stakeholders
95% das empresas têm ações focadas na comunicação
78% das empresas administram o conflito entre o cenário de curto e longo prazo
85% das empresas fomentam a busca de significado e propósito
44% atraem pessoas com valores e propósitos afins, priorizando comunicação e engajamento
O que é mais importante na gestão dos stakeholders internos?
Desenvolver competências de liderança 30% (2016) – 43% (2015)
Cobrar senso de responsabilidade 22% (2016) – 26% (2015)
Investir em inovação e criatividade 22% (2016) – 17% (2015)
Melhorar comunicação e feedbacks 17% (2016) – 12% (2015)
Aumentar vínculo com a empresa 17% (2016) – 14% (2015)