Por Vladimir Goitia | Depois de um 2022 histórico, quando pouco mais de 2,5 milhões de metros quadrados (m²) de galpões logísticos das classes A+ e A (alto padrão) foram agregados ao estoque nacional, que alcançou o patamar de 24,72 milhões de m² (incluindo classe B) ao fim de dezembro, o cenário do setor para este ano mudou. “O desempenho dos dois últimos anos não vai se repetir”, afirma Giancarlo Nicastro, CEO da SiiLA, multinacional de soluções e análises para o mercado imobiliário comercial da América Latina.
Primeiro, explica ele, porque os maiores tomadores – principalmente do e-commerce, que depende do consumo (Mercado Livre e Amazon, entre outros) – estão bem posicionados e não devem absorver novas áreas. Depois, porque o mercado já sente os impactos de problemas no varejo (Americanas, Magazine Luiza e Pão de Açúcar, entre outros), onde se verifica a devolução de áreas alugadas.
“Embora ainda positivo e à espera do que vai acontecer na economia, este ano será de cautela antes de uma decisão para erguer novos empreendimentos e também de acomodação na demanda por novas áreas”, diz Nicastro. Levantamentos recentes da SiiLA apontam que há projetos para a construção de 2,8 milhões de m² neste ano, mas apenas 60% a 70% devem ser concretizados, segundo Nicastro. Ele afirma que, nos últimos três anos, o mercado chegou a absorver quase 11,5 milhões de m² de galpões das classes A+, A e B. Ou seja, em média, mais de 3,8 milhões de m² por ano. “Isso não vai acontecer em 2023, porque o mercado de galpões logísticos está diretamente ligado ao consumo, que está se retraindo”, destaca. Na avaliação dele, a pergunta que o mercado se faz hoje é: “Para que alugar mais ou nova área se não preciso ampliar o estoque, já que as vendas estão recuando?”.
Até março, a absorção bruta (novos contratos) nacional de galpões logísticos das classes A+ e A estava próxima de 660 mil m², segundo dados da Cushman & Wakefield. Mas as devoluções de galpões da mesma categoria nesse mesmo período alcançavam 400 mil m². Com isso, a absorção líquida (diferença entre os novos contratos e as áreas devolvidas, termômetro importante do mercado) era de apenas 260 mil m², resultado inferior aos mais de 700 mil m² verificados no primeiro trimestre de 2022.
“Muitas empresas estão reorganizando a casa, principalmente as de e-commerce, que contrataram muito entre 2021 e 2022, anos considerados atípicos durante a pandemia. Além disso, é preciso levar em conta o volume significativo de devoluções de galpões”, diz Eric Ammirati, gerente de leasing industrial da Cushman & Wakefield, uma das líderes globais em serviços de consultoria no mercado de imóveis comerciais.
“O arrefecimento da demanda observado no início deste ano deve ser analisado em função dos vetores que compõem a formação de expectativas de curto e de longo prazos para o segmento”, diz Nicastro. Segundo ele, sob a ótica do investimento, há no momento um ambiente austero para alocações de longo prazo, principalmente em razão do elevado custo do capital/crédito e da deterioração do balanço de riscos local, principalmente o fiscal.
“Na ponta da demanda por novos espaços, é necessário levar em consideração que o fim das barreiras sanitárias e das políticas de transferência diretas de recursos e o aperto das condições monetárias trazem uma conjuntura que naturalmente evoluiria para a acomodação do segmento em patamares próximos aos observados no período pré-pandemia. Porém com um adicional de ruído gerado pela queda no consumo das famílias e um maior compromisso de renda com pagamento de dívidas/crédito”, acrescenta Nicastro.
Outro efeito nesse cenário de cautela deverá ser o aumento da vacância. Nos últimos cinco anos, a ociosidade de áreas caiu de quase 23%, em 2018, para 10,69% no ano passado. Com a entrada de novos galpões prevista para este ano, somada às áreas que vêm sendo devolvidas, a vacância deve se aproximar ou até superar os 12%. Em março, a ociosidade já estava em 11,43%, segundo o executivo da Cushman & Wakefield. “Depois de um período de euforia, a luz amarela foi acesa. Quem já estava com planos de expansão em andamento deve continuar, mas quem tinha intenção de começar a construir ou ampliar vai esperar”, avalia Ammirati.
Nicastro aponta que os setores que mais retraíram suas operações em área ocupada no início do ano foram os de educação, agronegócio e petróleo e gás. “Importante pontuar que, dado os recentes acontecimentos envolvendo questões financeiras de alguns varejistas e empresas de e-commerce, é possível que esses segmentos devolvam área, movimento que pode impactar na representatividade do setor na ocupação, caso outros players não absorvam essas áreas”, diz o executivo.
Thiago Cordeiro, CEO e fundador da GoodStorage, lembra que, ao fim de 2022, já havia certo pessimismo no mercado, com locatários começando a suspender investimentos na tentativa de, antes de tomar uma decisão, entender o cenário econômico que viria depois das eleições. Segundo ele, o último trimestre de 2022 apontava uma redução de 30% no número de visitas e interesse de novas empresas por espaços logísticos operados pela GoodStorage, empresa que atua exclusivamente com galpões logísticos localizados em centros urbanos.
“Naquele período, tivemos uma redução na procura por novos espaços. Porém, nos primeiros meses deste ano, começou a se sentir um crescimento na demanda”, diz Cordeiro. Entretanto, essa ligeira recuperação observada pode estar relacionada à procura por espaços de áreas em condomínios logísticos mais modernos e seguros, em detrimento de locais mais antigos e obsoletos. Fenômeno este conhecido como “fly to quality” – migração em busca de otimização de custos, melhor aproveitamento de espaços e segurança.
Em relação a investimentos, ainda na esteira dos decididos e iniciados no ano passado, Cordeiro diz que a GoodStorage deve entregar neste ano três novos empreendimentos com quase 98 mil m² na zona oeste de São Paulo. Dois deles serão na Lapa e outro na Vila Anastácio. Os recursos desembolsados para essas áreas somam R$ 440 milhões. Ele informa que a empresa está hoje com 90% de ocupação do seu portfólio operacional e espera que essa taxa cresça.
“Acredito que a vacância no mercado como um todo em 2023 deve aumentar devido à entrega de novos empreendimentos. Mas, no caso da GoodStorage, deve ser diferente, porque estamos com cerca de 30% da área que está sendo construída pré-locada”, afirma. Segundo Cordeiro, estudos de consultorias apontam que o mercado infill (empreendimentos localizados próximos ou no centro urbano de São Paulo) tem se mostrado sólido. “Temos apenas 10% de espaço vago no portfólio operacional, atualmente. O que demonstra que a queda de 30% ao fim do ano passado já retomou patamares semelhantes aos do início de 2022”, avalia.
A Prologis, uma das líderes mundiais em desenvolvimento e administração de condomínios logísticos de alto padrão, acredita ainda em período promissor para o mercado de condomínios logísticos e informa que não sentiu retração em seus negócios no país. Armando Fregoso, principal executivo da companhia no Brasil, diz que a empresa tem hoje um portfólio de desenvolvimento de cerca de 235 mil m², parte dele recentemente entregue e outra a ser disponibilizada nos próximos 12 meses. Essa área vai se somar aos 1,7 milhão de m² do atual estoque da empresa, cuja taxa de ocupação, segundo o executivo, está em 98,3%.
“Estamos construindo três novos condomínios, sendo que dois deles ficam prontos ainda neste ano”, afirma Fregoso. Um deles, composto por dois prédios com um total de 42 mil m² na rodovia Anhanguera (SP), foi entregue em janeiro. Outro, localizado na rodovia Raposo Tavares (SP), ficará pronto em junho e terá mais de 80 mil m², divididos em dois galpões. Os investimentos de aproximadamente R$ 700 milhões nos dois parques, aprovados no ano passado, são da Prologis Brazil Logistics Venture (PBLV), joint venture entre a Prologis e a Ivanhoe Cambridge, que investe em propriedades logísticas em São Paulo e no Rio de Janeiro.
“Embora não forneçamos uma previsão para o ano, continuamos a buscar oportunidades de aquisição de terrenos ou edifícios, operações de sale lease back [transferência para terceiros], parcerias de permuta de terrenos e até mesmo aquisições de portfólio na medida em que se encaixem em nossa estratégia de investimentos”, explica Fregoso. Para ele, mesmo havendo menor demanda no mercado mais amplo, ela é altamente concentrada nos mercados secundário e terciário e em galpões de especificações inferiores, nos quais a Prologis não investe.
De acordo com ele, os clientes estão cada vez mais seletivos quanto ao tipo de espaço e localização que buscam ocupar. “No futuro, esperamos que a construção tilt up [técnica que consiste em erguer paredes de concreto armado pré-moldado] e os pátios de caminhão com 55 metros de largura se tornem itens obrigatórios, não apenas bons de se ter”, destaca.
Fonte: Valor Econômico