Por Adriana Mattos e Fernanda Guimarães | Os irmãos Leandro Ramos e Thiago Ramos, fundadores da Kabum e sócios do Magazine Luiza, entraram com requerimento para abertura de arbitragem contra a varejista, na Câmara de Comércio Brasil Canadá, sob a alegação de que supostos conflitos de interesse de seus assessores, e que envolveriam o Magalu, teriam sido prejudiciais à dupla e trazido danos financeiros. O valor em disputa atinge R$ 3,5 bilhões, segundo o pedido.
A Kabum foi vendida ao Magalu em 2021 e a operação, pelo lado dos irmãos, foi assessorada pelo Itaú BBA. Essa transação é foco das divergências que levaram à arbitragem. O requerimento foi encaminhado no dia 24.
Depois que uma das partes solicita abertura de arbitragem o caso é analisado pela câmara e a outra parte é informada do fato. A possibilidade de procedimentos arbitrais entre sócios é definida em contratos de aquisição, sendo uma ferramenta comum para tratar de discordâncias sobre termos das transações.
Anulação
No pedido à câmara, os fundadores apresentam opções para um acordo entre as partes, cabendo a escolha aos fundadores da Kabum.
Como primeira opção, eles solicitam, no requerimento, anulação do fechamento do contrato de compra e venda de ações por dolo (que fez parte da negociação de venda), e recomposição, por parte do Magalu, de ações que garantam R$ 2,5 bilhões negociados com a rede (mais juros e correção monetária).
Como segunda opção, sugerem anulação do contrato de compra e venda da Kabum por dolo, com retorno das ações da Kabum aos fundadores e indenização.
A terceira possibilidade é anulação da compra e venda por dolo, e com pagamento de um valor econômico da varejista on-line no momento da celebração desse acordo (deduzido de valores já pagos).
O requerimento pontua ainda, como quarta opção, “ao menos, a condenação da requerida [Magalu]” a pagar R$ 1 bilhão em dinheiro ou ações, considerando que acordo com metas de “earn-out” (cláusula que determina valores a serem pagos aos vendedores de um ativo com base em desempenho posterior) foram atingidas, alegam eles. No contrato entre as partes, havia definição de “earn-out” a depender de um conjunto de condições.
No requerimento, os advogados dos irmãos recapitulam as divergências entre os sócios, o Itaú BBA, que assessorou os irmãos, e o Magalu, depois da venda da Kabum ao grupo varejista, em 2021, como o Valor antecipou em fevereiro.
Um dos pilares do caso, segundo a defesa dos fundadores, representada pelo Warde Advogados, está na suspeita de que a assessoria teria agido de forma conflituosa, e com participação do Magalu. Os irmãos já entraram com ação para produção de provas contra o Itaú BBA, no começo do ano, na 24ª vara Civil de São Paulo, para tentar comprovar que o banco teria agido em conflito.
Os irmãos afirmam que o banco “manobrou para que propostas ou negociações com outros interessados fossem sabotadas, minadas ou abandonadas de modo que [os sócios da Kabum] fechassem negócio com o Magazine”, segundo a ação.
A intenção, apontam os irmãos, seria concluir a transação para que ocorresse, de forma paralela, uma oferta de ações do Magazine, no valor de R$ 4,5 bilhões, que ajudou a pagar a aquisição.
A oferta de ações alcançou R$ 4 bilhões, com o pagamento à vista aos acionistas da Kabum de R$ 1 bilhão. A venda da Kabum, pelo valor total de R$ 3,5 bilhões (incluindo ações) foi concluída em dezembro de 2021.
Eles ainda alegam que existiria uma relação pessoal entre um executivo do banco e do Magalu, e essa proximidade teria levado a rede a ter informações sobre a negociação com outros interessados.
No requerimento encaminhado ao centro de arbitragem da Câmara, os advogados afirmam que o Magalu se beneficiou da atuação do Itaú BBA para “extrair vantagens” na negociação.
Não há apresentação de provas das alegações à câmara arbitral. Isso pode ser feito, caso existam, em futuras etapas da arbitragem.
Em março, a dupla Leandro e Thiago foi afastada das funções no Magalu por razões disciplinares e em março, foram demitidos por justa causa.
Posicionamentos
O Itaú BBA informou que as acusações são “absolutamente inverídicas” e que a venda da empresa à varejista foi concluída “após um processo competitivo, diligente e transparente, conduzido por um time de executivos ao longo de mais de 18 meses, e para o qual foram convidados mais de 20 potenciais compradores, nacionais e estrangeiros”.
Ainda diz que todos os potenciais compradores “tiveram ampla e equânime oportunidade de análise do negócio e envio de propostas, sendo que cinco desses potenciais compradores efetivamente enviaram propostas pela companhia”.
Segundo o banco, os sócios da Kabum “sempre estiveram à frente das negociações e tomaram todas as decisões ao longo do processo”, principalmente em relação aos valores e condições da transação e à escolha das propostas.
O banco diz que os sócios da Kabum estavam “plenamente” cientes dos riscos e contaram com um assessor jurídico independente “e de primeira linha”. Também estariam cientes de que a oferta de ações aconteceria independentemente da operação de compra e venda da companhia. O banco completa dizendo que as alegações de suspeita entre membros do banco e da rede são “descabidas”.
O presidente do Magalu, Frederico Trajano, é membro do conselho de administração do banco. Na visão dos irmãos, isso indicaria uma relação estreita entre as partes, para sustentar a alegação de conflito no processo pela dupla.
O Itaú BBA afirma que essa relação é um fato público e notório, “de total conhecimento não apenas dos antigos acionistas da Kabum, mas do público em geral”, e não confirma qualquer suspeita.
O Magazine Luiza ainda não se manifestou.
Fonte: Valor Econômico