Os cartazes pregados em todos os lugares de passagem do prédio, sobretudo nos corredores e elevadores, bombardeavam os funcionários com o seguinte recado: “PALAVRA DO DIA: A FILA VOLTOU”, assim mesmo, em letras garrafais.
Um vídeo gravado pelo CEO da empresa, as 6h40, no escritório, mostrando que já estava no “batente” bem cedinho, circulava de celular em celular, tilintando ao som do WhatsApp. Um podcast motivacional também estava prestes a sair do forno para animar o time.
As mensagens subliminares serviam para deixar claro para todos os 18 mil funcionários do Habib’s: o fundador voltou. No início de setembro, Alberto Saraiva, o homem que criou um império a partir de uma loja, em São Paulo, há 31 anos, retornou ao posto de CEO.
Há quatro anos, ele vinha ocupando a presidência do conselho da companhia e seu primo, Mauro Saraiva, estava sentado na cadeira de CEO. Nesse meio tempo, entretanto, viu a rede fechar 20 lojas e assistiu à queda de visitas nos restaurantes.
O número de pessoas que transitavam em suas unidades caiu de 200 milhões ao ano para 180 milhões ao ano. Os preços das famosas esfihas também não eram mais atrativos como sempre foram. Em vez dos centavos que fizeram a fama da rede, elas saiam por R$ 1,98 a unidade.
Indagado sobre o seu retorno se deve a algum problema de gestão, Saraiva justifica a sua volta por uma questão de mudança de mercado. Explica que Mauro entende muito de operação e vai para o cargo de COO. Afirma também que a guerra de preços entre McDonald’s e Burger King foi um dos fatores que mais afetaram seu negócio.
“Antes, com o mesmo valor de um Big Mac, você comprava 16 esfihas. Aí passou a comprar 8. Com a minha vinda como CEO, voltou ao patamar de 16. Entramos na guerra dos preços de forma mais atuante. Por isso voltei”, diz ele ao NeoFeed.
O que tem acontecido com o Habib’s é quase o mesmo fenômeno que aconteceu com a PagSeguro, na famosa guerra das maquininhas. Ela criou o mercado mais acessível e as competidoras foram atrás, ganhando terreno.
“Durante muito tempo, o Habib’s reinou sozinho nesse mercado mais acessível”, diz Alberto Serrentino, da consultoria de varejo Varese Retail. “Acontece que, ao longo do tempo, o Habib’s reposicionou seus preços e os outros concorrentes se adequaram para levar fluxo às lojas.”
Com um total de 549 lojas, das quais 320 do Habib’s, 223 da rede Ragazzo e seis unidades da churrascaria Tendall, o grupo planeja uma ofensiva para ganhar mercado. “Vamos abrir cerca de 120 lojas dentro de um ano. Investiremos cerca de R$ 40 milhões na expansão”, diz Saraiva.
Saraiva já deu uma pequena amostra do que o seu retorno pode representar na segunda semana de setembro. Quem comprava esfiha nas lojas, pagava R$ 0,79 a unidade. Ao comprar pelo aplicativo, que acaba de ser lançado, os clientes pagavam R$ 0,49.
Resultado: em duas semanas de setembro, as transações financeiras nas lojas foram 35% maiores do que as realizadas em todo o mês de agosto. A margem foi sacrificada, é verdade, mas Saraiva afirma que o faturamento foi 40% maior, o delivery cresceu 96% e o aplicativo foi baixado por 190 mil pessoas.
“Os números são estrondosos”, diz ele. Ao trazer mais clientes para dentro das lojas, o grupo consegue explorar mais o potencial de compra das pessoas. “O cliente não fica só na promoção. Ele pede uma batata, come um beirute, uma pizza. Por isso, o meu primeiro objetivo como CEO é trazer o cliente de volta para as lojas.”
Outra meta é transformar a companhia digitalmente e, para isso, o aplicativo é crucial. Afinal, é um modo de reduzir a dependência de serviços como o iFood, Uber Eats e Rappi. E isso é fundamental para as grandes cadeias de fast food.
Ao mesmo tempo em que são parceiros, principalmente, por conta da capilaridade, os aplicativos comem uma boa parte da margem de lucro das redes de fast food e também acabam dominando a relação com o cliente. Ou seja, ele se torna mais fiel à plataforma e pode deixar de lado uma determinada rede de fast food para pedir em outra.
De olho nisso, Saraiva relançou o aplicativo, com mais funcionalidades, e passou a dar mais desconto para quem pede por lá. “A campanha do R$ 0,49 acaba e vai continuar para quem fizer o pedido pelo aplicativo. É a forma de ter um contato direto maior com o cliente, de se aproximar mais e, na hora de pensar em comer, ele vai pedir no aplicativo que tem desconto.”
A chacoalhada que o empresário promete dar na companhia também passa pela mudança de diretorias – ele trocou quatro das 14 existentes –; e por fazer uma spin-off da Voxline, empresa de contact center do grupo, criada em 2002 para atender o Habib’s. “Hoje, o grupo representa 20% do faturamento da Voxline”, diz Saraiva. Dos R$ 100 milhões de receitas anuais, 80% vêm de clientes como Novartis, Claro, Aché, entre outros.
Saraiva também avalia a possibilidade de vender parte do grupo, em 2020, e aí se preparar para uma abertura capital em 2024. “A princípio, pensamos em fazer isso com a Ragazzo”, diz Saraiva. O faturamento é mantido sob sigilo, mas estima-se que esteja na casa dos R$ 2,5 bilhões por ano. Deste total, 70% viriam do Habib’s e os outros 30% do Ragazzo.
O retorno do fundador é visto no mercado de duas maneiras. Um consultor que não quis se identificar, ouvido pelo NeoFeed, afirma que é sinal de que o empresário não conseguiu preparar o seu sucessor como deveria. Um executivo que conhece a operação enxerga de outra maneira. “O Alberto já conquistou tudo, precisava sentir a adrenalina novamente”, diz ele.
Eles também voltaram
Casos de fundadores que retornam às empresas que criaram são mais comuns do que se imagina. Um dos exemplos mais famosos é o de Steve Jobs, da Apple. Em 1985, ele foi dispensado da empresa e voltou doze anos depois com a tarefa de salvar a Apple da bancarrota.
Jobs reestruturou a companhia, demitiu muita gente e criou produtos como o iPod, iMac e o iPhone. Reinventou a empresa que havia fundado anos antes. Quando morreu, em 2011, a Apple valia US$ 350 bilhões, 100 vezes mais do que quando havia retornado. Hoje, vale quase US$ 1 trilhão.
Jack Dorsey, do Twitter, é outro que precisou deixar a “aposentadoria” e voltar ao comando da empresa que havia criado. Em 2015, ele foi novamente alçado ao posto de CEO para fazer a companhia crescer e atingir o lucro pela primeira vez em sua história.
Mas nem sempre o retorno do fundador é triunfal. Jerry Yang, do Yahoo, que o diga. A empresa chegou a valer mais de US$ 120 bilhões no início dos anos 2000. Porém, perdeu espaço e valor de mercado por não ganhar a batalha das buscas contra o Google.
Yang voltou ao comando da companhia em 2007 e, em 2008, o Yahoo recebeu uma proposta de compra da Microsoft de US$ 44 bilhões. O fundador foi contra e, para a fúria dos acionistas, barrou o negócio. Em 2017, o Yahoo seria vendido por US$ 4,4 bilhões para a empresa de telecomunicações Verizon.
No caso do Habib’s, Saraiva, um médico de formação que nunca exerceu a profissão, diagnosticou o problema e terá de trabalhar forte para resolvê-lo. “Minha vinda como CEO dá uma velocidade maior porque conheço a operação inteira. Na verdade, eu sou o único que exerceu todas as funções desde o início.”
Ele, entretanto, não fala com a isenção de um médico que trata o paciente friamente. “Não diria que estava infeliz. Voltei porque, para mim, o Habib’s é um filho. Como fundador, tenho um carinho especial, um grande amor pela empresa.”
Fonte: Neofeed