Empresas são grandes porque têm uma boa gestão, ou têm uma boa gestão porque são grandes? Saber como responder a essa questão pode fazer toda a diferença no futuro de um negócio. De olho na profissionalização de suas companhias, redes franqueadoras têm se inspirado em grandes empresas para adaptar seus negócios, alterar metodologias e ter visão de futuro.
A Casa do Construtor implementou o método Lean, modelo de gestão inspirado em práticas e resultados do Sistema Toyota, no final de 2013. De acordo com o coordenador do Serviço de Atendimento ao Franqueado (SAF) da rede, Bruno Arena. “Ficamos muito preocupados em tentar maximizar o resultado operacional das nossas lojas e fazer frente àquilo que pudesse ser uma onda diferente de mercado. Queríamos nos preparar para eventuais problemas”, explica.
A rede buscou por uma metodologia de gestão que valorizasse seu histórico, para que não perdesse referência. A loja do Bom Retiro, na capital paulista, operou como piloto durante o final de 2013. “Observamos as melhorias e criamos um grupo em 2014, com três lojas próprias e sete franqueadas, de tamanhos variados”, comenta Arena.
O lançamento para toda a rede aconteceu na virada de 2014 para 2015, o que os levou a revisitar todos os processos. Os franqueados migraram em grupos, conforme viam os resultados das unidades que já estavam funcionando sob o novo método. Arena explica que não foi imposto e sim sugerido. “Todos os indicadores na construção civil são negativos, na nossa rede o crescimento é de 11% em relação ao ano anterior”.
Desafios
Arena elege como maior desafio a própria mudança de cultura tanto da franqueadora quanto dos franqueados. “O primeiro contato com a metodologia foi um choque de pensamento tão grande. Tivemos que revisitar tudo, desde a contratação até como executo a locação na ponta. Pensamos ‘será que eles estão preparados para desconstruir aquilo que foi construído ao longo dos anos?”, disse.
Trazer um novo método faz com que diversos processos rotineiros passem por alterações significativas. Por essa razão, o segundo maior desafio é o engajamento da rede, que é diretamente ligado à percepção de valor agregado.
Pole position
E se o franqueador pudesse acompanhar o desempenho de cada franquia em tempo real, como é feito na telemetria utilizada na Formula 1? A mesma velocidade empregada para corrigir problemas dos carros na pista poderia ser aplicada para melhorar o desempenho da unidade, antes do fechamento do mês. Foi essa motivação que fez a Outer Shoes trabalhar durante um ano para criar um sistema capaz de fazer isso. Os frutos já foram colhidos: aumento de 40% no faturamento da rede e de 90% no desempenho das lojas.
O sistema é um compilado de diversos aplicativos e softwares utilizados no mercado. “O varejo vem se profissionalizando muito. Hoje, em qualquer atividade de alto desempenho, temos um acompanhamento em tempo real e feedback para ajustes e melhoramento efetivo”, observa o gerente de expansão da rede, Filipe Lamin.
Na visão do executivo, o varejo é um mercado de alto desempenho, dada a sua importância para a economia do País. A indústria já colhe diversas informações relevantes, mas não sabe como ler. “Vivemos em uma era em que tudo é informação, mas corremos o risco de olhar as informações erradas”. Lamin diz que conseguir distribuir as coordenadas certas para as pessoas corretas é a chave para o melhor desempenho possível.
O fundador da consultoria Leão Business Upgrade, Juarez Leão explica que há uma crença de que ferramentas como planejamento estratégico, governança corporativa e Conselho de Administração são apenas para empresas grandes e isso não é verdade. “Quando o franqueador tem até 30 lojas faz a gestão com ferramentas quase caseiras, porque consegue fazer rodar. Quando dobra, passa para 60, não dá mais conta”, explica.
Outro erro apontado pelo especialista é que algumas redes têm os elementos citados, mas não sabem como utilizá-los, extraindo o mínimo que pode ser aproveitado. “Quando percebem, nada conversa com nada, vira uma colcha de retalhos”.
Desde o início
O diretor de franquias da Lojas Calci, Antonio Carlos Diel tinha um plano bem elaborado, antes de abrir a empresa. Ele trabalhou em consultoria durante 15 anos observando “as dores” do pequeno varejista. “Um pequeno negócio demanda muitas necessidades, o lojista tem que comprar bem, tem que gerir o estoque, não pode comprar de mais ou de menos. Eu, que sou da área financeira, tinha muita dificuldade de entender isso”, comenta.
Diel explica que treinamento, atendimento, crédito e gestão financeira são preocupações constantes do pequeno varejista e que poucos sabem como tratar. “Modelamos a franquia para dar essa estrutura. Hoje temos 30 pessoas só na retaguarda da Calci”, afirma.
Nas vinte lojas da rede, todos os vendedores utilizam tablets durante o atendimento. A marca desenvolveu um sistema de business inteligence que identifica o cliente, informa o calçado de preferência, se há no estoque e quais produtos são similares e podem agradá-lo. A plataforma também ajuda na concessão de crédito com identificação facial. De acordo com Diel, em três minutos é feito o cadastro, a aprovação e o registro. Grandes lojas de departamento foram a inspiração para a Calci nesse quesito. “Investimos muito forte em planejamento, estrutura do negócio, mantendo o atendimento humanizado. O mercado está carente disso e queremos ser vistos, ser percebidos”, afirma.
Para fazer certo
Leão acredita que a empresa precisa nascer com a intenção de ser grande e o empreendedor brasileiro dificilmente tem essa visão. Quando menos percebe, o sistema caseiro desenvolvido para o início do negócio não comporta mais a demanda e a implementação de uma nova ferramenta torna-se um trauma. “Isso explica porque muitas franquias não conseguem passar de cem lojas. Quando chega nesse ponto, precisa fazer um freio de arrumação, fechar algumas que não deram certo e voltar casas”.
Já existem diversas soluções no mercado adequadas para o bolso da PME. Esse é o primeiro desafio que as empresas apontam para não iniciar a jornada “pensando grande”. “Não precisa começar no primeiro dia, mas tem que saber que um dia vai fazer. É preciso criar um ambiente propício para implementar o sistema no futuro”, aconselha Leão.
Isso, inclusive, deve ser um ponto de atenção. O pensamento grande não deve sobrepor a capacidade do empreendedor no começo. O especialista aconselha que o investimento inicial não seja além do que a empresa pode pagar e se manter saudável. A visão externa sempre é uma boa alternativa. “Trazer alguém de fora é bom para exercitar olhares diferentes, que não tenham o vício do negócio. As ferramentas ajudam porque transformam desejos em planos tangíveis de crescimento”, explica.
Fonte: ABF