Depois de dirigir por 170 quilômetros, da capital paulista até o município de Quadra, o empresário José Carlos Semenzato estacionou a sua Land Rover ao lado da sede de uma fazenda, propriedade que já foi um haras. A cena poderia ser comum, não fosse por um detalhe. Para esse dia, uma manhã de fevereiro, Semenzato calçou um par de botas novinhas, de vaqueiro, pela primeira vez na vida. Elas foram compradas poucos dias antes, porque botas não fazem parte de seu guarda-roupa. Esse tipo de calçado não combina com a atividade de um empresário urbano que convive com uma agenda carregada de reuniões e de viagens executivas. Aos 50 anos, Semenzato é dono da maior aceleradora de franquias do País, a SMZTO Holding de Franquias Multisetoriais, criada em 2010. Neste ano, seu negócio deve faturar R$ 1,5 bilhão, tendo como sócios algumas celebridades.
Entre elas, as mais populares são a apresentadora Xuxa Meneghel e o tenista Gustavo Kuerten, ex-número 1 do mundo e tricampeão de Roland Garros, um dos mais importantes torneios do mundo. No portfólio de cerca de mil franquias da SMZTO há nomes de sucesso, como o Instituto Embelleze, a Casa X, o Espaçolaser, a Life USA, entre outras. Mas, naquele dia da visita à fazenda, onde recebeu a DINHEIRO RURAL com suas botas reluzentes, o interesse de Semenzato era outro. “Não posso mais usar sapato para vir aqui, eles não servem”, disse ele. “Agora, o negócio é outro.” E se há algo do qual Semenzato entende é de negócio. Não por acaso, ele quer replicar no campo o mesmo modelo de seus investimentos urbanos e se tornar um grande franqueador de touros, reprodutores aptos à melhoria do rebanho nacional. A decisão é inédita. Não há no País nenhuma história semelhante no agronegócio. O investimento do empresário está estimado entre R$ 6 milhões e R$ 10 milhões, dos quais R$ 2 milhões são para desenvolver o modelo de franquia que entra em operação neste mês.
Vender genética bovina no Brasil é um negócio desafiador. O rebanho brasileiro de vacas e novilhas em idade fértil, de raças para a produção de carne, é estimado em cerca de 80 milhões de animais. O rebanho estimado de touros é de 2,6 milhões. A recomendação de especialistas em genética reprodutiva é que se troque anualmente 20% desse rebanho de touros por animais melhoradores de plantel, que tenham passado por programas de seleção e que levem a uma produção mais eficiente de carne. O negócio é que não há essa quantidade de touros disponíveis no mercado. Por isso, na maior parte das vezes, o pecuarista de corte acaba usando um animal de qualidade duvidosa e sem procedência, formando um ciclo vicioso: touro ruim produz um bezerro sem qualidade, que se transforma em um boi pouco valorizado pelo frigorífico.
Ainda que a pecuária tenha melhorado muito nas últimas duas décadas, esse ciclo ainda é difícil de ser rompido. O plano de Semenzato é entrar no mercado para ajudar o produtor de bezerro comercial, que já dispõe de vacas, a se tornar um produtor de touros para o mercado. Assim está nascendo a sua franquia, chamada Fábrica de Touros Senepol, raça escolhida para disseminar a genética bovina. Para colocar seu plano em prática, Semenzato buscou um parceiro que entende de um negócio do qual ele ainda sabe pouco: a pecuária. A parceria foi fechada com os irmãos João Arantes Neto e Ricardo Arantes, herdeiros do criador João Arantes Júnior, da Agropecuária Nova Vida, que há quatro décadas cria raças de gado de corte. “Há cerca de um ano, quando começamos a conversar, nós também questionamos muito se uma franquia de touros daria certo”, diz Arantes Neto. “Semenzato nos passou a sua história e a experiência que acumula em todos os outros setores de franquias, e assim nasceu a parceria.”
BERÇO A história de Semenzato começou com uma cesta de coxinhas, quando ele tinha 13 anos de idade. Foi com a venda delas que ele conheceu o que era dinheiro no bolso. Mas isso era pouco. Aos 18 anos, tornou-se professor de segundo grau. A partir daí, sua vida deu uma guinada. Ele abriu uma escola de cursos profissionalizantes nas áreas de administração e informática, a Microlins, em 1991. Em 2009, o empresário faturava R$ 400 milhões, possuía 800 unidades franqueadas em 500 cidades de 23 Estados. A rede foi vendida em 2010, por cerca de R$ 110 milhões, para o empresário Carlos Wizard Martins. No mesmo ano, ele criou a sua holding de franquias SMZTO, que movimentou R$ 1 bilhão, no ano passado. “Nós temos expertise em franquias, em análise de retorno de investimento e em treinamento”, diz Semenzato. “Dominamos esse modelo de negócio.”
O interesse pelo agronegócio começou a nascer de uma proposta que Semenzato recebeu durante uma caminhada em um condomínio de São José do Rio Preto (SP), onde morou por uma década e mantém até hoje uma casa para receber os amigos. Hoje, seus negócios estão na capital. “Sou apaixonado por moda de viola e tenho como amigos do coração Chitãozinho e Xororó, Bruno e Marrone, Victor e Léo”, diz ele. “Minha ligação com o campo terminava aí, eu não conhecia nada desse universo.” Mas, um dia, o administrador Rodolfo da Silva Alves, também dono de uma pequena rede de franquias, pecuarista em Lins (SP), e que hoje é o diretor de operações do projeto Fábrica de Touros Senepol, propôs a Semenzato abrir uma franquia no setor do agronegócio. “No primeiro momento até pensamos em uma rede de lojas, no interior do Brasil, que tivesse tudo para os pequenos produtores, porque eles não têm acesso a consultoria, suporte de gestão e medicamentos em escala”, diz Semenzato. “Mas há um ano conheci o trabalho na Nova Vida e o projeto mudou.”
No início de 2017, Semenzato começou a traçar cenários, realizar estudos de mercado, visitar fazendas e leilões de gado. Ele chegou até a comprar algumas fêmeas senepol da Nova Vida, que são doadoras de embriões. “Meu conhecimento de pecuária continua sendo quase zero, mas minhas franquias dão certo porque sempre tenho um sócio operador que domina a cadeia”, diz Semenzato. “Fui conhecer a qualidade do sócio. Ele é muito importante, não apenas no aspecto técnico, mas também na credibilidade que tem no mercado, em vender e entregar, e em cumprir o que foi prometido.” No caso da Nova Vida, a fazenda cria senepol puro desde novembro de 2000. Nessa época, João Arantes Júnior, que faleceu em 2002, aos 62 anos, desembarcou 60 vacas no aeroporto de Porto Velho (RO), de um avião DC-8 fretado no Texas, para formar o primeiro rebanho da raça no País. “Meu pai trouxe o senepol porque queria uma raça adaptada às condições tropicais”, diz João Arantes Neto. “Ele desejava uma raça capaz de suportar o calor brasileiro e transmitir precocidade para o rebanho através de touros, missão que as raças de origem europeia somente conseguem através do sêmen.”
O negócio de franquias de touros tem um alvo. Semenzato e os irmãos Arantes querem como clientes os pequenos e os médios pecuaristas, com cerca de 100 a 150 vacas em idade fértil. “Não vamos descartar os grandes pecuaristas, mas também não vamos buscá-los”, diz Semenzato. “Porque no franchising é preciso ter o dono do negócio focado e muitas vezes a produção de touros, para o grande produtor é apenas uma parte pequena de seus investimentos.” O modelo de franquia inclui assistência técnica, comercial e marketing dos produtos. Ele está formatado em três níveis de produção: até 40 touros por ano, até 80 touros por ano e até 120 touros por ano, com taxas de franquia entre R$ 30 mil e R$ 50 mil. Na primeira fase do projeto, há um desconto de 50% em todas as faixas. Com o contrato assinado, o pecuarista passa a receber assistência de médicos de veterinários que preparam as vacas para o processo de Fertilização in Vitro (FIV). O franqueado paga por cada embrião implantado em suas vacas cerca de R$ 1,5 mil. A próxima despesa acontece somente no momento da venda dos touros nascidos, 5% de royalties no preço do animal. Os embriões são filhos de 25 grandes doadoras da Nova Vida, acasaladas com cinco touros avaliados pelo Instituto de Zootecnia de Sertãozinho (SP), entidade que coordena um programa de melhoramento da raça. “Temos sêmen sexado de machos destinados a produzir embriões, e já guardado, suficiente para atender três anos de projeto”, diz Arantes Neto. Semenzato afirma que a taxa de retorno da franquia começa aos 46 meses. “Queremos pelo menos cinco franquias em operação e bem estruturadas até o final de 2018, para que o negócio comece a deslanchar. Depois, o crescimento vem do boca a boca.”
A conta é a seguinte: o pequeno e médio criador tem seu negócio baseado na venda de bezerro. Esse animal vale atualmente cerca de R$ 1,5 mil aos dez meses de idade, no mercado de recria e engorda para abate. Mas, se ele destinar parte de suas vacas para receberem embriões sexados de machos, essa produção vale no mercado R$ 5 mil na mesma idade. Isso porque são candidatos a se tornarem touros. Ou, se o criador esperar para vendê-los como touros senepol, próximo de 16 meses, a cotação atual vai de R$ 9 mil a R$ 11 mil. Na teoria, o cálculo é simples. Para um criador que tenha 100 vacas e venda 80 bezerros por ano, ele poderia sair de uma renda anual de R$ 120 mil para um mínimo de R$ 720 mil. “Claro que um criador não precisa colocar todas as suas vacas de uma só vez, ele pode ir aos poucos. Se fizer 40 tourinhos por ano já estaria ganhando o dobro”, diz Arantes Neto. “O criador pode continuar com o gado comercial e ir passando aos poucos para a produção de genética senepol.” Além disso, os franqueadores vão ajudar o produtor a colocar os touros no mercado. Atualmente, a Nova Vida, que tem duas fazendas no Estado de São Paulo, vende todos os anos cerca de mil touros da raça. “No Brasil, há 60 mil vacas puras, mas a oferta de touros senepol ainda é pequena”, afirma Arantes Neto. De acordo com a Associação Brasileira de Criadores de Bovinos Senepol (ABCB Senepol), 8,5 mil touros puros (PO) registrados foram vendidos em 2017, principalmente nas fazendas e com uma pequena parte em leilões. Está muito longe da principal raça criada no País, a nelore, que apenas nos pregões vendeu cerca de 35 mil touros. “Há mercado para a raça e vamos buscá-lo”, diz Semenzato.
No mês passado, antes mesmo da franquia estar no mercado, Alves, o diretor de operações do projeto e responsável por captar os franqueados, já estava recebendo visitas de criadores. “Para o pecuarista, o importante é que ele enxergue valor”, diz ele. “Isso, em qualquer negócio que venha a se envolver.” Uma das visitas foi a do criador Matheus Hernandes, do Sítio Três Irmãos, em Promissão (SP), terceira geração no agronegócio. Na propriedade de 120 hectares, ele possui 170 matrizes nelore e vende 150 bezerros por ano. “Preciso intensificar a minha criação”, diz ele. “E é importante ver quais são as opções que estão no mercado.” A outra visita foi a do criador Fábio Barduzzi, um dos herdeiros da fazenda Eldorado, em Bonito (MS). Barduzzi, de 27 anos, tem o perfil fora do foco de Semenzato e Arantes Neto. Desde 2016, ele é o gestor financeiro da fazenda de três mil hectares e com um rebanho de duas mil fêmeas. Jovem e disposto a praticar uma pecuária de alta precisão, é dele a função de pesquisar o mercado e planejar a venda de produtos. Com ciclo completo, atualmente a fazenda abate 560 animais meio-sangue nelore com angus, com 20 arrobas de peso. “Com o senepol, seria a chance de ter um terceiro produto”, diz ele. “Não podia deixar de conhecer de perto como isso é possível.”
PESQUISA Um estudo apresentado em fevereiro pela Scot Consultoria, de Bebedouro (SP), encomendado pela ABCB Senepol, mostra que Semenzato e os irmãos Arantes podem estar no caminho certo. A pesquisa ouviu 300 usuários de touros da raça, para cruzamento industrial, que produzem bezerros meio-sangue. Entre eles, 73,2% disseram receber ágio sobre o valor de mercado do bezerro convencional e 93,2% pretendem continuar usando touros senepol PO na vacada. “O pecuarista tem conhecimento e sabe o que é um bom touro. E não importa o seu tamanho”, diz Alcides Torres, dono da Scot. “Os pequenos e os médios também estão atentos. Vemos isso nos encontros que realizamos todos os anos.” Nos eventos da empresa, os participantes contam com um rebanho médio de 500 animais. Esse público está disposto a pagar entre 40 arrobas de boi gordo a 60 arrobas, por touro, o que daria no mês passado uma cotação máxima de R$ 8,7 mil. “Daí para frente, o produtor de bezerro comercial passa a fazer muita conta, porque um touro por 80 arrobas de boi começa a ficar caro para o bolso dele”, diz Scot.
Para o médico veterinário Pedro Crosara Gustin, especialista em produção agroindustrial e atual presidente da ABCB Senepol, a meta do estudo era saber qual a visão atual do usuário de touro da raça. Daí a importância em mapear o gado meio-sague em todo o País e buscar pelos resultados de campo. “Sabendo onde a raça cresce, e como ela vem se comportando, abre-se a possibilidade de iniciar a avaliação das carcaças de animais abatidos em um futuro não muito distante”, afirma Gustin. “Aos criadores, o que importa é ter carne de qualidade para vender no mercado.” Para ele, com duas décadas no País, a raça já está consolidada como um produto pecuário e começa a subir a régua. “Agora, está na hora de tirar o senepol do pasto e levar para o prato”, afirma Gustin.
Estimativas do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (Usda, da sigla em inglês) projeta para o período de 2017 a 2028 um aumento de dois milhões de toneladas na produção brasileira de carne, totalizando 12 milhões, por ano, até lá. As exportações podem chegar a 2,9 milhões, 4,7% do volume anual. Para mostrar dados financeiros, que dêem visão de negócio ao produtor, no fim do ano passado a ABCB Senepol contratou o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea-Esalq/USP) para um estudo econômico das propriedades que criam animais cruzados. Os primeiros resultados devem ser apresentados em julho.
A carne de senepol, de fato, é um produto que ainda não chega identificado no prato do consumidor. Mas já há restaurantes de olho nisso. “Nossa vida é atender a demanda do cliente”, diz Marcelo Shimbo, diretor da Prime Cater, fornecedora de carne que processa 500 mil porções para restaurantes, todos os meses. Dá, em média, 2,5 mil bois abatidos no período. “O Senepol entrou na política da casa, que é oferecer novidades ao consumidor.” Há cerca de um ano, a rede de restaurantes Pobre Juan, com 11 casas em São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Campinas, interior paulista, promoveu um festival de degustação de carne da raça.
Fonte: Dinheiro Rural