Dono da maior rede de franquias de cosméticos do mundo, O Boticário viu sua participação de mercado dobrar na última década — resultado, em boa medida, de uma entrada bem planejada no canal de venda direta, que representa um quarto do mercado de cosméticos no Brasil e foi o berço das concorrentes Natura e Avon.
Agora, o grupo está focado em avançar em mais um território: o das farmácias, perfumarias e lojas de departamento, conhecidas no jargão do varejo como ‘canais não proprietários’.
A sondagem do novo canal começou silenciosamente em 2012, quando o grupo comprou uma fatia na Frajo, uma distribuidora de cosméticos importados e, com isso, passou a ter exclusividade na distribuição de marcas como Revlon e Australian Gold.
Em 2017, o grupo comprou o resto da companhia e criou a Multi B, a plataforma responsável por atender toda a rede não proprietária — das drogarias a redes como Renner e Riachuelo, passando pelas perfumarias de bairro. No ano passado, o grupo comprou a Vult, ganhando acesso a 35 mil pontos de venda.
Fundado em 1977, o Grupo Boticário é formado por cinco marcas; as marcas ‘novas’ (as que não levam o nome do grupo) representaram mais de 20% do faturamento de R$ 13,7 bilhões no ano passado.
O CEO Artur Grynbaum falou ao Brazil Journal sobre a estratégia multicanal do grupo (ou, como ele brinca, ‘no-channel’), o comportamento do consumidor e por que a compra da Avon — que deve ir para a concorrente Natura — não lhe pareceu um bom negócio.
A seguir, trechos da conversa.
A Vult abriu uma avenida em pontos de distribuição fora das lojas próprias. Em que medida esse canal é relevante para vocês?
O raciocínio macro: eu tenho uma presença mega relevante em loja especializada. Tenho boa presença em vendas diretas. Faltava varejo não proprietário. Estou botando meu pezinho aqui. Agora tenho participação em todos os canais de distribuição no Brasil.
Essa é a estratégia-mãe, que começou lá no passado com a compra da Frajo, que fazia a distribuição de algumas marcas importantes. A partir disso, começamos a entender um pouco melhor esse modelo e transformamos ela na Multi B, que é a plataforma para esse canal não proprietário. Com a Vult, criamos um portfólio que consegue atender bem esse canal.
De que forma essa capilaridade que veio com a aquisição da Vult altera a estratégia de vocês para outras marcas? Vocês estão pensando em levar produtos de Boticário e Eudora para esses outros canais?
Não vamos misturar as coisas. Tenho iniciativas específicas: Eudora, por exemplo, é só a marca Siage [de cabelos] que vende em farmácia. Além da venda em si, a presença em farmácias e multimarcas também torna a marca mais exposta, mais conhecida. É essa a estratégia de pano de fundo para a Quem Disse Berenice!, por exemplo. O resto são marcas dedicadas integralmente ao canal não-proprietário, como a Vult.
Como está a estratégia de M&A de vocês? É mais focada em marcas para completar esse portfólio da Multi B? Vocês já mencionaram em entrevista que tinham interesse na categoria de cabelos…
Olhamos tudo com carinho e, sim, faz sentido a gente fechar esse portfólio voltado para canais não proprietários. Cabelo é uma das categorias que olhamos, é o maior mercado, um dos que mais crescem e nossa participação se dá basicamente por marcas proprietárias. Mas é apenas uma categoria que olhamos, não é exclusivo.
Como vocês estão na estratégia de digitalização das lojas?
Estamos trabalhando na integração dos canais. Desde a Black Week, nós disponibilizamos click and collect em todas as lojas da The Beauty Box. Você pode também fazer o pedido na loja e retirar em casa. Essa é beleza de ter várias marcas, vários modelos dentro de um mesmo grupo: dá para aprender um pouco mais e ver como transportar para outras unidades do grupo.
O Boticário vai começar a fazer em breve o click and collect. Estamos com O Boticário Lab, uma loja conceito no Shopping Pátio Batel, em Curitiba, que é diferenciada: ela é mais digital, tem um storytelling mais avançado e tem produtos diferentes sendo ofertados. É uma plataforma para pensar em coisas novas e fazer teste de novos produtos.
Vocês tem um prazo para fazer toda essa integração?
Não tem um big bang e pronto, viramos omnichannel. São várias coisas que vão se integrando, desde modelo de operação de lojas, até geração de pedido via rede social. Tudo isso vai criando um ecossistema.
Nossa plataforma é muito grande, são mais de 4 mil franquias, um tanto de lojas vai sendo convertida para o novo modelo por ano. Mas é importante dizer que nosso modelo é diferente de outras empresas: temos lojas, catálogos. Não tem necessidade de ter produto só na Internet. É diferente de uma rede que tem 100 lojas no País e precisa do online para dar a capilaridade. Eu já estou no Brasil todo com loja, com catálogo, com revendedora. A gente consegue ofertar e dar capilaridade ao Brasil todo.
Vocês têm uma complexidade extra em relação a outros tipos de varejo, que é tentar operar online com uma rede de franquias e revendedoras. Como fazer essa integração sem criar fricção com o franqueado, sem que ele ache que haverá uma canibalização das vendas?
A intenção é sempre ter os franqueados dentro do canal. A gente busca fazer com que não haja uma competição da porta para dentro. A venda direta do Boticário já veio através dos franqueados: eles são nossos parceiros de negócios. A entrega a partir do franqueado tem dois fatores interessantes: o cliente é atendido de forma mais rápida e o frete é menor do que se eu despachasse de um centro de distribuição.
Estamos modelando esse ‘ship from store’. Tenho que ter o sistema para garantir que tudo que está sendo pedido para aquela loja vai ser disponibilizado. E tem também um sistema interno, que está sendo desenvolvido, que vai liquidar qual a participação de cada franqueado numa venda gerada na Internet e entregue a partir do estoque da loja, por exemplo.
Vocês chegaram a olhar a Avon, que está em vias de ser vendida para a Natura. Por que não se interessaram?
Nós olhamos, mas não tivemos interesse em prosseguir porque achamos que era uma dispersão muito grande. São mais de 60 países em uma marca que é importante, mas que vai exigir um esforço muito grande. Tinha uma sinergia muito grande que era a parte de Brasil, mas, na nossa avaliação, o pacote todo versus o que a gente tem a fazer de agenda própria trazia uma complexidade gigantesca. Então preferimos ficar de fora.
Em nenhum momento foi colocado na mesa vender só Brasil?
Não.
E vocês poderiam comprar alguma coisa fora do Brasil? Ou a estratégia é toda focada no mercado interno?
A gente está mais focado em Brasil. Podemos até olhar alguma coisa lá fora, mas tem que fazer sentido. Chegamos a olhar The Body Shop [que foi comprada pela Natura, no ano passado], mas decidimos não prosseguir, por acreditar que são geografias distantes, diversidade, complexidade.
Estamos no mercado externo desde 1986 e temos um pouco de experiência sobre o que é tocar um varejo em países diferentes.
Então dá pra dizer que vocês estão mais inclinados a aquisições que vão expandir seu ecossistema incrementalmente — mais do que uma aquisição transformacional?
Gosto de aproveitar a estrutura que a gente tem, sinergias… Tudo que fique muito fora disso, tem que ser uma coisa muito diferente e que brilhe muito nosso olho, senão o trabalho que vai dar para fazer não compensa. Prefiro ter a pista livre.
Como foram as vendas neste começo de ano?
Conseguimos fazer um trimestre interessante pelo que a gente tinha projetado. Em janeiro e fevereiro foi mais reduzido, e em março e abril a performance foi um melhor. Mas — até pelo que eu ouço do nosso mercado e de outros setores — não tem essa questão de que está todo mundo pronto para consumir, não.
Todo mundo estava na expectativa de que houvesse modificações na economia, que Previdência viesse e uma série de coisas… E aquele consumidor que tinha um bolso mais raso e acaba que ia poder soltar um pouquinho, até soltou, mas durou muito pouco esse momento dele. Está mais apertado, o mercado está mais justo.
Para finalizar, a pergunta que você mais deve ouvir: ir para a Bolsa é uma opção?
Não sou contra, mas acho que tem que ter um porquê para fazer. Tem gente que faz isso para ganhar liquidez, mas hoje não é nossa filosofia. Para nós, um IPO teria que ter um motivo estratégico. O resto da equação de mercado de capitais a gente já supre internamente: alinhamento entre sócios, sucessão definida, necessidade de investimento. De novo, não sou contra, mas precisa ser estratégico. Não é grana só pela grana.
Fonte: Brazil Journal