Rentabilidade não deve superar a do ano passado, mas deve melhorar nos próximos trimestres
Por Ana Julia Mezzadri
Não está fácil para ninguém: neste cenário de escalada da inflação, até mesmo as farmácias, que costumam ser resilientes em diferentes cenários macroeconômicos, devido ao caráter essencial dos produtos vendidos e aos reajustes dos medicamentos, vêm sofrendo pressão de rentabilidade.
A perda de rentabilidade fica evidente na análise da evolução das margens Ebitda ajustadas das companhias – todas as três varejistas farmacêuticas listadas na Bolsa de valores, Raia Drogasil (RADL3), Pague Menos (PGMN3) e Panvel (PNVL3), registraram queda de margem em seus resultados do primeiro trimestre de 2022.
Por um lado, por fazerem parte do setor de varejo, as farmacêuticas sentem impacto da inflação, não só por causa dos custos que sobem, mas porque há uma redução no poder de compra da população. O efeito, porém, não é tão grave quanto em outros segmentos do varejo.
“Medicamentos, higiene e beleza são produtos historicamente muito resilientes. A atividade econômica não afeta, e não costuma haver impacto tão significativo na demanda como no restante do varejo, que depende muito mais da renda da população”, explica Erico Sganzerla, coordenador de equity research da 4Um Investimentos.
Além do caráter dos produtos, as farmácias também têm uma maior facilidade em repassar seus custos nos preços, uma vez que o reajuste dos medicamentos é regulado e ditado pela CMED (Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos).
Melhora… mas nem tanto
Apesar do impacto negativo da inflação, há algo que parece ser consenso entre especialistas: as margens das varejistas de medicamentos não devem seguir tão pressionadas quanto estão agora.
Em um primeiro lugar, o reajuste de 10,9% nos medicamentos, que aconteceu em abril e foi definido pelo CMED, deve praticamente compensar a inflação sobre os custos, diz Sganzerla.
Nesse sentido, Paola Mello, sócia e analista de investimentos da GTI Administração de Recursos, argumenta que o segundo trimestre tende a ser sazonalmente positivo para as varejistas de medicamentos.
“O segundo trimestre das farmácias é como se fosse o Natal do varejo. Eles compram medicamento antes e estocam, e o reajuste, em geral, vem em março”, explica. Assim, a analista espera que margens das companhias no segundo trimestre melhorem em relação ao quarto trimestre de 2021 e ao primeiro trimestre deste ano.
Em relação ao segundo trimestre do ano passado, porém, Mello não espera uma expansão de margens, devido principalmente aos efeitos da inflação, que exerce pressão em duas frentes. “O consumidor realmente está apertado, então acaba tendo uma competição um pouco maior e o consumidor às vezes se concentra mais no genérico”, diz. “De um lado, realmente o volume e o mix de produtos pioram”, completa.
De outro lado, a inflação também aumenta os custos destas empresas, por exemplo, sobre a folha de pagamentos, com os dissídios – que ocorrem no primeiro trimestre. Além disso, a depender do aniversário de contrato dos aluguéis, os reajustes também podem pesar.
“Toda a estrutura de despesas subiu muito acima do IPCA, e os medicamentos ainda não tinham sido reajustados”, diz a analista. Sérgio Omati, analista sênior da Equitas, concorda: “O primeiro trimestre é o pior, porque ainda não teve reajuste de preço e já teve todo o impacto de custos. Em uma comparação trimestral, a margem deve melhorar.”
Ameaças persistem
A analista da GTI ressalta, porém, que os 10,9% correspondem ao teto dos reajustes, e que nem todos os produtos recebem um aumento desta ordem. A Pague Menos, por exemplo, costuma trabalhar com preços 5% abaixo das concorrentes, segundo Mello.
Porém, a analista acredita que boa parte desse aumento de fato será repassado, pois as empresas precisam recompor seus resultados. Assim, sua expectativa é que as margens se recuperem ao longo dos trimestres, mas o ano como um todo “não vai ser sensacional”.
Outro ponto de preocupação é a trajetória da inflação daqui para frente, segundo Omati. Se a escalada dos preços continuar, o reajuste realizado agora pode acabar sendo pequeno em relação ao IPCA, causando novas pressões de margem. “A expectativa hoje é que a inflação melhore e que eles consigam entregar uma margem estável, mas se continuar forte pode ser até negativo”, explica.
Porém, o analista ressalta que, mesmo que a inflação continue acelerada, as companhias podem reduzir os níveis de desconto praticados em relação aos preços tabelados.
Expansão também pesa
Outra especificidade do setor vem jogando contra suas margens nos últimos trimestres: a expansão acelerada no número de lojas.
Do momento em que uma loja é aberta, leva algum tempo para que a unidade se torne uma loja “madura”, isto é, entregue resultados semelhantes aos de lojas mais antigas. “Isso penaliza as margens. Elas acabam tendo bastante lojas novas e o mix acaba sendo um pouco penalizado”, diz Érico Sganzerla, da 4Um.
No longo prazo, na visão do analista, outro fator que pode ajudar as margens das farmacêuticas é uma desaceleração na abertura de novas lojas – o que não deve acontecer tão cedo. “A tendência é que corrijam as margens por conta do crescimento das lojas. Se elas reduzirem a quantidade de novas lojas e aumentarem a quantidade de lojas maduras, a margem tende a estabilizar”, explica.
Por enquanto, porém, o crescimento acelerado deve continuar.
De acordo com Paola Mello, para defender seu market share, as líderes precisam continuar abrindo lojas, uma vez que o mercado como um todo segue em expansão. “Tem um mínimo de lojas que a empresa tem que abrir só para manter o mesmo market share, porque o mercado cresce”, explica.
Além disso, Omati destaca que, apesar do cenário atual, o momento também é de oportunidade para a expansão – ainda que as grandes redes venham sofrendo em termos de rentabilidade, as farmácias menores sofrem ainda mais, criando oportunidade de ganho de mercado.
Fonte: Trademap