Superada a falta de regulamentação, o desenvolvimento das lojas francas (ou free shops) terrestres no País – já existentes em vizinhos como Uruguai, Argentina e Paraguai – ainda depende de garantias do governo para atrair um maior número de investidores, sobretudo entre empreendedores locais e de médio porte.
Na opinião do CEO da empresa de consultoria e pesquisa Croma Marketing Solutions, Edmar Bulla, a atuação neste regime aduaneiro não está na pauta prioritária das grandes empresas do nicho neste momento, muito pela falta de garantias do governo sobre competividade. “Devemos entender que há pontos que exigem atenção […] Até o governo comprovar a atratividade com bases sólidas, os grandes não vão colocar os olhos sobre isso”, destaca.
A Instrução Normativa RFB nº 1799, de 2018, foi publicada há um mês no Diário Oficial da União e complementa à Portaria MF nº 307, de 2014, que já tratava sobre o regime aduaneiro especial de loja franca em fronteira terrestre.
Entre os pontos que estão gerando maior discussão estão as condições fiscais-tributárias e a cota de compra mensal, onde é necessário gerar uma condição de igualdade às lojas brasileiras para garantir a competitividade com as operações estrangeiras localizadas em municípios próximos. “Se existem duas lojas separadas por alguns quilômetros e aqui o consumidor tem uma cota mensal muito menor, para onde ele vai?”, indaga.
Uma das críticas do executivo à Portaria MF 307 é a redução da cota do modal terrestre de US$ 300 para US$ 150, que se dará a partir de 1º de julho. “Tinha que aumentar, e não diminuir. Provavelmente veremos um movimento do mercado para que o governo crie competitividade em cotas mensais”, destaca.
Outra questão que preocupa, diz Bulla, são as garantias de controle de contrabando, que afetaria o desempenho do mercado, além da infraestrutura tecnológica, que ainda não está pronta, mesmo que a lei de 2014 já aprovasse o regime aduaneiro especial nestes locais. De acordo com a Receita, o sistema vem sendo desenvolvido em parceria com o Serpro e está em fase final de testes.
Apesar dos desafios, Bulla destaca um ponto positivo: a exigência de patrimônio líquido mínimo de R$ 2 milhões. “Normalmente são R$ 5 milhões. Então quando ele [o governo] faz isso, deixa espaço para a entrada de lojas não tão grandes e investidores locais”, explica.
Um exemplo de que isso é possível são as lojas francas terrestres no Uruguai. “Você tem lojas locais que cresceram e têm fachadas de primeiro mundo. Mas não são grandes players”
Correndo atrás
Em nota ao DCI, a Receita Federal confirmou que já existem pedidos de empresas para atuar neste regime, mas não revelou nomes dos grupos interessados. Procurado, o diretor das operações da Dufry no Brasil e Bolívia, Gustavo Fagundes, afirmou que “o duty-free [livre de impostos, na tradução livre] de fronteira atende à meta da empresa de diversificar suas operações e expandir para diferentes canais além do varejo aeroportuário. Dessa forma, como este é um novo canal e um novo conceito, pelo menos no Brasil, a empresa continuará analisando em detalhes a regulamentação e o escopo para avaliar a melhor forma da operação.”
Antecipando esse movimento, o secretário municipal de desenvolvimento da Prefeitura de Uruguaiana, Pedro Braccini, afirmou que o governo municipal deve receber representantes das empresas Duty Free e Dufry. “Além disso temos empresários locais interessados. Um já está construindo uma loja e outro tem uma rede de supermercados na região e lojas no Uruguai então tal vez tenha interesse.”
Para o presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), Eduardo Terra, ainda que as prefeituras tentem estimular a chegada de novos entrantes, é preciso proteger o comércio local. “É necessário levantar o quanto essas lojas gerariam de venda adicional e quanto tiraria da venda local para pensar em estratégias.”
Atento a isso, em Uruguaiana, Braccini afirma que a prefeitura está realizando “um censo do comércio para, a partir daí, realizar um trabalho de consultoria para que também absorvam o novo público.”
De acordo com ele, a prefeitura já alterou a legislação autorizando a abertura do comércio até às 22h e o funcionamento durante sábados, domingos e feriados. “Além disso, fechamos parceria com o Senac para montar cinco cursos com 640 vagas para qualificação”, diz.
Mesmo com uma crise forte nos municípios, que dificulta o investimento em infraestrutura, ele cita que medidas como a instalação de 45 placas de sinalização. “A tendência é ampliar os aportes aos poucos”, lembra.
De acordo com ele, cerca de 1,5 milhão de turistas passaram pela cidade entre dezembro e março, “mas nem todos entraram”. Agora, a ideia da prefeitura é incentivar o avanço do parque hoteleiro e difundir o turismo rural [fazendas históricas, sítios arqueológicos e outros] para tentar garantir que o visitante de compra também aproveite o turismo local.
Fonte: DCI