Com desafio de tornar a empresa do Grupo Pão de Açúcar rentável apesar da crise, Flávio Dias assume hoje a presidência da CNova, que reúne as operações online de Casas Bahia, Ponto Frio e Extra; companhia enfrenta perdas operacionais e fraude nos estoques
O rapaz que chegou hoje cedo, meio sem graça, com jeitão de vinte e poucos anos, no prédio de uma das maiores empresas de comércio eletrônico do País terá tempos difíceis pela frente. É o primeiro dia de trabalho do paulistano Flávio Dias na CNova, companhia que reúne as operações online de Casas Bahia, Ponto Frio e Extra, um negócio que movimentou R$ 6,1 bilhões em 2015. Aos 39 anos, Dias está assumindo o posto que até o início de janeiro foi do executivo German Quiroga, um veterano da internet, que deixou a empresa do Grupo Pão de Açúcar depois de quase oito anos.
A saída de Quiroga coincidiu com o momento em que a CNova divulgou ao mercado a descoberta de desvios de produtos, por funcionários, nos centros de distribuição. A fraude gerou um rombo estimado em R$ 110 milhões nas contas da empresa e fez com que ela se tornasse alvo de processos judiciais nos Estados Unidos, onde tem o capital aberto desde 2014. Somam-se a isso uma desaceleração nas vendas do e-commerce em todo o País e números negativos no balanço da CNova. Entre janeiro e setembro do ano passado, a empresa teve uma perda operacional de R$ 60 milhões no Brasil. O balanço consolidado de 2015 ainda não foi divulgado, mas os dados preliminares apontam queda de 20% nas vendas durante o último trimestre do ano – que é historicamente o melhor do setor.
A aposta do grupo francês Casino, que desde 2012 controla o Pão de Açúcar, no executivo é grande. No meio de uma recessão econômica, Dias terá de fazer a empresa ser mais rentável. “Sabia dos desafios quando aceitei a proposta”, disse na semana passada, em sua primeira entrevista desde a contratação. “Mas sempre gostei da possibilidade de fazer algo grande.”
Flávio Dias é um nome conhecido no e-commerce. Engenheiro de Produção, ele teve o primeiro contato com o comércio eletrônico quando ainda era estagiário na Philips, há 17 anos. Lá, cuidou da divisão que negociava a venda de produtos da marca para o varejo online. A multinacional holandesa chegou a ser, na época, a principal fornecedora das varejistas brasileiras que se aventuravam no universo virtual.
O contato com as principais empresas do setor levou Flávio Dias para o outro lado do balcão: ele foi contratado pela Magazine Luiza, quando a rede começava a estruturar sua operação de e-commerce. De Franca (SP), onde fica a sede da varejista da família Trajano, o executivo partiu para sua principal experiência até aqui: lançar no Brasil o site Walmart.com.
Em 2008, ele e uma equipe de 20 pessoas colocaram no ar, no Brasil, o site de vendas da maior varejista do mundo. Em seis anos, o número de produtos à venda na plataforma online passou de 11 mil para 3 milhões e o quadro de funcionários chegou a ser de 1,2 mil pessoas. De diretor de uma unidade de negócios, Flávio Dias virou presidente do Walmart.com, agora uma empresa independente.
Hoje, o site da gigante americana no Brasil disputa o quarto lugar no ranking do setor, segundo apurou o Estado, atrás da líder B2W, dona de 25% do mercado; da própria CNova, que detém uma fatia de 18%; e da Magazine Luiza.
Antes de receber o convite dos franceses, Dias teve uma passagem quase que relâmpago pelo Banco Original, que pertence ao grupo J&F e é presidido pelo ex-presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. A instituição tem um plano ambicioso de lançar um banco totalmente digital e precisava de alguém com experiência em internet para tirar o projeto do modo experimental. Não deu tempo para que isso acontecesse. No fim do ano, Flávio Dias recebeu a proposta da CNova.
Desafio. “O trabalho no Walmart foi interessante, mas o que ele vai encontrar pela frente, agora, é muito mais desafiador”, diz Guilherme Assis, analista de varejo da corretora Brasil Plural. Em 2007, quando o site de vendas da multinacional americana estava saindo do papel, o e-commerce brasileiro movimentou R$ 6,1 bilhões e registrou um crescimento de 74%. Em 2015, o comércio eletrônico faturou, segundo a empresa de pesquisa e-bit, R$ 41,3 bilhões, mas teve o crescimento mais modesto desde 2000: apenas 15%, na comparação com 2014.
A mudança de cenário é evidente. Há uma década, a ordem era crescer e ganhar mercado, com vendas parceladas em até 15 vezes sem juros e frete grátis. “Agora, as companhias estão mais preocupadas com a rentabilidade”, explica Pedro Guasti, presidente executivo do e-bit. “Elas precisam gerar caixa, ou terão de recorrer a aportes, o que é complicado neste momento.”
Dias sabe de tudo isso, mas diz que ainda não tem um plano preparado. “Preciso chegar primeiro”, diz. “As próximas semanas serão de muita conversa.” O passo seguinte, segundo ele, é aumentar as “sinergias” entre a CNova e a operação física do Grupo Pão de Açúcar, que é o maior varejista do País. No ano passado, a empresa de e-commerce começou a integrar seus centros de distribuição com os de Casas Bahia e Ponto Frio. Dos sete, três já são compartilhados. Também passou a permitir que os produtos comprados no site fossem retirados em 1,3 mil pontos de venda do grupo.
O desafio adicional para Flávio Dias é substituir um profissional dono de uma história ainda mais antiga no e-commerce brasileiro. Quiroga foi um dos fundadores da Americanas.com e do Pontofrio.com. Segundo o Estado apurou com fontes próximas ao Casino, os franceses estavam descontentes com sua gestão. O ex-presidente afirma que já estava preparando sua saída há algum tempo, por motivos pessoais, e que permanecerá como minoritário da CNova. “Vou continuar contribuindo com a empresa de forma consultiva”, afirmou.
Mas quem dará as cartas daqui para frente será o ex-Walmart. “O passado bem-sucedido não vai contar muito a partir de agora”, diz Assis. “O novo presidente vai ter de se provar.”