Por Adriana Mattos | O grupo PCS Shoppings (Portfólio Centro-Sul Participações), dono de quatro empreendimentos nos Estados de São Paulo, Santa Catarina e Minas Gerais, pediu recuperação judicial no dia 7 de agosto, e teve a solicitação deferida pela 1a Vara Empresarial da Comarca de Belo Horizonte no dia 21 de agosto, após o Bradesco, o maior credor da companhia, iniciar um procedimento para assumir a propriedade dos imóveis.
Os empreendimentos são os mesmos quatro que restavam num dos fundos do Pátria, cujos ativos foram vendidos após o fundo ter sido fechado em julho no prejuízo.
Esses imóveis, alvos da recuperação judicial, são o Bragança Shopping Center, em Bragança Paulista (SP), Via Vale Shopping Centers, em Taubaté (SP), Lages Shopping Center, em Lages (SC) e o Via Café Shopping Center, em Varginha (MG).
Considerando o crédito do Bradesco na alienação fiduciária (nessa condição, o banco tem direito à propriedade dos bens em caso de inadimplência) e todas as outras dívidas, a soma devida em aberto chega a R$ 650 milhões.
Destes, R$ 125,6 milhões referem-se a dívidas trabalhistas, dívidas sem garantias (credores quirografários) e dívidas com micro e pequenas empresas, informa a petição da recuperação. E mais de R$ 500 milhões são relativos à cessão fiduciária do banco, a valores atualizados.
O Bradesco abriu, em 2019 e 2020, um processo de refinanciamento de linhas já concedidas aos shoppings, por conta da necessidade de renegociar condições dos contratos com a Tenco (sócia do fundo na época) e seus executivos — reflexo do desempenho já fraco dos empreendimentos antes da pandemia, algo que se deteriorou com a crise sanitária.
Na ação judicial, os empreendimentos falam em “desequilíbrio da estrutura de capital, aumento da inadimplência de aluguel, vacância das lojas e queda de receitas”, num cenário de covid afetando o tráfego de clientes. Além disso, a percepção do mercado é que os resultados nas praças de atuação dos shoppings não avançavam como se previa mesmo antes da covid, diz um gestor ouvido. Tratam-se de imóveis em cidades urbanas médias, que não tiveram crescimento econômico tão expressivo nos últimos anos.
O Pátria investiu na Tenco em 2011, por meio de um fundo de investimento em participações. Esse fundo investia numa holding, que por sua vez fazia os investimentos na Tenco, com 13 empreendimentos na época.
Parte desses empreendimentos foram sendo vendidos entre 2021 e 2022, e restaram cinco shoppings na Portfólio Centro-Sul Participações (PCS). Um deles também foi negociado no fim de 2022, restando os quatro atuais.
A operação de venda desses últimos empreendimentos foi concluída no fim de julho para a HM1 Empreendimentos e Participações cerca de 20 dias antes do pedido recuperação judicial.
A companhia tem como administradores Carlos Hugo Christensen e Diego Sfeir Garcia e aparece no plano de recuperação judicial como a nova dona dos ativos, com capital social de R$ 64 milhões.
A PSC mudou os nomes do shoppings também em julho, pouco antes da entrada do pedido de recuperação na Justiça, apurou o Valor, retirando a palavra “Garden” que a Tenco usava em seus empreendimentos.
“Eles repassaram o pepino para frente, e deixaram os credores, incluindo o Bradesco, com uma recuperação judicial no colo”, afirma um gestor de um fundo imobiliários de shoppings centers.
Processos de recuperação judicial de shoppings não são comuns no país, em parte, porque os controladores têm imóveis que vão compensando as perdas de outros, enquanto buscam a sua retomada. E quando se desfazem de algum ativo em situação mais difícil ou fora do “core” vendem a competidores privados ou fundos, de forma mais isolada.
Na origem do acordo com o Bradesco, no fechamento inicial dos contratos entre 2011 e 2015, o banco figurava como credor hipotecário dos quatro imóveis e com o penhor de direitos creditórios, diz na ação o grupo.
Naquele momento, ele era titular de crédito que se sujeitaria aos efeitos na recuperação.
Mas com a necessidade de renegociar o acordo, o contrato foi transformado em alienação fiduciária e em ações de emissão do grupo PCS, além de cessão fiduciária de recebíveis, o que excluiria o crédito dos efeitos da recuperação.
Segundo fontes, o Bradesco chegou a considerar executar a dívida e assumir os imóveis quando o Pátria ainda tinha posição nos ativos, mas esse plano não avançou.
Nos autos do processo, o banco ressalta que, como proprietário fiduciário, não está sujeito aos efeitos da recuperação “e poderá exercer a prerrogativa contratual de executar suas garantias sem se sujeitar à novação recuperacional”, afirma. Em cessão fiduciária, são R$ 507,7 milhões em aberto.
O receio maior do grupo era a perda dos imóveis, pelo eventual risco de o Bradesco executar o seu direito de tomar posse e, eventualmente, vendê-los. Isso levaria ao fechamento das lojas, diz a defesa do grupo na Justiça.
Por isso, os quatro empreendimentos entraram com um pedido de tutela cautelar antecedente, no fim de junho, para proteger o negócio de uma eventual execução de credores na Justiça, até dar entrada na recuperação.
O Bradesco reagiu a esse pedido, e entrou com recurso, afirmando que os negócios não estavam em situação pré-recuperação judicial, e que as atividades dos imóveis não seriam encerradas.
A defesa do banco disse ainda, no recurso enviado à segunda instância, que assumir a propriedade do imóvel não iria “eliminar a exploração da atividade econômica existente”.
A estrutura dos shoppings seria aproveitada para dar continuidade à mesma atividade e as empresas poderiam continuar explorando seus negócios junto ao novo proprietário, assim como os próprios estacionamentos.
O banco ainda alegou que, ao tomar a posse dos imóveis, haveria um trâmite para a consolidação da propriedade, para o leilão e reintegração, e isso tornava “altamente improvável” a saída dos empreendimentos do local no curto prazo.
Segundo o banco, trata-se “na realidade, de uma tentativa deliberada atacar de forma individual, direcionada e específica os direitos do Bradesco”.
Apesar dos questionamentos, a cautela tutelar antecedente foi concedida, os imóveis continuam com os shoppings, e depois, a empresa preparou o pedido de recuperação.
A HM1 foi contatada mas não retornou aos contatos. O Bradesco preferiu não se manifestar.
Quando anunciou a saída do investimento, o Pátria informou em nota que houve a transferência de todos os ativos, passivos e obrigações da holding e de seus shoppings para o comprador, sem citar nome. Segundo a gestora, o novo dono tinha “expertise em reestruturação de negócios e empresas do setor imobiliário”.
Fonte: Valor Econômico