Mesmo com todas as discussões sobre o “fim do varejo”, o setor é um dos maiores empregadores dos Estados Unidos, representando cerca de 1 em cada 8 trabalhadores do setor privado. Para cada minerador que trabalha nos Estados Unidos, existem quase 25 profissionais de varejo. A indústria, a menina dos olhos do presidente Donald Trump, não chega nem perto.
Normalmente, pagando a funcionários em tempo integral menos de US$ 33 mil por ano, bem abaixo da média de toda a economia, os empregos do varejo se tornaram o trabalho da classe baixa, a principal fonte de apoio para os americanos deixados para trás pelas mudanças econômicas.
Uma realidade não muito diferente do Brasil, país onde o varejo só emprega menos que o setor de serviços e que olha para os Estados Unidos como modelo na área.
Isso levanta uma questão bastante urgente: se o trabalho do varejo define o padrão de vida de tantas famílias de baixa renda, por que não ganha mais atenção?
Uma pesquisa feita com 1.100 trabalhadores desse segmento publicada este mês pelo Centro para a Democracia Popular, um grupo liberal de defesa, descobriu que apenas um em cerca de 12 profissionais de linha de frente do varejo estavam em cargos considerados de alta qualidade – isto é, estavam empregados em tempo integral, receberam pelo menos US$15 por hora, podiam aderir a um plano de saúde e a pelo menos uma forma de férias pagas. Um em cada três não obteve um aumento nos últimos dois anos. Quase metade recebeu algum tipo de assistência governamental no ano anterior.
Contra senso comum, pesquisas mostram que trabalhar no varejo poderia ser ótimo
Talvez os que fazem as políticas do setor considerem que os empregos indesejáveis do varejo são inevitáveis na conjuntura econômica; que a grande quantidade de operadores de caixa mal pagos é resultado de poderosas forças de mercado como a automação e a globalização, sobre as quais eles têm pouco controle. A verdade é que o trabalho de varejo não precisa ser tão desagradável. Uma olhada rápida na Europa mostra que os varejistas podem lucrar, até mesmo prosperar, e ainda oferecer aos seus trabalhadores um acordo melhor.
Esta é a proposta de “Onde trabalhos ruins são melhores”, um estudo publicado em outubro pela Fundação Russell Sage. Os autores – os especialistas em trabalho Françoise Carré, da Universidade de Massachusetts, em Boston, e Chris Tilly, da Universidade da Califórnia em Los Angeles – pesquisaram os salários e as condições de trabalho no varejo na Alemanha, Grã-Bretanha e outros países industrializados.
Eles concluíram que, mesmo com todo o poder das forças de mercado, desde a automação assumindo as tarefas de rotina até a globalização, espremendo as margens dos varejistas, não há nada que não possa ser evitado nos postos de base do varejo. As normas sociais e as instituições políticas podem melhorá-los ou piorá-los.
Nos Estados Unidos, 42% dos varejistas ganham um salário baixo por hora – definido como menos de dois terços do salário médio no resto da economia. Na Dinamarca, apenas 23% dos trabalhadores de varejo ganham tão pouco; na França, apenas 18%. E a rotatividade de mão-de-obra na indústria do varejo nos Estados Unidos é duas vezes mais alta do que na Grã-Bretanha e na Holanda.
Os varejistas europeus empregam trabalhadores a meio período com mais frequência. Mas funcionários de tempo integral nos Estados Unidos às vezes não estão em melhor situação: os empregadores podem reduzir suas horas para evitar o pagamento de horas extras. Além disso, os lojistas nos EUA enfrentam poucas barreiras para alterar os horários para atender à demanda do consumidor, exigindo a disponibilidade dos funcionários a qualquer momento, mesmo que trabalhem poucas horas.
O que explica as diferenças entre o varejo norte-americano e o europeu?
O salário mínimo elevado na França – fixado em 68% do salário médio – é uma ferramenta fundamental que evita baixos salários entre os trabalhadores de varejo. Os operadores de caixa, perto do nível mais baixo da escala dos salários, ganha US$ 2 a mais por hora em grandes supermercados na França, como o Carrefour, do que em equivalentes americanos, como o Walmart.
Os sindicatos, é claro, desempenham um papel importante. Menos de 5% dos trabalhadores de varejo nos Estados Unidos são representados por um sindicato. Na Dinamarca, França, Holanda e Alemanha, por outro lado, os acordos sindicais multiempregadores determinam salários e condições de trabalho em todas as regiões para o setor inteiro. Em especial, lojistas na Alemanha, na Dinamarca e na Holanda têm que negociar o horário com os sindicatos e, muitas vezes, devem divulgar as escalas com antecedência.
Outras instituições também são importantes. Nos Estados Unidos, os trabalhadores do varejo em meio período ganham dois terços do valor da hora dos trabalhadores em tempo integral. Na União Europeia, eles devem receber o mesmo valor. O pagamento adicional para quem trabalha a noite e no fim de semana também melhora o salário na Europa. O cuidado infantil abrangente – comum em países como a França – também afeta a oferta de mão de obra, possibilitando que as mães busquem trabalho em tempo integral. O sistema de treinamentos da Alemanha disponibiliza aos lojistas funcionários com mais habilidades e que podem assumir tarefas variadas.
Essas coisas tendem a se unir. Quando perguntei quais mudanças melhorariam a vida dos trabalhadores do varejo nos Estados Unidos, Carré disse que o salário mínimo, os cuidados de saúde obrigatórios ou subsidiados e o fim de descontos por dias de doença fizeram uma grande diferença. Ainda assim, ela argumentou: “Você não consegue essas coisas sem um forte movimento trabalhista”.
Isso não quer dizer que os postos no varejo sejam ótimos na França ou na Holanda. Na verdade, Carré e Tilly acham que esses empregos estão piorando gradualmente em todos os lugares, já que os varejistas europeus buscam soluções para evitar regulamentações trabalhistas. Mas, embora os salários e as condições de trabalho venham constantemente se deteriorando nos Estados Unidos, o declínio na Europa não tem sido tão acentuado.
“Novas iniciativas regulatórias, como salários mínimos mais altos, reverteram parcialmente as tendências de queda da remuneração”, escreveram os pesquisadores.
E o que é fundamental é que os varejistas europeus podem pagar: os pesquisadores descobriram que os grandes supermercados na França vendem quase o dobro por hora do que as lojas dos Estados Unidos. O valor adicionado por empregado é cerca de 12% maior. E as lojas francesas vendem cerca de três vezes mais por metro quadrado, principalmente devido a regulamentos de zoneamento rígidos que limitam seu tamanho.
Isso não quer dizer que a cultura europeia seja mais amigável ao trabalhador. Carré e Tilly observam que, quando os varejistas europeus chegam aos Estados Unidos, tendem a adotar as normas norte-americanas.
As escolhas da Europa implicam custos. No caso americano, os consumidores se beneficiam da concorrência mais intensa entre varejistas. Em áreas com fracos regulamentos de zoneamento, onde o Walmart pode facilmente entrar e diminuir os preços de outros varejistas, isso é particularmente verdade. Na França, onde as barreiras à entrada são altas, a concorrência é mais fraca e as lojas são mais lucrativas. Eles podem se dar ao luxo de oferecer aos trabalhadores um melhor negócio.
Ainda assim, é importante entender que essa é uma escolha. Não há nada que impeça a melhora dos empregos da ponta da cadeia. À medida que os Estados Unidos lutam com a estagnação dos salários e a ampliação da desigualdade, oferecer aos trabalhadores que ganham menos um acordo melhor pode não ser uma má ideia – e US$13 por hora é um começo.
Fonte: Gazeta do Povo