Redes como Burger King, Subway e Pizza Hut enfrentaram problemas iniciais e adequaram os negócios para o público nacional
No artigo da semana passada, tratei da saída da Wendy’s do Brasil, baseada no que foi divulgado oficialmente pela empresa. A repercussão sobre o tema foi grande e muitos leitores comentaram que desejavam mais explicações, entender os motivos, “nos dê o caminho das pedras”, “por que franquias fecham?”. Conversando com a equipe do Estadão PME, decidimos ouvir mais especialistas, para não haver apenas a minha análise sobre o tema. As repórteres Marina Dayrell e Anna Barbosa entrevistaram o presidente da Associação Brasileira de Franchising (ABF), André Friedheim e o consultor da Cherto Consultoria Marcelo Cherto. Além dos especialistas, executivos de redes de franquias internacionais que se adequaram ao mercado nacional, como Burger King, Subway e Pizza Hut também foram ouvidos.
Quando se trata do universo do franchising, tudo parece mais simples do que realmente é. Planejamento estratégico é fundamental, com definição e implantação de processos, indicadores de desempenho, pessoas capacitadas e treinamento para os envolvidos em todos os processos do negócio: administrativo, financeiro, recursos humanos, marketing, comercial, produtos, serviços, fornecedores, supply chain. A receita do sucesso tem muito mais detalhes do que se pode imaginar.
Por isso, o fato de uma rede não ter sucesso não se justifica por uma visão simples, como “o brasileiro não gosta desse tipo de sanduíche”.
Segundo o presidente da ABF (Associação Brasileira de Franquias), André Friedheim, o mercado brasileiro tem, atualmente, 214 marcas internacionais de franquias de 30 países diferentes. Para ele, a entrada no mercado nacional começa pelo planejamento. A internacionalização tem de ser por estratégia e não por oportunidade. Algumas empresas acabam entrando no País porque apareceu um candidato interessado em comprar uma loja, mas a rede não investiga, antes, se o interessado tem o perfil da marca e capital. É nesse momento que se perde a estratégia e a entrada é feita apenas pela oportunidade.
Por estratégico, quero dizer que é preciso fazer um planejamento do que é o mercado nacional, nível de concorrência, cadeia de suprimentos, investimento em marketing e captação de pontos comerciais, (como são os pontos comerciais do Brasil?). Algumas empresas pecam justamente porque não fazem detalhamento profundo da sua estratégia de atuação no mercado brasileiro.
Adaptação de franquias estrangeiras ao mercado nacional é fundamental
“Subway e Burger King vieram para o Brasil com estratégia. Subway, por exemplo, não acertou da primeira vez, na década de 1990. Recuou, fechou todas as lojas e, ao voltar em 2008, mudou a estratégia e desenvolveu os franqueados locais. Pizza Hut chegou no Brasil há 30 anos. Em um primeiro momento, não adaptou seus produtos ao paladar nacional. Fechou algumas lojas e, na retomada de crescimento e expansão, colocou Catupiry na pizza e acrescentou borda recheada. Você precisa entender o mercado e adaptar os seus produtos a ele, tropicalizar. E quem tem que ter essa visão é o próprio franqueador estrangeiro que está vendendo uma franquia para o Brasil. É ele o responsável pelo estudo do mercado brasileiro e pela contratação de um advogado no País”, pontua Friedheim, presidente da ABF.
Para Marcelo Cherto, consultor de franquias há 33 anos, muitas vezes o problema é a falta de adaptação do conceito da rede, que pode ser um detalhe simples, como adaptar a linguagem de marketing. Em outras situações, Cherto indica falta de compreensão do mercado local. Ele ainda entende que o problema está muito mais na gestão do negócio do que o negócio em si. “A Wendy’s fechou todas as lojas no País porque o brasileiro não gosta de hambúrguer? Não é verdade. Muita gente falou que o KFC não daria certo porque o brasileiro não gosta de frango frito. O que é, então, o frango a passarinho?”, aponta. O início para a marca foi difícil, mas hoje ela opera muito bem. Existe uma empresa consistente que sabe gerir o negócio.
“Uma coisa que me incomoda em algumas redes é que você entra em uma loja e o atendimento é ótimo, você volta na mesma loja em dois dias e o atendimento é péssimo. Come um sanduíche em um dia e estava gostoso. Na semana seguinte, está horroroso. Falta motivação de equipe, gerenciamento e treinamento”, diz Cherto. Para mim, Ana Vecchi, a questão de mão de obra, é sim um desafio no mercado brasileiro, mas também tem servido, por décadas, como desculpa para explicar porque as coisas são mais difíceis no País, causando desgaste e stress. Muitos empresários encaram T&D (treinamento e desenvolvimento de pessoas) como custo e não como investimento para obtenção de melhores resultados. Uma equipe treinada e consciente de seu papel no negócio é essencial.
Friedheim e Cherto trouxeram percepções similares quanto às particularidades do Brasil. Para o presidente da ABF, “em um mercado com 200 milhões de habitantes, não serão todos potenciais consumidores de uma marca internacional. Uma tendência para o Sudeste pode não ser a mesma para o Nordeste.” Cherto pontua que “no caso da Wendy’s, não se enfrenta grandes operações (concorrentes) com experiências monstruosas, como Burger King e Mc Donald’s, sem ter uma estrutura muito pesada. Eles chegaram no Brasil com uma estrutura de capital muito pequena para fazer frente aos grandes concorrentes. Era um grupo relativamente pequeno, com investidores pessoas física. Existem empresas concorrendo de um jeito muito mais sutil, como as hamburguerias gourmet. Não tentaram brigar de igual para igual, mas apostaram em outras formas, mudaram o produto, como vendê-lo, focaram no atendimento. Não tem espaço para o amadorismo.” E é isso mesmo!
O que franquias de sucesso no Brasil têm a dizer?
Em entrevista ao Estadão PME, executivos de Burger King, Subway e Pizza Hut comentaram as adaptações das redes no Brasil.
Saddy Nardino, diretor geral da Pizza Hut no Brasil
“Não fizemos a tropicalização, como muitos pregam, de forma profunda. Temos alguns sabores aqui que não existem lá fora. Por exemplo, nos EUA eles não entendem por que colocar milho em uma pizza. Por lá, a calabresa é o pepperoni. Fizemos adequações no cardápio de acordo com as regiões do Brasil. Corn e bacon, por exemplo, vende mais no Sul. As pizzas mais vendidas são três sabores brasileiros: Calabresa, Mussarela e Brasileira. Para nós, o que faz uma franquia dar certo é a rentabilidade dos franqueados e ter uma estratégia de crescimento muito bem segmentada, saber quantas unidades a rede vai abrir por ano.”
Sobre o grupo
30 anos no Brasil
226 lojas
47 novas unidades abertas em 2019
Mais de 40 unidades previstas para 2020
Não estão no Acre, Roraima e Rondônia
Michel Machado, diretor geral da Subway no Brasil
“Nos anos 1990 o Brasil não estava preparado para a marca. Em 2008 retomamos a entrada no mercado, com a primeira loja em Salvador (BA). O sucesso da retomada é uma combinação de coisas. O momento econômico do Brasil estava muito bom naquela época. Tinha muito pequeno investidor querendo ter o seu próprio negócio, com capital disponível. Chegamos como uma marca internacional, com força mundial e investimento baixo em relação às outras. Com isso, a atenção se voltou para nós. Em conjunto, nossa rede de supply chain se estruturou melhor no mercado brasileiro, com escritório no País. Lá atrás, não tinha o escritório da Subway no Brasil, era apenas um master franqueado que queria explorar o mercado brasileiro. Dessa vez, a Subway veio com estrutura. Sobre adaptação de cardápio, estamos olhando regionalmente. No Centro-Oeste: carne bovina. Em São Paulo: atum, opções veganas e vegetarianas. O core da marca, o sanduíche na baguete, se mantém.”
Sobre o grupo
1.953 unidades (ápice em 2016 com 2.150)
100% da rede é franquia, sem master franqueados
Presente em 14 Estados, com maior presença no Sul e Sudeste
Ariel Grunkraut, diretor de marketing e vendas do Burger King Brasil
“As lojas seguem um padrão global de imagem de marca e experiência. O cardápio de produtos é flexível e customizado pros países. Na linha de produtos no País, o sanduíche whopper com queijo só existe no Brasil, já que o brasileiro é apaixonado por queijo. Assim como o duplo cheddar. No Brasil, nos posicionamos como um produto superior. Temos uma operação muito bem implementada, com uma estratégia de marketing diferenciada.”
Sobre o grupo
850 lojas no Brasil
Presentes em todos os Estados
Vendem 15 milhões de sanduíches por mês
Estimam crescimento médio de 40% ao ano nos últimos cinco anos
* Ana Vecchi é consultora de empresas, CEO na Ana Vecchi Business Consulting, professora universitária e de MBAs
* Anna Barbosa: estagiária sob a supervisão do editor de Economia e Negócios, Alexandre Calais.
Fonte: Estadão