Ainda presente no varejo brasileiro, a figura do contador de clientes – aquele funcionário que fica na porta da loja contabilizando o fluxo de pessoas – dá cada vez mais lugar a uma mistura de sensores, câmeras e redes de comunicação sem fio. O cruzamento de dados compilados a partir de redes de telefonia móvel e wi-fi com informações socioeconômicas alimenta a estratégia de expansão de empresas de varejo e serviços, auxiliando até na escolha de pontos comerciais.
Com 200 lojas espalhadas por dez Estados, a rede da farmácias Pague Menos adotou em 2013 uma plataforma de marketing geográfico usada como apoio as decisões das diretorias de expansão, operações e gerenciamento de categorias. A partir de dados como idade, renda e concentração de concorrentes numa área, a Pague Menos decide não apenas os melhores endereços para instalação de lojas mas também o sortimento de produtos mais adequado a cada região.
A varejista trabalha ainda – em conjunto com uma empresa parceira – no desenvolvimento de uma ferramenta digital para mensurar o fluxo de clientes em suas lojas. A tecnologia vai fornecer também dados sobre a satisfação e o movimento de pessoas versus o montante de vendas.
Parte da matéria-prima usada pelos varejistas para fundamentar suas decisões de expansão vem das redes das operadoras móveis. A Oi, por exemplo, usa os dados gerados anonimamente pelos celulares de seus 63,2 milhões de clientes para determinar os próximos passos na expansão de sua rede de lojas – atualmente são 192 estabelecimentos próprios e 600 franquias. Essas mesmas informações servem de base para a operadora oferecer serviços de marketing geográfico.
A triangulação de antenas de celular fornece dados que, filtrados por meio de algoritmos, permitem determinar não só quantos clientes potenciais passam diante de uma loja a cada hora do dia, mas também de onde eles vêm e onde residem. “Hoje, o varejista [no Brasil] só sabe quem comprou o seu produto”, diz Cátia Tokoro, diretora de B2B (business-to-business) da Oi, referindo-se à escassez de dados sobre o período pré-venda.
A Claro está se preparando para lançar, possivelmente em 2018, um produto voltado para o varejo que permita combinar informações geolocalizadas com outras variáveis. Por enquanto, o uso dessas ferramentas digitais está em fase-piloto, afirma Carlos Araújo, diretor de novos negócios da Claro Brasil. “Esse é um movimento que vem ocorrendo com mais intensidade nos últimos 12 meses”, diz Araújo, referindo-se ao interesse dos varejistas brasileiros por ferramentas digitais.
No caso da TIM Brasil, os serviços de marketing geográfico oferecidos ao varejo passam pela publicidade móvel, veiculada a partir de dados (anônimos) coletados via wi-fi. Mais que simplesmente coletar informações sobre o deslocamento de clientes dentro dos shopping, a tele está focada na análise de grandes volumes de dados, afirma Rafael Marquez, diretor de marketing para o mercado corporativo da TIM.
A partir do uso de wi-fi é possível – por exemplo – determinar quais as seções mais visitadas e quanto tempo cada potencial cliente passa dentro da loja. “A nova fronteira do varejo físico é o smartphone”, resume Adriano Bastos de Araújo, diretor-geral para a América Latina da Symphony Retail, empresa de software voltada para o varejo.
Ao mesmo tempo em que permite uma personalização sem precedentes de ofertas, o que na prática pode se traduzir em promoções específicas para cada perfil de cliente, o aparelho torna ineficazes táticas consagradas pelo varejo mundial. Posicionar doces nas gôndolas próximas ao caixa para estimular compras por impulso já não surte o mesmo efeito entre os brasileiros, exemplifica Cátia, da Oi. Ocupados em mexer nos seus celulares enquanto aguardam na fila, os clientes não reparam tanto nos produtos a sua volta.
Apesar das mudanças, o diretor da Symphony Retail ressalta que, no varejo brasileiro, ainda é um diferencial “fazer o básico bem feito”. Pesquisas indicam que fatores como a existência de vagas de estacionamento, a visibilidade da loja e a iluminação interna são tão ou mais importantes para o êxito de uma loja quanto uma análise do potencial geodemográfico da área onde será instalada.
Mesmo nos mercados mais maduros, como o europeu, o uso de tecnologia pelos varejistas não é regra absoluta. Recentemente, de férias na Alemanha, Araújo viu na entrada da loja de um fabricante global de brinquedos um funcionário contando clientes. No Brasil, o empregado munido de um contador (mecânico ou digital) ainda é a principal ferramenta de mensuração do fluxo de pessoas dentro e fora das lojas, afirma Marcelo Cherto, consultor de expansão para o segmento de varejo.
Essa realidade contrasta com a popularização das ferramentas de marketing geográfico em segmentos específicos, como o de franquias. De acordo com a Associação Brasileira de Franchising (ABF), a maioria das redes de médio e grande porte – acima de cem unidades – utilizam alguma ferramenta de geolocalização para embasar seus planos de expansão.
Fonte: Valor Econômico