Por Adriana Mattos
No quinto andar do edifício número 83 da rua que leva o nome de seu pai, Samuel Klein, em São Caetano do Sul (SP), o empresário Michael Klein afirma que não quer confusão, nem briga. “Eu sou da paz, os outros que brigam comigo”, diz, ao ser questionado sobre desentendimentos recentes na família e com a antiga administração da rede. Desde agosto, Michael despacha ao lado da sala que seu pai, Samuel, ocupou por décadas, e no prédio que, anteriormente, era a sede da Casas Bahia.
Em 2021, o irmão de Michael, Saul Klein, foi investigado após denúncias na esfera civil e criminal. Saul foi condenado pela Justiça do Trabalho a pagar uma multa de R$ 30 milhões por aliciar adolescentes e jovens com promessas falsas de emprego e explorar essas mulheres sexualmente. O pai, Samuel Klein, chegou a ser investigado por supostos crimes sexuais, mas o inquérito foi arquivado.
Michael Klein voltou para sede dos negócios da família depois que a Casas Bahia parou de alugar o local – a rede mudou-se, em 2021, para Pinheiros, zona oeste de São Paulo. “O pessoal da Via [como se chamava a varejista até 2022] derrubou as paredes e ficou abertão. Reformamos tudo. Hoje estou na sala de meu pai”.
Esse retorno às origens ocorre com Klein ainda distante da Casas Bahia, onde é o maior acionista individual, porém mais perto do que esteve da gestão anterior. O CEO anterior, Roberto Fulcherberguer, deixou a rede em março, após o conselho de administração optar por uma dura mudança de rota, e Renato Franklin o substituiu.
Da nova sede, Klein continua tocando seus dois principais negócios – logística e revendas de automóveis – e tem planos para eles, antecipados ao Valor em entrevista na semana passada. Mas fala também, pela primeira vez, das razões de seu afastamento da Casas Bahia, das discordâncias com a antiga administração e de como, hoje, entende que a empresa está mais perto do caminho que ele acredita (leia trechos das falas do empresário).
Em abril de 2020, o empresário decidiu sair do conselho da varejista, substituído pelo filho Raphael Klein, depois de desentendimentos entre pai e filho após o segundo casamento de Klein, algo que acabou agravado por divergências entre ambos sobre a condução do negócio, apurou o Valor.
O clima já era ruim na época: havia aumento na pressão do mercado por conta da escalada do endividamento, e a necessidade de investimentos constantes no digital, defendida por Raphael e Fulcherberguer, mantinha a rede competitiva, mas secava o caixa.
Aquilo que Klein, e seu pai, acreditavam não era mais o centro do negócio. Após 2020, a loja passou a ser trabalhada como um complemento do digital, e o crediário on-line era anunciado como a nova fortaleza da rede, mas precisava de tempo e dinheiro para decolar. O carnê feito em loja, que levava a rede a ganhar com juros, perdia terreno. Em meio à pandemia, a rede respondia a uma forte onda de digitalização dos rivais, e não queria ficar para trás. Klein sentiu que não tinha mais espaço.
“Diziam, ‘Ah, você está ultrapassado, você tem muita idade, e não sei o que lá’. Então, está bom, não vamos discutir por causa disso. Você toma conta, se você acha que vai fazer melhor. Eu não vou discutir com eles”, diz. “Deixa eles fazerem o que eles têm de fazer. Porque eu estou aqui no meu canto. Todo mundo sabia o meu endereço. Mas ninguém quis me ouvir”.
Com a troca de CEOs em março, o plano lançado (Klein diz que não participou dele) foca em voltar ao básico, com a loja fortalecida e o carnê sendo resgatado. E a cadeia saiu da venda on-line de áreas não estratégicas (como alimentos, bebidas). O empresário diz que está “disponível” se o procurarem, e que isso já tem ocorrido, após três encontros com Franklin.
Mas ele não sinaliza uma volta ao colegiado, hoje composto por cinco membros, a maior parte deles sem DNA do varejo. Essa, inclusive, é uma questão criticada por parte dos investidores da rede. “Não há ninguém mais ‘old school’ do varejo por lá”, diz um gestor que saiu do papel. Há apenas um nome indicado por Klein no conselho, de Andre Coji (ex-Tecnisa).
“Não penso [em retornar]. Eu estou no varejo onde eu posso, nas revendas de automóveis. Mas o meu conhecimento é o do crediário. É o de atender a baixa renda, do olho no olho. Esse novo presidente, o Renato, já veio falar comigo, ele é muito aberto. O financeiro dele fala com o nosso. O Roberto [ex-CEO], em tanto tempo, não veio três vezes”, disse ele, durante o almoço com o Valor.
Klein voltou à rede em 2019, quando ele e um “pool” de fundos da XP tornaram-se os maiores acionistas e o GPA deixou o negócio. Na sua volta, Fulcherberguer foi o homem de confiança de Klein na direção, até se afastarem pelas diferenças de visão. “O Roberto tinha ali uma questão de governança. Michael era do conselho e era parte relacionada, com imóveis alugados para a Via. Não cabia ficar indo ao Michael toda hora”, diz uma pessoa a par do assunto.
De forma direta por meio de fundo, Klein tem 8,62% da Casas Bahia, menos que os 11,6% registrados antes de ele se afastar da empresa. A sua posição na empresa (cerca de R$ 100 milhões antes de um anúncio de grupamento de ações) é pequena frente ao tamanho da sua fortuna, estimada em R$ 6,5 bilhões, segundo a “Forbes”, o que também não estimula uma participação tão ativa.
Para Klein, o rumo atual da rede lhe parece fazer mais sentido. “O on-line deveria ser como se fosse uma filial, um complemento da loja. O pessoal estava fazendo exatamente o contrário. Tem que chamar o cliente para tomar um café, usar o crediário da loja, usar os dados para vender mais. Ligar e dizer: ‘olha sua geladeira venceu a garantia, não quer aproveitar e olhar uma mais nova?”, diz.
A fase atual da Casas Bahia ainda envolveu uma delicada renegociação de dívidas com bancos (dos R$ 3,7 bilhões, metade vence em 2024). Segundo fontes, num ambiente de desconfiança sobre a capacidade de pagamento da rede, Klein foi procurado, meses atrás, pelo comando do Banco do Brasil, credor do grupo. Queriam entender como Klein via o negócio. O BB não comenta o assunto.
Para alguns, parte dos desgastes na administração teria relação com interesses privados de Klein.
O encolhimento da loja no negócio de três anos para cá afetava diretamente a sua receita imobiliária. A empresa computa a venda do vendedor da loja por WhatsApp como venda digital. E o ganho com locação é um percentual da venda mensal da loja. Portanto, com a loja perdendo relevância, a receita imobiliária desacelerava. A questão foi alvo de debate acalorado entre o empresário e o conselho anos atrás.
Klein nega que tenha um perfil briguento, diz que “são os outros que querem arrumar confusão” com ele. “Foi meu irmão [Saul Klein] que me acionou com a coisa do inventário”. Saul chegou a pedir, em julho, o afastamento de Klein da posição de inventariante dos bens do pais. Alegava que assinaturas de Samuel no testamento foram falsificadas. Perícia de equipe contratada por Michael afirmou que elas são idênticas.
Sobre as declarações de Klein, a LUC Advogados, que representa Saul, diz que as medidas adotadas por Saul buscaram proteção jurisdicional contra atos ou omissões de Michael, e Saul está disposto a se aproximar do irmão, e buscar um acordo em bases justas. Em relação à condenação de Saul Klein, a defesa dele já encontrou com recurso. Michael Klein não tem se manifestado sobre acusações dos crimes cometidos pelo irmão.
Com a varejista em reestruturação, lojas foram devolvidas (38 em 2023) e Klein passou a buscar outros inquilinos. São 194 imóveis alugados hoje pela rede com a empresa de Klein (Casa Bahia Comercial), e eram quase 300 em 2020.
Além dos pontos, Klein tem 11 galpões, totalizando 875 mil metros quadrados, e um novo empreendimento, em Cajamar (SP), que começa a sair do papel em 2024, deve levar o número para 1,1 milhão de metros quadrados de área construída.
Nesse braço imobiliário, a Icon Realty, o empresário conversa hoje com três fundos locais para avançar no projeto Cajamar 2, na Grande São Paulo. Trata-se de um terreno de 820 mil metros quadrados totais, sendo 250 mil metros para construção, onde devem ser investidos R$ 1,2 bilhão (incluindo valor do terreno) para levantar um galpão logístico para locação, no km 40 da rodovia Anhanguera.
É a região dos grandes centros de distribuição do on-line, incluindo Amazon e Mercado Livre.
O projeto Cajamar 1, localizado próximo, já está locado para a Ford. Já a unidade dois deve começar a terraplanagem em 2024 e serão, pelos menos, dois anos até estar pronto. “Fundos já visitaram o Cajamar 1 para terem ideia da nossa estrutura, e eles podem entrar com 30%, 40%, 50%, 60% e receberem o aluguel proporcional. Pode ser até mais de um fundo, a depender do apetite de cada um”, diz.
É uma forma também de Klein não precisar colocar todo o capital, o que reduziria sua liquidez. Em 2021, após perdas no negócio, Klein vendeu a sua Icon Taxi Aéreo para a Voar Aviation, pagou dívidas e se reestruturou.
A vantagem do projeto em Cajamar 2, diz ele, é que pode ser feito em fases, num momento de retomada de buscas de ativos pelos fundos imobiliários. “Primeiro faço 70 mil metros quadrados, por exemplo. Depois, faço mais 80 mil. Já está tudo aprovado e é tudo altamente sustentável. Vou me adaptando ao ritmo da demanda”.
Ainda neste fim de ano, foi finalizado outro investimento: a construção do galpão logístico Itaquera 1, na zona leste de São Paulo, com 10 mil metros quadrados de construção num terreno de 24 mil metros, e investimentos de R$ 50 milhões. A área ainda tão está totalmente locada, e a ideia é dividir o espaço e locar separadamente.
A equipe da Icon continua analisando outros imóveis na região, e também na zona norte da capital. “Há muitas indústrias perto das marginais, atrás do ‘cadeião’ [Casa de Detenção], o que tem de indústria lá, de vidraçarias, e pode ser uma negociação. E na zona leste, dá para locar o Itaquera 1 como galpão para loja física. Porque isso de usar área de loja para estocar produtos [chamados ‘minihubs’, cujo estoque é destinado para a entrega de quem compra on-line], o espaço que eles têm é pouco”.
Outra área que Klein está de olho é a região da Avenida dos Estados, na capital, onde ele quer concentrar as suas construções, e a base de seus investimentos hoje.
Outra carta na manga de Klein envolve a locação área do espaço da sua indústria de móveis, Bartira. Essa parece mais difícil de sair do papel, considerando o histórico recente de instabilidade desse setor, dependente de crédito.
No passado, quando o GPA ainda era sócio da Casas Bahia, havia uma ideia de Klein de ter mais indústrias moveleiras armazenando produtos, e a rede poderia fazer a logística. A ideia nunca andou. “A Bartira tinha três turnos, caiu para dois. Ninguém compra móvel pela internet, então espaço há”.
O edifício sede da Icon, em São Caetano do Sul, também é foco de negociações para locação hoje. São 25 mil m 2 e 7 andares. Cerca de 2,5 mil metros quadrados foram locados, por R$ 45 o metro quadrado.
Dois andares devem ser ocupados pela universidade de São Caetano. Quatorze salas devem ser construídas no espaço. “Eu vou falando para um para outro, só planto a semente e vejo no que dá”.
Sobre as revendas de automóveis, no fim de novembro foi fechada a aquisição de mais três concessionárias Honda, em Araraquara, São Carlos e Pirassununga, alcançando 15 lojas na soma de todas as marcas – os antigos donos saíram por questões sucessórias.
Dono da CB Auto, Klein tem lojas da Jaguar, Jeep, Land Rover, Mercedes-Benz e Mitsubishi. “Com essa compra, damos uma diversificada, porque a Honda, a gente sabe que é japonesa, mas é quase uma marca nacional, é muito forte aqui, e tem outra faixa de preço [comparado com o alto luxo]”.
Na visão dele, deve ter um aumento futuro na venda de carros para classe média alta, área em que a Honda atua. “Antes, o setor vendia muitos carros financiando uma parte com o automóvel usado. Havia um índice de 10%, 15% que o banco não aprovava. Hoje, isso é 50%”, afirma. “O que acontece é o seguinte, vamos falar a verdade. O governo paga um juros tão alto, então por que o banqueiro vai querer correr o risco de fazer financiamento? Ele só quer fazer financiamento daquele que é 100% certo”. A tendência é que a queda na Selic mude esse cenário”.
Fonte: Valor Econômico