Sessenta milhões de brasileiros fazem consultas em sites antes de decidir comprar produtos. Isso é uma revolução”. “No meio físico, os consumidores variam de local para finalizar as compras”. “A compra abastecedora está de volta”. “Estamos no fundo do poço. E isso é uma boa notícia”.
As frases são do presidente do Grupo JBS, Enéas Pestana, que traçou panorama do varejo e destacou a importância dos empreendedores em cuidar do caixa para manterem-se vivos, em meio à dura competição. O executivo, que já dirigiu o Pão de Açúcar e Carrefour, em sua fala na Exposuper, que ocorreu na semana passada em Joinville, mostrou números, comparou a economia brasileira de 50 anos atrás com a atual e listou recomendações para o negócio ter chance de sucesso.
A Notícia – Que comparações podemos fazer entre o Brasil de meio século atrás e o momento atual? E como as mudanças nos afetam?
Enéas Pestana – O PIB do Brasil era de R$ 623 milhões; hoje, soma R$ 6 trilhões. Havia 43% de casas com ligações de energia elétrica; são 99% hoje. A população saltou de 86 milhões para 205 milhões no período. A expectativa de vida era de 42 anos, subindo para 75 anos. E a taxa de fecundidade caiu de 3,4 filhos para 1,7 filho por família. Atualmente, vivemos um momento difícil. A sociedade se industrializou, ganhamos em qualidade de vida, mas estamos em declínio na produção de riqueza há dois anos seguidos. O PIB caiu em 2015, cai neste ano, e 2017 não será tão animador. Estamos em meio a ajustes. O perfil de consumo mudou. A crise atingiu em cheio produtos de maior valor agregado.
AN – Quais segmentos se dão bem neste contexto? Quais canais de venda são os mais procurados pelos consumidores?
Pestana – O consumidor está fazendo malabarismos para manter seu poder de compra. Age para realizar compras mais inteligentes. Não pode errar. Principalmente aquele que tem ganhos de até R$ 2.600, característica da classe C. As categorias de perecíveis e de higiene e beleza resistem. Também itens de carnes industrializadas, batata congelada e requeijão mantêm vendas em níveis bons. Os canais tradicionais do varejo perderam 4,5% de participação. Mas o atacarejo se destaca positivamente: cresce 7,5% neste ano, no Brasil. Já o hipermercado recua.
AN – O consumidor opta por ir a lugares próximos de casa…
Pestana – Sim. Proximidade está em alta. Isso é uma significativa mudança de hábitos.
AN – De todo modo, o consumidor contém gastos, o desemprego obriga.
Pestana – Estamos no fundo do poço, e isso é uma boa notícia, por incrível que pareça. O varejo vive uma revolução. Fora dos segmentos de alimentos e de cosméticos, o comércio está sofrendo barbaridade. O do eletroeletrônico sofre demais.
AN – O consumidor oscila entre fornecedores, deixou de se ater a um determinado local de compras.
Pestana – Sim. Só 2,5% dos clientes são fiéis a um canal; 16% deles compram em três lugares; 27% acessam seis ou mais ambientes para fazer compras. A compra está mais racional; é realizada de acordo com a relação custo-benefício.
AN – Como a tecnologia cria negócios para o varejo?
Pestana – Noventa e nove milhões de brasileiros estão no Facebook; 43 milhões usam WhatsApp. São feitos 25,5 milhões de acessos à banda larga. Temos 250 milhões de celulares no País. E 51 milhões de compras via e-commerce já são realizadas. Outro fato a ser considerado: 60% dos brasileiros fazem consultas na internet antes de decidir pelas compras. Ainda mais significativo: quatro em cada dez clientes frequentam lojas físicas, mas, depois, compram na internet aquilo que viram.
AN – O que o senhor recomenda para os empresários para superarem as dificuldades neste momento?
Pestana – Falo apenas em meu nome – não no do Grupo JBS. Recomendo cuidar de quatro pontos: 1) Tenha foco no básico (não é hora de inventar) e no preço; 2) Cuide da liquidez e fique atento ao endividamento. O fluxo de caixa é fundamental. Se não tiver caixa, você quebra; 3) Busque eficiência, pois nem sempre o excesso de investimento em promoções resolve (você corre o risco de não vender o mix e perder margem); e 4) Tenha a convicção: o mercado vai voltar.
AN – Há muitas empresas com dificuldades financeiras e precisam melhorar a gestão. Com a experiência que o senhor tem em posições estratégicas e de comando, o que recomenda fazer?
Pestana – Acredito que algumas providências são úteis e necessárias para a administração ser mais ajustada às necessidades de competir e enfrentar crises. São estes dez pontos:
1 – Escolha a pessoa certa para a função.
2 – Defina o modelo de gestão. O processo decisório tem de ser ágil.
3 – Faça a revisão regular dos macroprocessos – e só deles – não de todos – para garantir a execução das decisões tomadas.
4 – Defina a estrutura organizacional. Este formato é resultado, e não origem, dos teus processos e modelos de gestão.
5 – Defina perfis de competências. Em especial para as posições-chave da companhia.
6 – Seja simples e claro na administração e na comunicação. Samuel Klein, da Casas Bahia, comprava os produtos por R$ 100, à vista; e os vendia por R$ 200 em dez vezes. Muito claro e muito simples.
7 – Adote a meritocracia. Recompense quem merece. Pode parecer irrelevante, mas não é.
8 – Da mesma maneira que se deve recompensar os melhores, deve-se cobrar desempenho de todos. E cobrar com regularidade, em fóruns apropriados.
9 – Essa combinação tende a criar círculo virtuoso.
10 – A estrutura de governança deve ser forte.