Laurence Gomes afirma que inadimplência está sob controle, após disparar dois dígitos em 2015
A Lojas Renner passou 2015 inteiro lidando com altas preocupantes na taxa de inadimplência. Medido pelas perdas em crédito, já descontadas recuperações, o calote dos clientes disparou 57% no primeiro trimestre do ano passado, em relação a 2014. Nos trimestres seguintes, não foi diferente: 44% no segundo; 45% no terceiro, e 49% no quarto. Por isso, o crescimento de 9,7% entre janeiro e março, em relação ao mesmo período de 2015, foi um dos destaques positivos do balanço divulgado há poucos dias, segundo os analistas.
A freada no ritmo de expansão da inadimplência seguiu um princípio elementar: maior rigidez na hora de conceder crédito por meio dos cartões de marca própria ou de parceiros. “Adotamos uma política mais conservadora de crédito”, resume Laurence Gomes, diretor financeiro e de relações com investidores da Renner.
Mas a vida da empresa não se restringe apenas a fugir de clientes caloteiros. Mesmo diante de mais um ano de recessão e de projeções de um crescimento pífio da economia em 2017, a Renner pretende manter em dia o plano de expansão. Somente neste ano, a empresa deseja abrir 60 lojas, com um investimento de R$ 550 milhões. “Poucas empresas bancam um investimento desse porte atualmente”, diz.
Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista concedida a O Financista:
O Financista: Até 2021, a empresa pretende chegar a 408 lojas Renner, 125 Camicado e 300 Youcom. Diante da crise econômica, esses números podem ser revistos?
Laurence Gomes: Hoje, o plano está mantido. Somente neste ano, planejamos investir R$ 550 milhões. São poucas empresas que estão dispostas a um investimento desse porte atualmente. O plano é abrir, neste ano, 60 lojas, sendo 25 Renner, 20 Youcom e 15 Camicado. Estamos avaliando algumas oportunidades, tanto em shopping centers, quanto em lojas de rua. A negociação dos pontos está mais flexível. Além dos shoppings em construção, há também os maduros. Há entre 60 e 70 shoppings maduros em que a Renner não está e que são boas oportunidades, porque alguns varejistas não estão resistindo à crise e estão fechando suas lojas. O importante é que as crises passam, e as empresas bem preparadas podem sair maiores delas.
O Financista: Diversos analistas esperam que a Lojas Renner ganhe participação de mercado, diante da queda de vendas do varejo e da expansão da empresa. Vocês estão buscando, efetivamente, ganhos de market share?
Gomes: Para nós isso é muito mais uma consequência do desempenho da companhia. Nosso crescimento tem sido maior que a média do setor de vestuários nos últimos anos, por diversos indicadores do setor. Isso indica que estamos ganhando market share. Mas é preciso lembrar que este é um mercado muito fragmentado e com muita informalidade. Cerca de 40% do mercado de vestuário é informal. Com a crise, acreditamos que ganhamos mercado também em cima dos informais, por uma série de motivos. Primeiro, a Renner sempre busca uma maior racionalidade e qualidade para os consumidores. As mulheres são mais de 80% de nossos clientes. E essa mulher moderna busca uma boa experiência de compras. Então, procuramos oferecer isso: o layout de nossas lojas reproduz o guarda-roupa delas; a música para que se sintam bem; o atendimento.
O Financista: Quanto de market share a Renner tem hoje?
Gomes: Se consideramos todo o mercado de vestuário, temos cerca de 3% de participação.
O Financista: Uma coisa que chama a atenção, no plano de expansão, é o foco em lojas físicas. Os varejistas investem cada vez mais em vendas online. A Renner tem algum plano para essa área?
Gomes: O online é um canal importante e está no nosso foco. Trabalhamos para melhorar a experiência de compra pela internet nos últimos anos. Investimos muito em usabilidade, para tornar o site mais amigável. Mas a gente acredita muito na fusão do online com as lojas físicas. Hoje, por exemplo, você pode comprar uma peça pela internet e, se precisar, pode trocá-la em qualquer loja física. Se considerar o volume de vendas por ano, o site hoje já é maior que a nossa maior loja física. Há dois anos, ele estava entre as dez maiores unidades de venda.
O Financista: A receita líquida de vendas apenas do negócio de varejo cresceu 6,5% no primeiro trimestre, ante o mesmo período de 2015, mas os analistas destacam que esse é o menor desempenho desde 2011. Como os senhores avaliam esse resultado
Gomes: A primeira coisa que precisamos lembrar é que a base de comparação é muito elevada. Nós crescemos 16% no primeiro trimestre do ano passado. Mas a gente também reconhece que alguns resultados ficaram abaixo do que esperávamos. Um exemplo é o crescimento de 1,3% no critério mesmas lojas [aquelas com, pelo menos, 12 meses de operação]. Não podemos controlar o clima, nem a economia, por isso, buscamos as lacunas internas que contribuíram para esse número.
A primeira que identificamos é que o começo do ano foi mais quente do que estimávamos. Em março, a demanda dos clientes por roupas leves foi grande. Como viramos o ano com um estoque muito justo, e as vendas de janeiro ficaram acima das esperadas, chegamos a março com menos peças. Não fazia sentido, além disso, encomendar mais roupas leves no fim da temporada de verão. O segundo fator foi que postergamos as importações. Isso não se deveu ao dólar, mas sim à necessidade de gerenciar melhor o estoque. E o terceiro fator foi que adotamos padrões mais rigorosos de qualidade. Com isso, alguns fornecedores acabaram atrasando as entregas.
O Financista: Outra coisa que chamou a atenção foi o crescimento de 5% na receita de produtos financeiros (trimestre contra trimestre). Foi um resultado menor que o de vendas do varejo.
Gomes: Sim, mas há outro ponto a ser destacado: nossa inadimplência está controlada. Ela cresceu bem menos que nos trimestres anteriores. A Renner adotou uma política mais conservadora de concessão de crédito. E sempre dizemos que os produtos financeiros não são o nosso core business. Eles não podem ser usados para alavancar vendas no varejo. Acreditamos que o cliente deve ser atraído para a loja pela qualidade dos produtos e pela experiência de compra; não por causa das condições de pagamento.
O Financista: Como a Renner vem lidando com a inadimplência?
Gomes: Adicionamos muita tecnologia para manter a inadimplência sob controle. Nossos sistemas de concessão de crédito estão mais assertivos. No fim do ano, implantamos um novo sistema de cobrança. Nossa preocupação não é apenas cobrar. Queremos também incentivar esse cliente a voltar a comprar. É importante lembrar que o Brasil nunca viveu uma crise de inadimplência no varejo. Os problemas que ocorreram foram pontuais, causados por empresas que foram mais agressivas. Nos últimos 12 anos, com a ascensão da classe média, o crédito se tornou importante, mas ele é relativamente novo no país.
O Financista: O que a Renner faz com sua carteira de recebíveis?
Gomes: Temos um fundo de direito creditório com cerca de R$ 600 milhões. Sua remuneração é de CDI mais 0,85% ao ano. Os cotistas não movimentam posições e o fundo se retroalimenta, porque os investidores estão com uma rentabilidade maior que o CDI. Mas há pouca oferta de recebíveis no mercado. Sentimos falta de boas varejistas oferecendo carteiras para a securitização de recebíveis.
O Financista: Qual é o cenário macroeconômico com que a Renner trabalha neste ano?
Gomes: Basicamente, seguimos o boletim Focus, mas temos também economistas nos assessorando. Não podemos controlar a economia, então, nos voltamos muito para dentro. Estamos sempre focados em revisar nossas estruturas. Somos muito críticos para controlar custos.