Quem nunca ouviu, ao menos uma vez, que a internet acabaria com o potencial de vendas do varejo tradicional, que atire o primeiro cabide. Nos últimos anos, não foram poucos os especialistas que profetizaram o apocalipse para as lojas físicas. O que se vê, no entanto, é uma integração cada vez maior entre os dois canais de venda. Atualmente, o e-commerce tem levado mais clientes para as lojas. Redes e grifes com boa reputação tiram proveito do mundo digital em suas unidades de rua e shoppings. É nessa onda que empresários como Carlos Jereissati Filho, CEO do Iguatemi, surfa.
Com fala mansa e estilo despojado, o executivo de 48 anos está à frente da companhia desde 2005. Ele já liderou o processo de abertura de capital e inaugurou oito exitosos empreendimentos. Agora, Jereissati Filho dá o passo final para uma jornada não menos importante. Em breve, a empresa inaugurará um marketplace — espécie de shopping virtual, que aloca ofertas de diversas empresas no mesmo portal — com mais de 80 grifes e cerca de 10 mil itens de moda logo de partida. “Não seremos uma Amazon, que oferece de tudo. A ideia do nosso marketplace é ajudar a resolver a vida das pessoas”, diz o CEO do Iguatemi. “Mas o grosso, assim como no nosso negócio físico, virá da categoria de moda.”
Após um período de testes de três meses, o portal entrará no ar no fim de outubro e terá marcas renomadas mundo afora como Dolce & Gabbana, GAP, Sephora e Tiffany. “Somos o primeiro marketplace em que a Tiffany apostou no mundo. Isso mostra a credibilidade que o Iguatemi construiu em seus 40 anos de história”, diz Jereissati Filho. Também haverá espaço para marcas exclusivas, que ainda não atuam no mercado brasileiro. Segundo o executivo, uma unidade de varejo do grupo fará o armazenamento do estoque dessas coleções. “Não será uma quantidade muito grande. Serão volumes pequenos, mas que garantirão essa diferenciação que o Iguatemi sempre teve no varejo físico.” O grande trunfo, na visão de Jereissati Filho, é poder vender o mesmo catálogo de seus shoppings em São Paulo para todo o País, haja vista que muitas pessoas peregrinam de tempos em tempos para comprar artigos de moda na capital paulista. “Nós temos muitos itens, por exemplo, da Zara que são vendidos apenas no Iguatemi São Paulo e no JK Iguatemi, porque são lojas que têm um tíquete médio mais alto. Com o marketplace, a Zara vai conseguir ofertar esses produtos em outras regiões”, afirma.
A plataforma, no entanto, será lançada primeiramente no Estado de São Paulo. A pretensão é replicar o modelo em todo o território nacional até o fim de 2020. Com 15 shopping centers, dois premium outlets e três torres comerciais, o Iguatemi movimentou R$ 13,7 bilhões em 2018 e obteve receita de R$ 721,5 milhões. Além do marketplace, também é previsto em alguns dos complexos, um estúdio de inovação e um lounge, onde o consumidor poderá fazer compra assistida ou retirar pedidos realizados pelo site. “A princípio, nós teremos no Iguatemi São Paulo, tanto estúdio quanto lounge, mas a ideia é que tenhamos também em outras unidades espalhadas pelo Brasil”, diz Jereissati Filho.
Em 2018, o shopping Cidade Jardim, do grupo JHSF, já havia lançado sua plataforma digital em moldes semelhantes. Chamado CJ Fashion, o portal tem 188 grifes de moda e já atendeu clientes de 160 municípios em um ano de operação. “Hoje, nosso movimento é seguido por boa parte do mercado. O cliente, quando procura um marketplace ou e-commerce, quer agilidade e um serviço de excelência e nós, desde o primeiro dia de operação, entregamos pedidos para a capital de São Paulo no mesmo dia”, diz Thiago Alonso, CEO do grupo JHSF. O mercado que as empresas miram é o de alto poder aquisitivo. Segundo dados do instituto de pesquisas Iemi – Inteligência de Mercado, o varejo de vestuário voltado aos públicos A e B+ movimentou cerca de R$ 42,3 bilhões em 2018, crescimento de 2,4% em relação ao ano anterior.
A opção escolhida pela Riachuelo foi levar a inovação diretamente ao ponto de venda. Em um espaço de 2,3 mil m², a varejista abriu as portas, em 26 de setembro, de sua loja conceito, localizada no Morumbi Shopping, em São Paulo. A operação, onde outrora esteve instalada uma livraria Fnac, tem um sortimento de 12 mil itens, mas o que chama a atenção são espelhos interativos e iluminação ajustável nos provadores, uma área de customização de peças, Wi-Fi de alta velocidade e lockers para a retirada de produtos comprados pelo site. “A nossa principal inovação foi colocar o cliente no centro e fazer um ambiente de loja que seja complementar ao digital”, diz Elio Silva, diretor-executivo de marketing da Riachuelo. Marcelo Prado, diretor do instituto de pesquisas Iemi — Inteligência de Mercado, diz que a Riachuelo tem pegado tudo o que acontece fora do País e tenta transformar isso em experiência para o consumidor nas lojas. “Ela ganhou muita mídia com essa ação”, afirma Prado.
ESPELHO INTERATIVO A empresa fez tornar realidade coisas que até então pareciam impossíveis, como ajustar as luzes do provador de acordo com o estilo da roupa ou, melhor ainda, poder trocar a tonalidade das peças que o consumidor veste. Tudo isso é possível graças a um espelho interativo disponível em algumas cabines dos provadores. Há ainda uma área de reformas de roupas, onde é possível programar ações que vão desde estamparia de camisetas até ajustes e consertos. “Também estamos prestes a lançar nova versão do nosso aplicativo, que vai trazer uma série de inovações, principalmente facilitando a integração com o canal de e-commerce”, afirma Silva.
“Muita tecnologia estará mais no ‘backoffice’ do trabalho do que no ‘front-end’ para o consumidor”, complementa, em relação aos investimentos que estão sendo aportados para a integração do estoque físico e on-line da rede. A ideia é ir além do ‘clique e retire’ e poder começar a entregar produtos a partir das lojas, método conhecido como ‘ship from store’. Para evitar as filas enormes na hora do pagamento, a loja conceito da Riachuelo tem 14 pontos em que o cliente pode pagar a compra porº meio do celular. “Um de nossos funcionários com o equipamento pode fazer a cobrança em qualquer lugar da loja, sem que a pessoa precise ir para o caixa”.
A precursora desse movimento, no entanto, é a Amaro. A empresa fundada em 2012, pelo suíço Dominique Olivier, que é também o CEO, surgiu como um e-commerce de roupas femininas. Em 2015, a companhia resolveu inaugurar o primeiro ponto físico para contato com o consumidor. “Hoje, o segmento de moda representa 5% das vendas pelo e-commerce. O restante acontece no mundo físico. Em cinco anos, essa parcela deve dobrar para 10%. A Amaro iniciou esse movimento para roubar um pouco dessas vendas que acontecem fisicamente”, diz Dominique Olivier. Hoje, são 14 guide shops espalhados por cinco capitais brasileiras. “Somos um exemplo das empresas que nasceram on-line e foram para o off-line”, afirma.
Engana-se, porém, quem pensa que a venda acontece no próprio ponto de venda. Até que não seria mentira dizer isso, mas nenhuma das clientes sai da loja com sacolas. Cada um dos pontos físicos da empresa tem apenas um item de cada tamanho e de cada cor. É como se fosse um grande mostruário. A pessoa experimenta e finaliza a compra por meio do aplicativo da Amaro na loja. Também há sensores que monitoram quanto tempo a cliente passa na frente de cada peça e quais são as zonas de maior fluxo dentro da loja. Eduardo Terra, presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo, diz que a Amaro é uma prateleira infinita. “Você poder comprar coisas que não estão ali e receber em casa. É uma loja que também vira ponto de entrega para o e-commerce”, afirma Terra. “É uma mostra de que a melhor maneira de você começar uma relação com o consumidor ainda é o varejo físico”.
Outro exemplo de que os canais são complementares vem da consultoria americana McKinsey, que está abrindo uma loja de peças de vestuário no maior centro comercial dos Estados Unidos. A operação vai servir para testar tecnologias que os varejistas e seus consultores querem implementar nas lojas. Também é uma aposta conjunta para conter a forte concorrência da Amazon na região. Edmundo Lima, diretor executivo da Associação Brasileira do Varejo Têxtil (Abvtex), diz que “no fim de tudo, o objetivo sempre vai ser atrair o consumidor pra loja, por meio de uma experiência inovadora, em que o cliente terá contato com muitas experiências diferentes”. Parece que a jornada da experiência do consumidor nunca foi levada tão a sério. E isso é ótimo.
O passo esportivo da Arezzo
Por Luana Meneghetti
A compra da operação da americana Vans no Brasil pela Arezzo & Co., que controla a marca homônima e também Schutz, Anacapri, Alexandre Birman, Fiever e Alme, é um forte indício do novo passo estratégico da companhia. Conhecida pelos calçados e bolsas para o público feminino e líder no segmento, há algum tempo a Arezzo vem diversificando seu portfólio para atender outros públicos. Segundo análise feita pela Credit Suisse, espera-se que o negócio venha a ampliar em 8,3% os ganhos da Arezzo.
A saída encontrada para ampliar os seus produtos foi por meio das marcas de tênis (Fiever e agora Vans) com criações que atendem ao universo feminino e masculino e, principalmente, aos mais jovens. A mudança no comportamento do público por itens mais confortáveis também faz parte dos novos caminhos. Os tênis já representam 20% das vendas da Arezzo. “A novidade poderá criar novo vetor de crescimento para a Arezzo no mercado doméstico, o que é especialmente importante, dadas as recentes indicações de desaceleração do crescimento em suas marcas mais maduras”, avaliou o Credit Suisse.
Essa é a primeira vez na história da companhia que a Arezzo comercializa um produto que não seja criação própria. “Esse é um passo decisivo para aprofundarmos nossa estratégia de transformação da companhia em uma plataforma de gestão de marcas”, disse o CEO Alexandre Birman. Com a Vans, serão sete marcas a partir de 2020 – totalizando mais de 630 franquias, 45 lojas próprias e 2,6 mil clientes multimarcas.
Foram investidos R$ 50 milhões na compra da operação da Vans. O contrato tem duração de cinco anos, com possibilidade de extensão de dois anos. A mudança de controle entra em vigor no primeiro dia de 2020. A Arezzo poderá expandir a marca no País por meio de aberturas de lojas próprias ou de franqueadas. A Vans era administrada pelo conglomerado americano de moda VF Corporation, dono também de 27 marcas como Timberland e The North Face, e cresceu no Brasil, principalmente, por meio de multimarcas. A Vans está presente em 84 países e tem valor de mercado de US$ 3 bilhões, apontada como uma das marcas preferidas da geração Z (nascidos entre 1990 e 2010), à frente até mesmo de marcas tradicionais como Nike e Adidas. No ano passado, as vendas da marca cresceram 24%.
“Chegamos à conclusão de que estávamos no momento de lançar uma plataforma de e-commerce”
Carlos Jereissati Filho, CEO do Iguatemi, falou com DINHEIRO sobre os planos da empresa para a plataforma de comércio eletrônico Iguatemi 365, que será lançada ainda este mês e contará com mais de 80 grifes renomadas do mundo da moda
O Iguatemi é conhecido por ser uma das principais redes de shopping centers de alto padrão do País. Esse é um novo passo na história da empresa. O que foi levado em consideração para a abertura do Iguatemi 365?
Nós sempre estivemos atentos à inovação. Acompanhamos há quase duas décadas toda a evolução que o e-commerce teve no País e buscamos formas de trazer isso para os consumidores que frequentam os nossos shoppings. Chegamos à conclusão de que estávamos no momento de lançar uma plataforma de e-commerce por meio de um marketplace para atendermos a nossa clientela não só nos nossos shoppings, mas elevar o alcance dos produtos para o Brasil inteiro. Estamos vivendo uma evolução gigantesca.
A empresa vinha trabalhando na hipótese de criar um e-commerce há alguns anos. Por que demorou tanto para que esse projeto saísse do papel?
Nós sempre tivemos uma preocupação grande com o tempo certo de se fazer as coisas. Não poderia nem ser muito antes nem muito depois para não queimarmos etapas. Há 20 anos, quando começamos a pensar nisso, a tecnologia era caríssima. Para montar uma estrutura dessas, era preciso de investimentos gigantescos. A maioria das varejistas ainda não tinha um e-commerce próprio operando. Hoje, vivemos noutra realidade. O universo está mais integrado. As empresas já têm toda a estrutura de estoques digitalizada, não só para vender para o consumidor, mas também para marcarem presença em outras plataformas. Nesse período, vários dos empecilhos e das dificuldades que existiam foram sendo vencidas tanto pelo barateamento da tecnologia como também pela evolução do ecossistema.
A plataforma comercializará somente itens de moda de luxo ou também terá produtos de outras categorias?
Não. A moda será o grosso do site, como é no nosso negócio físico. Hoje, metade das vendas nos nossos shoppings é da categoria de moda. É onde nós desenvolvemos uma inteligência muito única. Queremos ter um sortimento amplo, mas sempre com uma curadoria apurada, descobrindo marcas novas, como sempre fizemos. Hoje, os nossos shoppings movimentam quase R$ 14 bilhões por ano. Temos uma experiência grande para saber quais produtos vendem mais. Nós temos essa tecnologia desenvolvida e queremos aplicar isso agora no on-line. Então, começaremos com um sortimento grande em moda, mas também teremos a categoria de casa e decoração, de beleza e de acessórios.
Você acredita que o Iguatemi 365 poderá impulsionar o fluxo de pessoas nos shoppings?
Eu acho que o marketplace é um instrumento que servirá para as pessoas se informarem mais sobre o nosso catalogo. Vários dos nossos produtos que não eram visíveis nas lojas agora vão aparecer mais para o cliente. Então, eu acredito que irá, sim, ajudar o varejo físico também. E nós vamos trabalhar muito para que essa integração seja muito positiva e amplie as vendas nos nossos empreendimentos.
Fonte: IstoÉ Dinheiro