Em entrevista a O Financista, ex-presidente do Pão de Açúcar diz que é hora de empresas colocarem as “barbas de molho’
Diante do que pode acontecer com a economia neste ano, é possível que os varejistas sintam saudades de 2015. A perspectiva de uma nova queda do PIB, o aumento do desemprego e os juros altos, que inibem as vendas e oneram os custos financeiros, são apenas alguns dos fantasmas que continuarão assombrando o setor. A avaliação é de Enéas Pestana, ex-presidente do Grupo Pão de Açúcar e fundador da consultoria que leva o seu nome.
Em entrevista a O Financista, Pestana afirma que o maior problema do varejo não é a falta de crédito, mas o medo dos consumidores de perderem o emprego e não conseguirem quitar as prestações. Já para os empresários e executivos do setor, o recado é claro: “coloquem as barbas de molho”. É hora de preservar o caixa e fazer um pente-fino na operação, a fim de ganhar eficiência e largar na frente, quando a economia voltar a crescer. “O melhor conselho que posso dar, hoje, é: garanta sua liquidez”, diz. Desde que fundou a Enéas Pestana & Associados, no fim de 2014, o agora empresário e consultor já fechou contratos com a JBS Foods,Saraiva, Máquina de Vendas e BR Pharma, entre outros. Veja, a seguir, os principais trechos da conversa:
O Financista: Este ano será igual, pior ou melhor que 2015 para o varejo?
Enéas Pestana: A performance geral das empresas de varejo está desacelerando desde o fim do ano passado e este começo de ano também foi muito difícil. Então, eu acho que 2016 vai ser pior. A demanda está muito retraída. Há uma desconfiança profunda dos consumidores, principalmente, porque estão muito preocupados com o seu emprego. O desemprego subiu demais, e este é um dos principais indicadores da economia, se não for o principal. Sem distribuição de renda, o consumo desaquece brutalmente. E, claro, há um reflexo muito forte sobre o varejo.
O Financista: Há setores do varejo que dependem mais da inflação e renda, como o de alimentos, e os que dependem mais de crédito, como os eletroeletrônicos. Qual deles deve sofrer mais em 2016?
Pestana: Vamos deixar isso claro: não falta crédito para o consumo. Em geral, as empresas têm hoje carteiras enormes de crédito à disposição. A questão não é nem essa. A questão é que o próprio consumidor não quer entrar num parcelamento, porque está preocupado com seu emprego. Ele não sabe se poderá honrar uma compra parcelada e de mais prazo. As varejistas também sentem os efeitos dessa desconfiança, na medida em que o desconto de recebíveis [prestações de clientes que ainda não venceram e que são repassadas para bancos, a fim de antecipar o capital] está muito mais alto. O custo de carregamento dessa dívida e, consequentemente, do desconto de recebíveis, faz parte do giro de uma empresa de bens duráveis. Então, ela é penalizada.
O Financista: Em quanto está esse custo de carregamento?
Pestana: Depende de muita coisa, como o rating da empresa, mas é altíssimo. Com uma Selic do tamanho da atual [14,25% ao ano], mais o IOF [Imposto sobre Operações Financeiras], passa de 20% ao ano. É um custo muito pesado para quem tem margem pequena, como é o caso do setor. As empresas que dependem de crédito são penalizadas em relação a outras varejistas, que dependem mais da renda, como as de alimentos. O consumidor não costuma comprar comida parcelada. Não precisa disponibilizar crédito.
O Financista: Essa situação vai levar a uma consolidação do setor, como visto há alguns anos?
Pestana: Eu até acho que sim, mas não será em 2016, nem em 2017. Enquanto o país não oferecer um cenário positivo, não haverá investidores estrangeiros dispostos a vir. E, agora, com o rebaixamento do Brasil para o grau especulativo, muitas instituições e private equities simplesmente não podem investir aqui por uma questão de compliance. Com o baixo preço dos ativos brasileiros e o câmbio valorizado, deveríamos estar no paraíso das compras. Seria um negócio atrás do outro, mas, praticamente, não se vê ninguém fazendo isso. Naturalmente, a consolidação virá, porque, após um período de crise, sempre vem uma onda de crescimento. A questão é que ninguém sabe, exatamente, quando se dará a inflexão dessa curva.
O Financista: Qual é o cenário que você enxerga para os juros neste ano, e como ele mexerá com o varejo?
Pestana: Acho que os juros não devem subir significativamente daqui para a frente, até porque, eles já estão altíssimos. Na verdade… na verdade, penso que é uma questão fiscal. O governo, como qualquer empresa em dificuldade, precisa enxugar gastos. Não é cortar por cortar. Se você não mudar o jeito de fazer as coisas, voltará a gastar. E isso, às vezes, sai mais caro. O governo precisa mudar suas práticas, tornando-se uma máquina mais eficiente. São coisas como essas que podem recolocar a gente no trilho do crescimento. Se precisarmos segurar a inflação só com os juros… não terá muito jeito. Acho que é responsável fazer isso, mas é lamentável também, porque causa uma série de efeitos colaterais na economia.
O Financista: Que medidas as empresas estão tomando para enfrentar a crise?
Pestana: Digo a mesma coisa para todas com que tenho contato: coloquem as barbas de molho. Vamos buscar eficiência, melhorar a gestão em todas as variáveis da atividade. E, do lado mais financeiro, é preciso garantir a liquidez. O que quebra uma empresa não é a falta de lucro, é a falta de dinheiro. Sem caixa, você vai quebrar. O melhor conselho que eu posso dar, hoje, é: garanta sua liquidez para garantir sua sobrevivência. E ganhe eficiência, porque esse mercado vai voltar a crescer e, nessa hora, se você estiver bem preparado, vai disparar, capturando market share com lucratividade. É a hora de fazer a lição de casa. As vendas podem cair, mas você pode compensar isso ganhando mais margem.
O Financista: Onde estão as maiores ineficiências do setor?
Pestana: Eu costumo dizer que o varejo é uma das atividades mais simples e mais antigas da humanidade. É comprar e vender. O que torna o varejo complexo é a quantidade de variáveis que se deve olhar. Varejo é detalhe. Não dá para administrar uma empresa pelo conjunto de lojas, pela visão macro. Em cada uma dessas variáveis, pode haver ineficiência. Um dos processos mais importantes do varejo é a compra dos produtos. Muitas varejistas fazem seu lucro na compra, porque o preço de venda já está dado pelo mercado. Não adianta colocar seu preço de venda acima do mercado, porque você não vende. Também não adianta colocar muito abaixo, porque estaria rasgando dinheiro. E o lucro que você não fizer na compra, tem de tirar da operação. A eficiência dos processos precisa ser suficiente para você não perder essa pequena margem pela qual o varejo opera.
O Financista: Agora que você é empresário e não mais executivo, está sentindo frio na barriga por causa de 2016?
Pestana: Não… ao contrário. Como somos uma consultoria focada em melhorar a eficiência das empresas, um cenário desfavorável é até bom para nós. Os brasileiros só costumam olhar para uma coisa quando está doendo, seja no corpo, seja no bolso. As medidas preventivas não são parte da nossa cultura. Quando está tudo bem, aí é que não olham mesmo, e esse seria o melhor momento para isso, porque seria uma ação preventiva, para ficar bem sempre. Mas as empresas, como as pessoas, em geral não fazem isso. Então, como negócio, não posso dizer que está ruim. Pelo contrário: 2015 foi um ano ótimo para a gente. O que eu fico é chateado como brasileiro.
O Financista: Você busca imprimir algum estilo à sua empresa?
Pestana: Na verdade, eu criei a consultoria por alguns motivos. O primeiro é que estou com 53 anos de idade, e acho que acertei mais do que errei, senão, não estaria aqui. Além disso, tenho amigos que estão na mesma faixa etária e que também tiveram uma vida de executivos que acertaram e erraram. É um conjunto que se completa, porque cada um tem mais experiência em certa área. Como passar esses conhecimentos acumulados em todos esses anos e, ao mesmo tempo, ganhar dinheiro? Aí, veio a ideia da consultoria. O que percebemos é que, mais recentemente, somos mais procurados por pequenas e médias empresas. Isso mostra que elas estão sofrendo mais com a crise. Antes, as grandes companhias é que nos procuravam, porque têm mais condições de antever cenários. Isso nos fez mudar até a estratégia de negócio. A gente ofertava um serviço que era muito longo, que podia durar até ano e meio, e que passava por todas as áreas da empresa. Mas as pequenas e médias, muitas vezes, precisam de uma resposta mais rápida. E também ficava caro para elas. Agora, temos um portfólio de serviços mais fatiado, com módulos de dois a três meses, muito mais baratos.