A “cultura startup” originária das empresas que nasceram sob os signos da inovação, tecnologia e crescimento rápido – como parte da chamada “nova economia” – tem atingido também as empresas tradicionais e ajudado a mudar a cultura gestora de companhias e segmentos bastante enraizados.
No vácuo deixado por empresas que não conseguem atender todas as demandas e anseios de seus públicos, as startups surgem trazendo soluções com modelos de negócios inovadores e disruptivos. O sucesso dessa nova maneira de fazer negócios tem atraído a atenção de empresas tradicionais de diferentes setores e portes que buscam uma maneira de se tornarem mais eficientes agradando um consumidor cada vez mais informado e exigente.
Para o sócio da Organica – empresa focada na aceleração de negócios e pessoas -, Renato Mendes, o desejo de mudança nas empresas da economia tradicional normalmente acontece quando elas se sentem ameaçadas por um mercado emergente que não entendem bem. “Elas sentem que o mundo está mudando e que estão ficando para trás.
Esse é o momento que a decisão deve ser encampada por todos. Uma mudança de cultura só acontece quando é um desejo genuíno e, ainda sim, não é um processo fácil. Essas empresas devem compreender que elas não vão se tornar startups, não se transformarão no Google ou no Facebook, mas que podem ter a mentalidade de startup”, explica Mendes.
A cultura startup prega, entre outros pontos, a escuta ativa dos clientes; a execução assim que tiver uma proposta mínima de valor; e o erro como oportunidade de aprendizado. Todos esses itens exigem que o foco da transformação esteja nas pessoas. Mais do que investimento em tecnologia – que é, obviamente, necessário – é preciso que as pessoas estejam determinadas a fazer a mudança de cultura.
A fundadora da AbeLLha – incubadora de negócios de impacto -, Ana Julia Ghirello, acompanha processos de empresas muito tradicionais que resolveram aceitar o desafio. “As empresas precisam pensar em formas próprias de incorporar pontos da cultura startup que podem trazer agilidade e inovação para o seu negócio em um mundo cada vez mais volátil. Ter uma estrutura maleável e ágil é imprescindível para lidar com um mercado de extrema incerteza como o que já temos e teremos daqui pra frente”, analisa Ana Julia Ghirello.
Um dos setores mais atentos a esse movimento é o financeiro. Pressionados pelo surgimento das fintechs – startups focadas no setor bancário e financeiro -, os bancos têm encontrado novos modelos de produtos e serviços. Até aqui acostumados a serem os “senhores” na relação com os clientes, eles, que no passado lideraram a informatização dos serviços, voltam a investir em inovação de maneira pioneira.
“Temos o exemplo do Olé Consignados (fruto de uma joint venture entre o Banco Bonsucesso e o Santander, em 2015), que atua em um segmento muito controlado e extremamente tradicional, focado em um público mais maduro. Eles perceberam, porém, que esse público também está mudando e que o modelo de vendas com um profissional com um portfólio debaixo do braço está acabando. Fomos chamados e criamos um produto on-line, um e-commerce para o banco. Em nove meses, o projeto foi desenhado e já está gerando receita. O importante desse exemplo é que não nos aventuramos a mudar tudo de uma vez. A mudança acontece aos poucos, começa por um setor ou um produto, como foi o caso”, pontua o sócio da Organica.
Outra opção é “quebrar a empresa” em várias startups, como aconteceu com o site de OLX, quando ainda tinha o nome “Bom Negócio”. A estratégia foi acompanhada pela fundadora da AbeLLha. O importante, segundo ela, é que garantir que a autonomia dada às pessoas mantenha o alinhamento com os valores e objetivos da empresa. O resultado desse tipo de mudança é um sistema mais complexo que exige método, detalhamento e transparência.
“É preciso um propósito muito claro. Todo esse processo leva tempo e precisa ser planejado. Não existe receita pronta. O empresário deve fugir da tentação de pegar algo que deu certo em outro lugar e implantar de cima pra baixo na sua empresa. O processo sempre requer ajustes. O ideal é começar por processos mais simples e ir ganhando escala”, alerta a empresária.
Fonte: Diário do Comércio