Pesquisa inédita revela que executivos das 1.000 maiores empresas brasileiras agem de forma dispersa nas questões estratégicas para conduzir os desafios tecnológicos, e boa parte move esforços e investimentos só por temor da concorrência
Pense no Barcelona, no Liverpool ou no Manchester City. Pense em qualquer time brasileiro. A comparação traz um razoável paralelismo aos resultados nada animadores da pesquisa feita com os principais executivos (CEOs, CMOs, CIOs e CDOs) das mil maiores empresas do País, em 12 segmentos. O levantamento feito pela E-Consulting mostra que a expressão Transformação Digital (TD) está esvaziada de sentido para as corporações. A maioria dos líderes entrevistados acredita que TD ainda é algo incipiente e atrelado a uma visão de médio e longo prazo. Para 19%, o papel dela é mostrar o futuro dos negócios — e apenas 9% afirmaram que se trata de um acelerador para a inovação.
O coordenador da pesquisa e CEO da E-Consulting, Daniel Domeneghetti, diz que “não há qualquer convergência sobre do que se trata a Transformação Digital”. Assim, entre os três grupos de executivos ouvidos (presidentes, heads de marketing, heads de tecnologia e heads digitais) o que se observa é uma grande dispersão. O retrato que os resultados mostram é que as empresas saíram fazendo as coisas sem referências para montar a estratégia. “E confudem e-commerce com marketing digital, com estrutura de TI, como se tudo fosse uma coisa só chamada Transformação Digital”, afirma Domeneghetti. Isso leva a um cenário de desperdício de tempo e, especialmente, investimentos.
Tudo movido pelo temor de ficar defasado. Um a cada cinco CEOs diz que o principal motivo para investir em tecnologias digitais é o “medo de ficar para trás dos concorrentes”. Essa resposta é a terceira na lista dos líderes de tecnologia das empresas e somente a quinta entre os heads de marketing. Para os CIOs, o principal impulsionador de um ambiente tecnologicamente disruptivo é o tripé “revolução tecnológica/universalização de acesso/barateamento de novas tecnologias” (16%). Entre os CMOs, a resposta mais citada foi “maior conectividade digital dos usuários” (14%). Fica claro que a pressão de fora das corporações aparece com peso superior ao de criar um ambiente interno voltado verdadeiramente à inovação e novas tecnologias.
O reflexo imediato desse cenário aparece quando foi perguntado às lideranças de tecnologia sobre quais as maiores dificuldades dentro de suas áreas para conduzir a Transformação Digital. “Falta de mão de obra capacitada” (11%) e “dificuldade de comprovar resultados concretos para os acionistas” (10%) foram as respostas mais citadas. Domeneghetti, que é co-autor (com Roberto Meir) do livro Ativos Intangíveis — O Real Valor das Empresas, sabe bastante bem que esse é um problema clássico. “O que define ‘dar resultado’? E o valor da jornada?”, diz, dando como exemplo o caso de Magazine Luiza. “Os resultados de sua estratégia de Transformação Digital ainda são majoritariamente intangíveis, mas o valor de mercado da empresa…” Bem, esse é sólido. Há exatamente cinco anos as ações da rede foram vendidas a R$ 9,10 — chegando a menos de R$ 1 em dezembro de 2015. Fecharam na quarta-feira a R$ 245,81.
PAPEL DO CEO
Dentro do levantamento, que não particulariza as empresas, aparecem cases de excelência e referência. Mas, especialmente nos segmentos mais distantes do usuário final, os CEOs não são os principais impulsionadores da Transformação Digital. As exceções estão em companhias já nascidas com DNA digital, tanto em setores novos como nos tradicionais. “Nos segmentos em efetiva disrupção digital no seu core business e na lógica de sua cadeia, como financeiro, de conectividade, educação e entretenimento, os CEOs deverão assumir o papel de protagonistas desse conceito nos próximos dois anos”, afirma Domeneghetti.
Sem que os CEOs façam o papel de impulsionadores da transformação, os próprios heads de tecnologia ficam perdidos. A pesquisa mostra que 35% dos CIOs afirmam que Transformação Digital não tem nenhuma relação direta com inovação, mas um número quase idêntico (28%) diz o oposto e acredita que ela é a base da inovação e uma só acontece com a outra. Domeneghetti afirma que isso dá urgência ao novo papel para os CIOs: definir estratégias entendendo a dinâmica entre clientes, demandas e concorrentes. “As empresas precisam acompanhar a arena competitiva montada com novos atores da economia e a somatória dessas mudanças se concentra no CIO, que deve entender o mercado e a concorrência como os principais valores da sua gestão.” O dados da E-Consulting revelam mais que uma ausência de entendimento sobre Transformação Digital. “Mostram quem deve ser o ator estratégico, a estrela: o cara da TI.”
Fonte: Istoé Dinheiro