Por Adriana Mattos | Há uma aceleração nos projetos de venda de ativos pelas empresas neste ano – de lojas e fábricas até a sede dos grupos – numa busca por liquidez mais imediata para reduzir a alavancagem financeira dos negócios.
A recente escalada dos juros, que fez as dívidas privadas dispararem nos últimos meses, e limitações de crédito no mercado – especialmente após a crise da Americanas – obrigaram as companhias a buscar alternativas para acessar recursos de forma mais rápida e barata
Fundos imobiliários e investidores identificaram uma onda mais forte após janeiro, mas ainda veem sinais de demanda limitada para novas operações por parte de investidores. As avaliações têm vindo com múltiplos altos, dizem fontes, apesar da carteira à venda incluir alguns negócios de primeira linha.
O Valor apurou que o GPA, por exemplo, chegou a pedir R$ 270 milhões pela sua histórica sede, nos Jardins, em São Paulo – inicialmente, a oferta estava na faixa de R$ 250 milhões. O grupo analisa vender o imóvel e continuar locando a propriedade no longo prazo, no formato “sale and leaseback” (SLB). Avaliações iniciais de fundos partem de um montante mais próximo de R$ 200 milhões, diz fonte.
“Há uma multiplicação de empresas buscando negociação, e em setores em que o ‘sale and leaseback’ não era tão comum. Mas ainda há mais oferta do que capital disponível de investidores”, diz Leandro Bousquet, chefe da área de real estate e sócio da Vinci Partners.
Desde o início do ano, foram anunciadas, ou estão em andamento, negociações que envolvem ativos no montante de até R$ 5,7 bilhões de varejistas e empresas de consumo em geral, calculou o Valor com base nos comunicados de companhias abertas na B3 e executivos a par das transações.
Nesse conjunto de anúncios já feitos, ou em análise, estão empresas como GPA (dona da rede Pão de Açúcar), Carrefour, Assaí, Riachuelo (Guararapes), BRF e São Carlos Participações.
Parte das operações são para reforço de caixa e, por consequência, podem ampliar o foco das empresas no seu “core”, com espaço para melhora operacional e em capital de giro, diz Leandro Berbert, sócio de estratégia e transações da EY Brasil.
“As empresas deram uma esticada forte em suas dívidas na pandemia, com a enxurrada de recursos ofertados na época e Selic a 2% ao ano. A taxa foi a 13,75%, e desde o segundo semestre de 2022, elas fizeram ajustes, cortaram custos, tentaram renegociar condições, mas perceberam que era preciso tomar medidas mais duras, como vender ativos”, afirma Berbert.
Ao se incluir na conta dos R$ 5,7 bilhões as eventuais negociações com ativos da Americanas, em recuperação judicial desde janeiro, a soma pode chegar a R$ 9 bilhões em possíveis transações. A direção da rede mencionou, em abril, potencial para alienação de ativos de R$ 2 bilhões a R$ 3 bilhões, sem incluir imóveis – estes avaliados em soma menor, de R$ 300 milhões.
Em sua maioria, as empresas estão buscando negociações para fortalecimento do caixa após a piora de aspectos financeiros e ou operacionais. Gestores lembram que os grupos precisam seguir limites de dívida, definidos em indicadores (chamados “covenants”) em contratos com bancos. Se ultrapassam esses limites, podem ter 100% de suas dívidas vencidas antecipadamente – e esse fator de pressão cresceu após 2022.
De acordo com Paulo Goldsztein, responsável pela área de novos negócios do fundo de investimento imobiliário SuccesPar Varejo, essa sondagem de empresas a fundos se acelerou após o “evento Americanas”, com bancos travando acesso a linhas de financiamento e renegociações para alongamento de dívidas.
“O banco vira e diz, ‘volta em três meses e tento ver o que posso fazer por você’, mas as coisas não mudam e as empresas precisam reorganizar suas estruturas de capital e otimizar melhor o uso de seus recursos”, diz ele.
Goldsztein e Bousquet concordam em relação à posição mais seletiva dos fundos locais e internacionais (como Brookfield e GIC) nessas negociações, algo que se mantém desde 2022.
“Há um limite saudável de alavancagem para os fundos de investimentos, e os mais ativos estão nesse limite. Acredito que, no segundo semestre, teremos uma demanda caminhando mais próxima do nível de oferta por novos ativos”, disse Bousquet.
Considerando essa situação de alavancagem dos próprios fundos, Giancarlo Nicastro, CEO da consultoria imobiliária SiiLA, reforça que, “se em outras condições, haveria de 10 a 15 empresas interessadas nos imóveis, hoje apenas 3 ou 5 teriam condições de fechar negócio”. Fundos entendem que as empresas se movimentam hoje para trocar juros (Selic) de 13,75% ao ano (na prática, a taxa final chega a 20%) por “sale and leaseback” com custo de 9% a 9,5% ao ano.
No varejo e no atacado, acordos no formato SLB vêm sendo discutidos há vários meses. O comando da rede Assaí já sinalizou a fundos interesse em vender algumas de suas lojas, por meio desse formato, e a análise de venda continua em andamento, apurou o Valor.
A ideia seria partir para esse caminho, assim como analisar possível redução de investimentos em 2024, se não existir sinalização mais clara de queda nos juros, disse o comando da rede na semana passada. O peso da dívida líquida no ebitda da atingiu 2,78 vezes de janeiro a março, frente a 2,20 vezes um ano antes.
Também na semana passada, o executivo Stéphane Maquaire, CEO do Carrefour, dono do Atacadão, disse que a rede “está trabalhando num programa de ‘sales and leaseback’ de alguns ativos, especialmente centro de distribuição, e que isso “está avançando muito rapidamente”.
O Pipeline, site de negócios do Valor, noticiou que há quatro centros em negociação (em Osasco, Porto Alegre, Recife e Salvador), numa operação que pode chegar a um total de R$ 750 milhões.
Ainda no varejo alimentar, o GPA analisa a venda, com posterior locação dos ativos, de 13 lojas, além de sua sede. As unidades devem ser negociadas até o fim do segundo trimestre, e o projeto da sede está previsto para ser fechado no terceiro trimestre. Outro acordo, da venda de uma loja na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, deve ficar para fim do ano, avaliada em R$ 250 milhões.
Considerando todos os projetos, a empresa estima entre R$ 700 milhões e R$ 800 milhões de entrada no caixa – a depender das contrapartidas de interessados, lembram os analistas sobre as projeções das redes.
O comando da BRF disse, em março, que está negociando a venda de sua operação de ração de animais, a venda de granjas não estratégicas, de seus negócios florestais e de créditos fiscais. Sobre o braço de rações, a Nestlé já teria sido sondada por bancos para apresentar proposta (a empresa nega uma negociação). A BRF avaliou o negócio em R$ 2 bilhões, diz uma fonte.
Ao se considerar todos os negócios, a BRF já estimou potencial de arrecadar até R$ 4 bilhões com os desinvestimentos. O intuito é desalavancar balanço (a relação dívida líquida e ebitda estava em 3,75 vezes no fim de 2022, versus 3,11 um ano antes) e focar no que é o forte do grupo.
“Estamos falando de ativos adjacentes, ativos inoperantes […] em que a execução [no processo de venda] se dá relativamente rápido”, disse, em março, Fabio Mariano, diretor financeiro da BRF.
Na Guararapes, do setor têxtil, uma fábrica em Fortaleza parou de operar e a atividade foi centralizada na unidade de Natal, na busca de ganhos de eficiência e para “otimizar a operação fabril”, disse o grupo. Há expectativa no mercado de que o ativo seja vendido ou locado.
No setor imobiliário, a São Carlos Participações mencionou, no balanço de 2022, a necessidade de “reciclar seus ativos” e em valor acima do nível de mercado, e quando estão maduros. E relata que usou capital da venda de imóveis para liquidar financiamentos de curto prazo “a custo elevado” no ano passado.
Mais dois imóveis foram vendidos de janeiro a março, no valor total de R$ 157,5 milhões.
Carlos Pacheco, diretor comercial e de investimentos da consultoria Binswanger, ressalta que empresas mais endividadas podem acabar tendo dificuldade para fechar uma operação de SLB, já que são percebidas pelo mercado como tendo maior risco. Mas essa avaliação varia de ativo a ativo. Nas negociações envolvendo centros de distribuição, ele crê que outras companhias de varejo devem ocupar os espaços. (Colaborou Ana Luiza Tieghi)
Fonte: Valor Econômico