Entrega personalizada, redução do contato físico e aumento da segurança fazem parte da estratégia das companhias
Por Henrique Gomes e João Sorima
Há um ano, com o fechamento do comércio e dos escritórios pela pandemia, a transformação digital foi feita às pressas, para garantir a sobrevivência do negócio. Empresas dos mais diferentes setores e tamanhos tiveram de migrar suas operações, da chefia às vendas, da logística à assistência técnica, para o mundo virtual.
Agora, é o momento de resolver eventuais falhas nos sistemas, aprimorar plataformas e aumentar a segurança. O investimento digital vai desde grandes redes de varejo a hotéis, passando por hospitais.
Segundo a consultoria americana Gartner, os investimentos mundiais em tecnologia da informação (TI) atingirão US$ 3,9 trilhões este ano, alta de 6,2% sobre 2020.
O movimento ocorre tanto em pet shops, como a Petz — que lançou lockers para os clientes retirarem as compras feitas on-line e adotou a teleorientação, do Centro Veterinário de Seres, que é da própria Petz —, quanto em redes de combustíveis, como a Ale — que passou a dar treinamento pelo app de mensagens Telegram e pretende aumentar os investimentos em tecnologia este ano em 120%.
A Petz já vinha integrando canais de venda fisicos e digitais há alguns anos. Mas, no ano passado, a participação dos canais digitais nas vendas chegou a 26% do faturamento, um recorde.
Entre as novidades, a Petz vem instalando a partir deste ano lockers (armários) em uma parte parte das 137 lojas. Funciona assim: o cliente faz o pedido pelo site ou aplicativo e retira na loja, sem fila. Ao chegar, é informado o número do armário onde a conta está armazenada com mínimo de contato físico.
— Agora há um foco na inteligência logística e de clientes, e internamente, no cuidado com o trabalho remoto. Hoje poucas empresas têm essa inteligência de produção e distribuição integradas. Quantas empresas têm dito que está faltando papelão? Com os dados do e-commerce, é possível prever e planejar até questões como esta — afirma o vice-presidente de Strategic Industries da SAP Brasil, Jackson Borges.
É o caso da rede de materiais de construção Telhanorte:
— A onda do ano passado foi fortemente voltada para o e-commerce. Para o futuro, queremos integrar em 100% nossos canais e cadeia de suprimentos — diz Michelle Oliveira, diretora de Logística da Telhanorte.
Personalizar a entrega
A tecnologia também pode melhorar a logística ao permitir que o cliente acompanhe cada passo da entrega em tempo real, assegura Alexandre Thomaz, diretor para o Brasil da Globant, multinacional argentina de tecnologia. Segundo ele, a inteligência artificial pode “aprender” o tempo extra de uma entrega em um condomínio onde a portaria é mais lenta:
— Há o objetivo de melhorar e personalizar a experiência para cada consumidor, um mesmo site pode ser totalmente individualizado.
Na Via Varejo, que congrega marcas como Casas Bahia, Pontofrio e Extra.com.br, a pandemia acelerou a mudança em dois anos. Quando a crise sanitária se instalou, a empresa era menos digital que suas concorrentes e viu o faturamento desabar 84%.
— Na hora que tudo fechou, deu meia hora de pânico — diz o presidente do grupo, Roberto Fulcherberguer.
Mas a empresa conseguiu um salto de 170% no e-commerce com investimentos em tecnologia, como o “Me Chama no Zap”. Os gastos com TI passaram de R$ 253 milhões em 2019 para R$ 307 milhões no ano passado. Em 2021, a Via Varejo diz que o valor será maior, sem dar detalhes.
O diretor digital da Rede D’Or São Luiz, Ariel Dascal, conta que os investimentos em tecnologia, que dobraram em 2020, crescerão 60% este ano, em áreas como telemedicina, prontuário digital, visitas virtuais de parentes e diagnóstico:
— A inteligência artificial é uma ferramenta para auxiliar o doutor em seu processo. Já há casos de usos mais variados, principalmente em diagnóstico por imagem, e estamos muito atentos a isso.
A maior demanda foi sentida também na subsidiária brasileira da SUSE, empresa alemã de software open source, percebeu uma enorme migração de clientes para cloud, principalmente na aceleração dos processos:
— Há claramente uma segunda onda de investimentos na pandemia, com a busca de robustez, resiliência e segurança — afirma Cristiana Maranhão, presidente da Suse no Brasil.
Um dos principais desafios trazidos pela pandemia foi a redução do contato físico. Cláudio Cordeiro, da empresa de tecnologia Totvs, ressalta que o ambiente é desafiador, pois nem todos se recuperaram da queda no faturamento:
— Nesta segunda onda, projetos de tecnologia que tragam potencialização de receitas ou redução de custos estão sendo priorizados.
Um dos clientes da Totvs é o Hotel Toriba, em Campos do Jordão (SP). Mesmo com o baque no turismo provocado pela Covid-19, o hotel registrou melhora nos resultados depois de investir em tecnologias para reduzir riscos de aglomeração no check-in e eliminar papéis. O cardápio, por exemplo, é consultado por QR Code.
— Antes uma reserva era feita em cinco minutos, hoje são 20. As pessoas perguntam se há soluções para evitar contato. Muitos clientes se hospedaram aqui por causa de nossas soluções — diz Vicente Brandão, responsável pela controladoria do hotel.
Evitar o contato físico também é o objetivo da rede de fast-food Burger King. Isso inclui cardápio por QR Code, pagamento por Pix ou mesmo pelas tags eletrônicas de pedágio, no caso do drive thru. E os totens de autoatendimento estão presentes em metade das lojas, contra 20% antes.
A rede, controlada pelo grupo 3G, ainda criou o cargo de chief Marketing Technology officer, ou CMTO, ocupado por Ariel Grunkraut. Sua equipe inclui até cientistas de dados.
Ele será responsável por acelerar a transformação digital, mesclando sua experiência com marketing. Trata-se de uma função inédita em empresas do país, numa área que se tornou uma das mais importantes da operação brasileira.
— Projetos que estavam previstos para os próximos cinco anos foram feitos em cinco meses — diz Grunkraut.
O Pix já foi incorporado em alguns dos novos projetos da UDS Tecnologia. Outros miram áreas que não as de venda, como, por exemplo, soluções para acesso a prédios sem contato físico, conta Rafael Sapata, diretor de Tecnologia:
— Crescemos 65% em 2020 e devemos dobrar este ano. Só não será maior pela falta de profissionais.
Já a multinacional brasileira de tecnologia Stefanini viu um crescimento de 30% em novos projetos desde o terceiro trimestre de 2020. Segundo o presidente da empresa, Marco Stefanini, este será um ano de “grande salto na digitalização das empresas, com projetos estruturantes de longo prazo”.
Outra preocupação que cresce nessa segunda onda digital é a segurança. Esta é a maior preocupação de 44% dos mais de cinco mil diretores executivos de todo o mundo ouvidos em uma pesquisa da consultoria PwC.
— No Brasil, 57% das empresas afirmaram que investirão mais em cibersegurança — diz Eduardo Batista, sócio da PwC Brasil.
Cristiano Lincoln Mattos, presidente da Tempest, empresa de cibersegurança controlada pela Embraer, explica que os investimentos em segurança chegam a setores como educação. Isso se deve ao receio do vazamento de dados de alunos ou fraude no pagamento de mensalidades.
Fonte: O Globo