Transformação digital da empresa francesa de 354 anos incluiu mudar quadro de diretores, que ficou mais jovem. Dono de marcas como Telhanorte e Quartzolit, o grupo francês Saint-Gobain viu seu braço brasileiro mergulhar em um processo de transformação digital nos últimos cinco anos. A companhia, fundada há mais de três séculos, investiu em parcerias com startups e em programas de incentivo ao empreendedorismo interno, entre outras medidas, para mudar o foco da inovação, antes restrita ao “chão de fábrica”. O processo envolveu mudanças profundas na cultura da organização, e parte dos tomadores de decisão foi trocada.
“Sempre tivemos bons números, mas tínhamos poeira nas costas”, afirma o presidente na América Latina, Thierry Fournier, em entrevista ao blog Revoluções Digitais, que estreia hoje no estadão.com.br. Após o que chama de “evangelização” dos 17 mil funcionários no Brasil, hoje não se fala mais em inovação dentro do grupo – é um processo incorporado ao cotidiano. “Quando uma empresa fala ‘preciso de uma estratégia digital’, ela está superatrasada.” Abaixo, trechos da entrevista:
De onde veio a iniciativa para mudar o grupo no Brasil?
Em 2014, fui para o Vale do Silício fazer uma “learning expedition”. Foi um choque. Na volta, chamei a diretora de RH e falei: “Nossa empresa é muito boa, mas é muito antiga. Tem poeira nas costas”. Decidimos lançar um programa de transformação com três pilares: digital, inovação e foco no cliente.
Como mudaram a cultura de inovação da empresa?
Faz sete anos consecutivos que estamos na lista das cem empresas mais inovadoras do mundo, mas nosso processo de inovação era lento. Então lançamos uma transformação simples, com a introdução de ferramentas de inovação, como design thinking. Depois de cinco anos, somos totalmente diferentes. Ninguém mais fala em design thinking, está no nosso dia a dia.
Mas como foi na prática?
Éramos uma empresa pré-histórica no digital em 2015. A primeira coisa foi recrutar uma pessoa diferente do pessoal tradicional da Saint-Gobain, que conhecia tudo de digital, mas nada da empresa. Ela tinha quatro papéis: o primeiro era evangelizar o time. Em três anos, treinou 17 mil funcionários, foi a todas as fábricas para apresentar o que é o digital hoje, qual o papel das redes sociais, coisas básicas. O segundo papel do CDO (chief digital officer) foi explicar as ferramentas digitais que já tínhamos e não usávamos. O terceiro é o mais importante: desenhar a jornada do cliente do ponto de vista digital. Foi difícil. Você pede que duas pessoas do mesmo negócio desenhem a jornada do cliente e você tem duas respostas diferentes. O quarto papel foi implementar as ferramentas de marketing digital para aumentarmos a presença nas redes sociais.
Como funciona o processo de criação dentro da empresa?
Cooperamos com startups, o que é bom, mas o melhor é trazer para dentro da casa o espírito de empreendedorismo. Uma startup tem criatividade, energia, vontade de fazer, agilidade. Por outro lado, uma empresa como a nossa tem recursos, estrutura, processos e ferramentas. A combinação dos dois faz diferença. Montamos um grupo de empreendedores internos e o papel deles é trazer o espírito empreendedor.
Em que ponto da transformação digital vocês estão agora?
Não precisamos mais de um CDO. Todos os negócios estão digitalizados, não têm mais uma estratégia digital. O digital é o meio para implementar a estratégia. Quando uma empresa fala “preciso de uma estratégia digital” ou “eu tenho uma estratégia digital”, ela está superatrasada.
Como deram mais foco para a relação com o cliente final?
Temos 354 anos de história. Fomos criados por Luis XIV, que queria construir o Palácio de Versailles. Ou seja, somos uma empresa de engenheiros, gostamos da produção, da fábrica. Até 15, 20 anos atrás, a inovação era feita no chão de fábrica. Não funciona mais assim. Quem comanda é o cliente final.
A Telhanorte mudou 60% da direção nesse processo. E no grupo como um todo?
Com certeza, temos perfil de liderança diferente daquele de cinco anos atrás. Os diretores são mais jovens.
Quais foram os principais resultados da transformação digital? Nos últimos cinco anos, ultrapassamos o mercado entre três e quatro pontos por ano.
Quais lições o sr. tira do que deu errado?
Não fazer é o pior erro que a gente poderia cometer. Nessa jornada, erramos bastante. Investi R$ 3 milhões em um projeto que não deu certo.
Que conselho o sr. dá para quem está começando a transformação digital?
Escolher as batalhas. Não se pode fazer tudo ao mesmo tempo.
“Éramos uma empresa pré-histórica em 2015. Recrutamos uma pessoa diferente do pessoal tradicional da Saint-Gobain, que conhecia tudo de digital, mas nada da empresa. Em 3 anos, ela ‘evangelizou’ 17 mil funcionários.”
Fonte: Estadão