Por Mariana Barbosa | A marca de chocolates Dengo está na “iminência” de alcançar seu primeiro lucro operacional anual, um resultado que tem um gostinho especial: é a chance de provar a sustentabilidade do modelo de negócio de impacto idealizado há oito anos por Estevan Sartorelli e Guilherme Leal, um dos fundadores da Natura.
No ano passado, os 207 produtores de cacau que venderam para a Dengo embolsaram na média mais do que o dobro do preço por tonelada da commodity — prêmio de 107% pela comprovada qualidade da produção. Isso em um momento de alta histórica, causada por fracas colheitas e temores de escassez global.
A empresa de chocolates que opera no modelo “bean to bar” (do grão à barra) tem como meta, para 2030, atingir a marca de 100% dos produtores de cacau da sua rede vivendo com uma renda digna — conceito que leva em conta o custo de vida local para ter acesso a uma vida decente em termos de alimentação, saúde, moradia, lazer e despesas extraordinárias. No caso do sul da Bahia, onde está a maior parte dos produtores, esse valor foi calculado em R$ 2,8 mil.
No ano passado, 43% dos produtores da rede da Dengo alcançaram uma renda digna, alta de 5 p.p sobre o ano anterior. Além disso, dobrou o número de fazendas lideradas por mulheres, para 31.
O desafio agora é ampliar a base de produtores — no ano passado ela já cresceu 38% — e, ao mesmo tempo, aumentar a produtividade e a renda dos atuais fornecedores.
Para isso, a empresa precisa vender mais chocolate. — Temos o privilégio de nascer num modelo de “design for good” (design para o bem). Nosso crescimento gera impacto positivo. E a gente quer crescer muito para impactar mais produtores e mais comunidades — diz Estevan.
A receita da Dengo cresce 35% ao ano no critério mesmas lojas — mas o crescimento está limitado pela capacidade de produção. Uma nova fábrica de R$ 100 milhões já foi anunciada — a previsão é entrar em operação no início de 2025.
A fábrica vai permitir quadruplicar a capacidade produtiva, destravando um plano de abertura de lojas próprias e também no formato de franquia. Hoje são 38 lojas no Brasil e duas em Paris. A previsão é mais 5 lojas este ano no Brasil e mais duas na França. — Com a nova fábrica podemos abrir mais 20 lojas no ano que vem. E a meta é chegar a 200 até 2030 — diz o co-CEO Tulio Landin.
Além da renda digna, a Dengo também trabalha para reduzir o peso das embalagens. — Hoje compensamos as emissões, mas a gente nem costuma falar que é carbono neutro, pois precisamos de uma estratégia mais ousada de redução — diz Estevan.
As embalagens privilegiam o papel e o pano. Só 8% é plástico. E 30% do portfólio é vendido a granel. Mas reduzir o volume é um desafio, ainda mais considerando que muito do consumo é para presentear.
— Todo negócio vai sempre gerar impacto. Viver impacta. Não podemos vilanizar o consumo. Mas podemos fazer escolhas melhores de consumo. Em um negócio sustentável, o crescimento é necessário, saudável e possível — diz Estevan.
Para conquistar espaço no exigente mercado europeu, não basta apenas ter um produto de qualidade, com cacau de origem, pouco açúcar e sem aditivos químicos. A aposta é justamente o diferencial socio ambiental.
— Nosso modelo de valor compartilhado de transferência de riqueza, com pagamento de preço relevante para o agricultor, está virando referência no mercado internacional. E exportar é uma oportunidade de construção de uma reputação para o cacau brasileiro, como temos com o café — diz Estevan.
O mercado de chocolate amargo representa 11% das vendas no Brasil — mas na Europa já responde por 65% do consumo. — O futuro da categoria mora na saudabilidade e na sustentabilidade. É sobre a nossa saúde, do outro e do planeta — diz ele.
Sobre o preço “pouco acessível” dos produtos Dengo, Estevan relativiza. — Precisamos ressignificar a nossa relação com o chocolate: consumir menos e de melhor qualidade. Só teremos cacau sustentável se houver renda decente para o produtor. O chocolate barato, cheio de açúcar e gordura hidrogenada, precisa incorporar as externalidades —.
Fonte: Globo