Por Helena Benfica e Adriana Mattos | Nos últimos meses, o varejo tem acompanhado com atenção o avanço de sites e aplicativos de apostas esportivas, conhecidos como “bets”. Esse fenômeno levanta preocupações no setor, especialmente porque, para varejistas e empresas de serviço, parte desses gastos está sendo desviado da renda familiar, impactando diretamente o orçamento da população.
A questão é que há percepções diferentes entre as empresas do setor de apostas e as companhias de varejo e serviços em relação aos efeitos do avanço dos jogos on-line no Brasil.
As “bets” acreditam que as redes de varejo crescem abaixo de seu potencial hoje por questões internas, de gestão, e não, especificamente, pelo crescimento dos jogos esportivos digitais.
Na ponta oposta, o entendimento das plataformas é outro.
Frederico Trajano, presidente do Magazine Luiza, disse em um evento, semanas atrás, que as “bets” são um fenômeno novo e que podem ter um impacto no consumo no longo prazo.
Já as redes Assaí e Atacadão entendem que há efeito no setor neste momento, e distribuíram, nos últimos meses, comunicados internos a funcionários alertando para as “armadilhas” dos gastos desenfreados nas plataformas.
Estudo do Instituto Locomotiva revelaram que as classes de renda mais baixa (C, D e E) são as mais afetadas por essa tendência. Além disso, outros levantamentos de consultorias, feitos com consumidores, mostram aumento no comprometimento da renda que iria para aluguel e compra de alimentos com as apostas.
Em serviços, empresas de telefonia relatam dificuldades para ampliar a receita com clientes de planos pré-pagos, que precisam fazer recargas periódicas. As “bets” e essas empresas disputam a renda semanal do trabalhador, que autônomos e pessoas que vivem de “bicos” recebem.
“A ‘bet’ é o principal competidor nesse momento. Não sei o quanto isso será danoso no longo prazo. São pessoas de baixa renda, com dificuldade de manter suas necessidades básicas, apostando de maneira muito simples”, afirmou o presidente da Claro, Paulo César Teixeira, em evento, em junho, segundo o site “Infomoney”.
Trata-se de uma indústria que movimentou no país entre R$ 60 bilhões e R$ 100 bilhões em 2023, e que pode alcançar até R$ 130 bilhões em 2024, aponta um levantamento da Strategy&, consultoria estratégica da PwC.
No entendimento das plataformas, porém, há um exagero nas análises das empresas de consumo e serviços. “Na nossa visão, há um gasto sendo feito, mas muito menor do que essas redes falam, e as pesquisas têm metologias questionáveis”, diz um executivo de uma grande empresa de apostas.
“Além disso, vamos combinar que o varejo está buscando um ‘bode expiatório’ para as dificuldades que algumas redes têm de melhorar os seus resultados. Antes, o problema das varejistas eram os marketplaces asiáticos, como Shopee e Shein, e agora são as bets”, diz um diretor de uma empresas de jogos on-line. Para essa fonte, segundo cálculos internos, faz mais sentido os números do recente estudo do Itaú publicado sobre o tema.
Segundo o relatório da equipe de análise do Itaú, publicado em agosto, cerca de R$ 24 bilhões líquidos foram destinados aos jogos on-line de cassino e apostas esportivas no Brasil em 12 meses, até junho de 2024. Esse dado seria mais crível, na visão das plataformas, porque desconta os prêmios pagos pelas empresas aos usuários
Em julho, uma portaria da Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda passou a exigir que as plataformas de apostas estabelecidas no Brasil identifiquem e classifiquem os riscos dos apostadores, além de comunicar transações suspeitas ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
As regras começam a valer em 1º de janeiro de 2025, quando entra em vigor o mercado regulado de apostas no país.
No entanto, a medida não foi avaliada como suficiente por representantes do setor. A Abras, associação de supermercados, e o IDV, maior instituto do setor, com 70 redes associadas, estão discutindo em reuniões internas o impacto no setor e os efeitos em cada segmento.
O comando da Abras disse que varejistas analisam debater junto ao Congresso Nacional normas mais rígidas envolvendo a regulação, por meio de portarias, da lei das apostas esportivas on-line. Pelo menos, dez portarias já foram publicadas sobre o tema após a regulamentação da lei neste ano, diz um executivo do setor de “bets”.
Há expectativa de que o projeto de lei que define novas regras para os jogos de azar e apostas no país seja votado pelo Senado até setembro deste ano.
Moda: Retomada no radar?
O varejo de moda tem mostrado sinais de recuperação e crescimento em 2024, com as principais varejistas apresentando resultados financeiros positivos e uma gestão de endividamento mais eficiente, destacam analistas.
Na C&A, as receitas acima das expectativas e provisões praticamente em linha com as estimativas na divisão financeira foram os motores para o aumento da rentabilidade de janeiro a junho, destaca relatório do Itaú BBA.
Os analistas do banco destacam que, na divisão de varejo, a melhoria no indicador de vendas nas “mesmas lojas” (com mais de 12 meses em operação) e a expansão da margem levaram a uma margem lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda, da sigla em inglês) de 20,5%.
O bom momento operacional também foi destaque no grupo SBF, dono da Centauro e operador da Nike no Brasil. Segundo analistas do UBS BB, a empresa pode enfrentar uma base de comparação mais alta durante os próximos meses, “mas as margens continuarão a evoluir, apoiadas no aumento de preços, o que permitirá à empresa acelerar sua desalavancagem.
O grupo tem conseguido entregar indicadores melhores, alinhado com as promessas do comando de retomada na rentabilidade e redução do endividamento.
A perspectiva também é positiva para a Lojas Renner, cujo desempenho vem sendo impulsionado por melhores margens, recuperação de números na financeira Realize e bom resultado financeiro neste ano.
Recentemente, a varejista concluiu a entrega do novo centro de distribuição em Cabreúva (SP) e, somado a isso, vem implementando mudanças estruturais na cadeia de suprimentos e logística que devem elevar a capacidade de atender as demandas do cliente nas lojas de forma mais ágil.
Para os analistas do Citi, as novidades são positivas, mas ainda é cedo para saber quais serão os seus impactos nos resultados.
Quem também vem surpreendendo o mercado positivamente é a Guararapes, dona da Riachuelo. Em relatório, a XP destacou a aceleração nas vendas mesmas lojas no segundo trimestre, apesar das condições climáticas desfavoráveis, margem bruta forte no varejo e taxas de inadimplência controladas na Midway, braço financeiro da companhia.
Os analistas destacam ainda que a tendência de desalavancagem deve continuar este ano.
Gestão de aluguel é “pedra no sapato” de shoppings
Os shopping centers seguem dando sinais de manutenção de crescimento neste ano, com vacâncias e inadimplência em queda, mas analistas destacam que ainda há desafios importantes na gestão da política de aluguel do setor.
As empresas do segmento estão apresentando um desempenho operacional saudável, com vacâncias controladas e baixa inadimplência, destaca relatório do Itaú BBA.
As vacâncias consolidadas diminuíram para 4,2%, comparado a 5,5% no segundo trimestre de 2023. Além disso, a inadimplência líquida atingiu território negativo, ficando em – 0,4%, ante 1,8% do ano anterior. Esses indicadores resultaram em menores custos de ocupação para os lojistas de Allos , Iguatemi e Multiplan.
O banco destaca que as vendas nas mesmas lojas estão superando a variação, em percentual, do aluguel pago em lojas com mais de 12 meses em operação pelo terceiro trimestre consecutivo.
Quando a venda das lojas com mais de 12 meses de operação supera o ritmo de alta no aluguel pago no mesmo período, isso indica que o desempenho dos lojistas melhorou, possivelmente pela demanda, o que abre espaço para ganho futuro no aluguel pago.
Pelos contratos em geral, lojistas pagam aluguel como percentual das suas vendas mensais, mas se esse indicador fica abaixo de um patamar, elas pagam um “aluguel mínimo” pré-definido.
Os analistas liderados por Daniel Gasparete destacaram também um aumento anual de 6% nas vendas mensais por metro quadrado, enquanto as receitas de aluguel subiram apenas 1%.
Apesar dos indicadores operacionais positivos, os desafios para aumentar os aluguéis devem persistir nos próximos trimestres, devido ao impacto negativo do IGP-DI, o principal índice de reajuste do setor
O momento desafiador para os aluguéis ainda não refletiu do endividamento das empresas até o momento.
A relação dívida líquida/Ebitda diminuiu em relação ao ano anterior para todas as administradoras, estando atualmente em 1,4 vezes, na Multiplan, 1,5 vezes na Allos e 2,1 vezes na Iguatemi.
Diante desse cenário, as administradoras estão buscando aumentar suas receitas em outras áreas, como na comercialização de terrenos, destaca o BBA.
Fonte: Valor Econômico