Só este ano, 947 empresas migraram. Varejistas e hotéis são a maioria. Ele chega aos 21 anos pouco conhecido, mas robusto. O mercado livre de energia no Brasil — no qual o consumidor escolhe de quem compra e pode negociar preço e duração do contrato — vive um momento de forte expansão ao entrar na idade adulta. Com tarifas cerca de 20% mais baixas que no mercado cativo — em que se é obrigado a comprar da distribuidora local —, ele vem atraindo cada vez mais empresas, principalmente dos setores de comércio e serviços, que buscam cortar custos em plena recessão.
Nos primeiros sete meses do ano, foram 947 adesões, ante 37 em igual período em 2015. Dos novos clientes, 89% eram de varejo e serviços, como shoppings, supermercados e hotéis, além de indústrias de pequeno e médio portes. Há ainda 1.509 pedidos de migração em andamento na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), órgão que faz a liquidação financeira dos contratos de compra e de venda no mercado livre.
Esse mercado sempre foi uma opção para grandes indústrias de segmentos intensivos em energia, como metalurgia e mineração, para as quais qualquer economia com eletricidade significa uma poupança de milhares de reais. São os chamados grandes consumidores, com contratos de compra de energia acima de 3 mil quilowatts (kW), o que significa uma conta de luz de R$ 300 mil a R$ 500 mil mensais.
Governo quer ampliar acesso
A nova onda de consumidores é caracterizada por um perfil de consumo de energia menor. São os chamados consumidores especiais, com contratos de 500 quilowatts (kW) a 3 mil kW, uma fatura de R$ 60 mil a R$ 300 mil mensais. Esses clientes representam 92% dos pedidos pendentes na CCEE. E, pela legislação, para migrar para o mercado livre, precisam comprar de fontes limpas de energia, como biomassa, solar, eólica e Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs).
“São empresários que buscam cortar custos em plena recessão e encontraram no mercado livre uma opção. Não é gente que saiu desse mercado, quando as tarifas bateram mais de R$ 800 por MWh (megawatt-hora) em 2014, e que está voltando agora. São novos entrantes”, disse Reinaldo Ribas, gerente de gestão de clientes da Delta Energia, comercializadora que atua nesse mercado.
O movimento de migração para o mercado livre pode aumentar ainda mais. O governo federal planeja liberar todas as indústrias, inclusive as que consomem menos de 500 kW, para mudarem, se assim quiserem, para este segmento. O ministro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC), Marcos Pereira, propôs a criação de um grupo de trabalho, em conjunto com o Ministério de Minas e Energia, para analisar como ampliar o acesso da indústria.
Segundo o ministério, a medida pode permitir a maior inclusão de pequenas e médias indústrias nesse mercado. “Representaria a redução de custos na aquisição de energia, um dos fatores essenciais ao estímulo à recuperação da atividade industrial”, informou o ministério, em nota.
O presidente da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel), Reginaldo Medeiros, destacou que a liberação do mercado livre para todas as indústrias contribuirá para a retomada da economia e geração de empregos: “é a melhor forma de reativar a atividade industrial, gerando empregos, sem custos ao governo. O mercado livre é tendência mundial e, hoje, 60% do Produto Interno Bruto (PIB) industrial do país estão nesse mercado”.
O maior motor do recente movimento de migração é o preço: enquanto as tarifas subiram, em média, 50% no mercado cativo em 2015, a recessão econômica resultou em sobra de energia no mercado livre, o que derrubou a cotação. Uma empresa que contratou energia no mercado livre em janeiro de 2015 para assegurar o fornecimento ao longo de 2016 pagou R$ 350 por megawatt-hora (MWh), segundo a Delta Energia. Se tivesse feito o contrato um ano depois, para o mesmo prazo de fornecimento, teria pago R$ 100 por MWh, queda de 70%.
Mudanças na legislação que entraram em vigor em fevereiro também são um fator que impulsiona a migração. As alterações baratearam a troca do medidor de energia, que atende a critérios diferentes nos mercados cativo e livre. A troca saía por cerca de R$ 50 mil. Após as mudanças legais, o investimento está na faixa de R$ 20 mil.
Inaugurado em dezembro de 2013, o Shopping Metropolitano, na Barra da Tijuca, é um dos que estão abandonando o mercado cativo para ingressar no livre. Com demanda contratada mensal de 2 mil MW médios, a decisão de migrar foi tomada em abril deste ano. O gerente de operações do shopping, Henrique Casagrande, espera ter economia de 21%: “desde que o shopping foi construído, contemplamos a possibilidade de migrarmos para o mercado livre, pois outros empreendimentos do grupo já atuam nesse mercado. Só não partimos de imediato porque queríamos avaliar o consumo efetivo de energia”.
Empresas poderão fazer “pool”
No segundo semestre, será criada a figura da comercializadora varejista. Estas empresas poderão reunir pequenos clientes em um pool, de modo que, juntos, alcancem o patamar mínimo de consumo de 500 kW para ingressar no mercado livre.
Para que isso ocorra, os diversos clientes precisam ter o mesmo CNPJ, como filiais de uma empresa ou uma rede de agências bancárias, ou estarem localizados em uma mesma área, sem que esta seja cortada por vias públicas. Caso de um condomínio industrial, por exemplo.
“É uma oportunidade que se abre para mais empresas”, diz Cristopher Vlavianos, presidente da comercializadora Comerc.
Professor de Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador do Grupo de Economia de Energia, Luciano Losekann ressaltou que é preciso ter cuidado com os riscos do mercado livre, apesar de ser a favor de sua ampliação. O professor alerta que um dos riscos é que, sem contratos de longo prazo, haja um desestímulo a investimentos na expansão do sistema. Os consumidores também ficam sujeitos às variações de preços das tarifas no mercado livre, que oscilam conforme a oferta e demanda.
“No Reino Unido, onde o mercado é livre há muitos anos, tiveram problemas recentes for falta de investimentos na expansão do sistema. O mercado cativo dá mais segurança para os investimentos, assegurando a expansão do sistema. O consumidor fica mais protegido no mercado cativo. Se um contrato no mercado livre, mesmo que seja de cinco anos, vencer justamente numa época de preços elevados da energia, como foi na seca de 2014, ele pagará muito caro. Para o consumidor residencial é mais vantajoso ficar no mercado regulado”, destacou o professor.
Fonte: Época Negócios