Por Fátima Fernandes | Se os lojistas tivessem uma bola de cristal capaz de dar uma direção para os negócios em 2024, certamente eles a estariam usando neste final de ano.
Quando as condições macroeconômicas indicavam, no início do ano, que as vendas no varejo poderiam decolar, a surpresa foi negativa, especialmente a partir de outubro.
Neste que seria o melhor mês de vendas do ano, pelo menos até agora, os comerciantes afirmam que sequer sentiram a proximidade do Natal.
Diante deste cenário, o que o varejo pode esperar para o ano que vem? A pergunta foi feita para o economista Fábio Pina, consultor econômico da FecomercioSP.
De cara, ele confessa que gostaria de falar com bem mais precisão o que vem por aí em 2024.
Mas, diante de mudanças tão radicais e rápidas do comportamento do consumidor, potencializadas pela pandemia, o que dá para traçar, diz, é um cenário provável.
Para ele, os lojistas deverão encarar um consumidor ainda muito endividado, uma economia morna, com taxa de juros e inflação um pouco menores do que as deste ano.
A diminuição do endividamento, diz, deverá estar entre as prioridades dos consumidores, em vez de contrair mais e mais dívidas, assim como um direcionamento para produtos básicos.
“Em um cenário previsto de desaceleração da economia, tudo indica que o setor de supermercados, por exemplo, deve sofrer menos e os de veículos e eletroeletrônicos, mais.”
Veja a seguir os principais trechos da entrevista com o economista Fábio Pina.
IMPACTOS DA PANDEMIA
A pandemia desencadeou impactos transitórios e permanentes.
Nos transitórios, houve queda de consumo das famílias e os governos daqui e de fora criaram mecanismos para auxiliar as empresas e os consumidores.
Um dos setores que mais sofreram num primeiro momento foi o de serviços. Supermercados e empresas de material de construção se beneficiaram com a política do “fica em casa”.
Nos permanentes, o home office se manteve para uma parte dos trabalhadores, que se aproveitam de tecnologias para executar o trabalho e participar de reuniões.
Assim como o trabalho híbrido, o consumidor também passou a ser híbrido, o que tem deixado os comerciantes perplexos.
E-COMMERCE
Os lojistas sabem que não dá para deixar o comércio eletrônico de lado. Os espaços de vendas em lojas físicas ou têm de ser reduzidos ou usados de outra maneira.
Essa mudança está acontecendo em alguns setores mais e em outros de forma mais gradativa. Os pequenos e médios estão indo para marketplaces e competindo com milhares de empresas.
As novas gerações serão mais complicadas de enfrentar porque a mudança de hábitos dos jovens foi mais radical. Eles não querem carro, por exemplo.
Muitas lojas, como aquelas que vendiam discos de vinil e fitas cassetes, devem sumir do mercado. Alguns produtos deverão ser somente comprados pela internet.
As bebidas vendidas nos supermercados, por exemplo, ocupam um grande espaço. Não seria mais conveniente comprar pela internet e receber em casa os produtos mais pesados?
A partir do momento que alguns produtos passam a ser vendidos somente pela internet, muda o mix de produtos e as áreas nas lojas físicas.
Na verdade, todas essas mudanças que estavam previstas para ocorrer em dez anos deverão ocorrer em dois, três anos.
A velocidade de crescimento das vendas pelo canal remoto foi maior do que se imaginava.
A direção é essa. Não vejo crianças e jovens de hoje terem o mesmo comportamento que se tinha no passado.
ECONOMIA
2024 deve crescer menos do que neste ano porque o emprego e o rendimento não devem crescer como neste ano.
O país entrou em 2023 com inércia positiva. Em 2024, deve entrar com inércia negativa. O comércio em São Paulo deve crescer de 2% a 3% neste ano e de zero a 2% em 2024.
Quando a economia acelera, tradicionalmente, as vendas de automóveis, eletroeletrônicos são proporcionalmente maiores.
Em momento de desaceleração, que deve acontecer no ano que vem, há mais cuidado nas compras de bens mais caros e uma compensação com a compra de produtos básicos.
Em 2024, a situação deverá ser menos preocupante para os supermercados e para quem vende produtos essenciais e mais preocupantes para os setores de eletroeletrônicos e de veículos.
A taxa básica de juros, a Selic, não deve cair muito porque o Brasil tem uma dívida pública monstruosa.
Se há um governo que gasta, correndo o risco de um descontrole fiscal, não há espaço para a redução de juros.
O PIB (Produto Interno Bruto) deve crescer cerca de 2,5% este ano e de 1% a 1,5% no ano que vem.
A sorte do Brasil é que recebeu R$ 35 bilhões de investimento direto e alcançou R$ 100 bilhões de superávit comercial, e isso segurou a taxa de câmbio e o combate à inflação.
CONSUMIDOR
Quitar dívidas e não fazer novas deverão ser prioridades dos consumidores, com uma economia mais fraca, comportamento parecido com os de 2016 e 2017.
O varejista precisa ser cauteloso e acompanhar muito de perto o comportamento do cliente, principalmente por dois motivos.
É preciso entender o que mudou por questões de tecnologia e por questões macroeconômicas.
Como o emprego não deve crescer, o consumidor deve ter um comportamento mais cuidadoso em relação aos gastos.
A esperança é que 2024 seja um ano de ajustes tanto das finanças das famílias quanto das finanças do governo para que 2025 seja de fato um ano de maior crescimento.
Fonte: Diário do Comércio