Seis meses depois do início da quarentena que deixou famílias em casa, as grandes varejistas estão numa corrida acelerada para transformar em costume permanente o hábito adquirido durante a pandemia: comprar na internet.
Para fazer com que o consumidor troque o prazer de ver e tocar um produto dentro de uma loja por um desfile virtual pela tela do celular, as empresas tentam resolver o gargalo mais antigo do setor: o tempo de entrega de seus produtos.
O comércio digital, que crescia a taxas próximas de 20% ao ano, registrou um avanço de 56,8% entre janeiro e agosto — período que inclui a fase crítica da pandemia — na comparação com o mesmo período de 2019.
Alguns segmentos de produtos saltaram 150%, observa Carlos Coutinho, sócio da consultoria PwC. Esses são os novos clientes que as empresas querem fidelizar. E elas já entenderam: quem entrega mais rápido, vende mais.
A estratégia para manter a atual carteira de clientes envolve desde o uso de lojas físicas, como pequenos centros de distribuição, até contratos específicos com transportadoras e start-ups especializadas em calcular como encurtar o espaço entre o clique da compra e a entrega do produto na porta do consumidor.
A briga no país é disputada por gigantes como Magazine Luiza, Mercado Livre, Via Varejo, B2W e ficou ainda mais acirrada com a expansão das atividades por aqui da americana Amazon, uma potência global nas vendas on-line.
Pesquisa inédita feita pela FGV com 592 dirigentes varejistas para o Global Retail Show afirma que 70,5% dos entrevistados acredita que os ecossistemas de negócios como Amazon e Alibaba terão presença mais forte no Brasil.
Prazos ainda longos
O desafio de garantir uma entrega rápida e eficiente é gigante, considerando as dimensões do país. No auge da pandemia, por exemplo, esses prazos aumentaram. Segundo a consultoria Nielsen, em março a espera era de 10,1 dias, em média. Em junho, esse índice foi de 11,8 dias.
— Um dos sacrifícios do consumidor quando compra bens tangíveis por meios digitais é retardar o uso, por horas ou semanas, a depender de onde comprou. Isso é um fator de frustração, e as empresas estão preocupadas com isso — destaca Silvio Laban, professor do Insper.
O Mercado Livre, uma das maiores plataformas de comércio digital do país, tem acordo com 70 transportadoras e ampliou sua rede de centros de distribuição: são dois em São Paulo e um na Bahia, todos alugados. Até dezembro, mais um será aberto, na Região Sul do país.
— Temos controle de toda a operação, sem a compra dos ativos. Hoje, 95% das mercadorias vendidas pela plataforma passam pela nossa malha logística de alguma forma. Já somos os responsáveis por mais da metade das entregas, o que reduz o prazo — diz Leandro Bassoi, do Mercado Envios, divisão de logística da empresa.
Atualmente, 75% dos pedidos feitos na modalidade em que o Mercado Livre faz a gestão da entrega chegam aos clientes em até dois dias. Antes da pandemia, essa fatia era de 55%.
Pequenos centros
O Magazine Luiza chegou à pandemia como uma das operações digitais mais avançadas do setor. O e-commerce chegou a representar 98% das vendas no momento mais agudo da crise sanitária.
A rede usa suas lojas como pequenos centros de distribuição. Além disso, aluga 17 galpões espalhados pelo país.
Segundo o Magalu, 64% das compras diretas são entregues em até dois dias. E 35% chegam em 24 horas, como as da capital paulista.
De acordo com Julio Trajano, diretor comercial de e-commerce da marca, os prazos não sofreram alteração durante a pandemia. Isso foi possível graças a uma rede que conecta mais de dois mil transportadores parceiros.
A B2W, dona dos sites Submarino, Shoptime e Americanas.com, vai aumentar a rede de 17 centros de distribuição para 20 até dezembro, de acordo com Jean Lessa, diretor de tecnologia e marketplace da empresa.
A B2W ainda conta com 200 locais de apoio, chamados de mini-hubs e mais de 1.700 lojas físicas no país. Tudo isso, diz Lessa, dá capilaridade e rapidez ao serviço de entrega da companhia.
— A demanda por entregas rápidas não é de hoje, mas a pandemia acelerou essa necessidade. No ano passado, compramos duas plataformas digitais para agregar modais de distribuição. Hoje, fazemos entregas até de moto e bicicleta por meio de parceiros conectados ao sistema — diz Lessa, lembrando que 30% das entregas são feitas em 24h.
Na Via Varejo, dona das Casas Bahia e Ponto Frio, a pandemia acelerou em um ano o planejamento de e-commerce.
Para reduzir os prazos de entrega, que aumentaram durante a crise sanitária, a empresa tem usado cerca de 500 lojas como pontos de distribuição complementares à sua rede de 26 centros.
— Isso tem economizado de um a três dias de prazo, a depender do produto e da região — diz Sérgio Leme, vice-presidente de Operações da rede.
As entregas em 24h já respondem por 25% a 30% dos pedidos na Via Varejo. O objetivo agora, segundo Leme, é chegar em 40% até 2021.
Jorge Junqueira, sócio da gestora de recursos Gauss Capital, lembra que a Amazon tem sido cada vez mais agressiva nos EUA quando o assunto é tempo de entrega. Em alguns lugares, esse prazo já é de até uma hora.
— Era algo esperado essa ampliação da Amazon, e deve continuar. Isso cria uma pressão para que outras empresas avançadas, como Magazine Luiza e B2W, avancem ainda mais. Como o mercado digital tende a crescer, não deve haver canibalização — diz Henrique Esteter, analista da Guide Investimentos.
Procurada, a Amazon não quis se manifestar.
Fonte: O Globo