Antes tido como uma ameaça mortal, o e-commerce está aos poucos se tornando uma oportunidade para os shopping centers brasileiros. As principais redes do Brasil estão montando seus próprios marketplaces e azeitando a logística para incentivar seus lojistas a fazerem o que antes era desprezado: vender on-line.
Nessa nova estratégia, os shoppings estão alavancando um de seus principais ativos: sua localização privilegiada, que permite a eles saírem à frente na corrida das entregas rápidas. Além dos arranjos logísticos que estão sendo colocados em prática agora, alguns shoppings acham que a diminuição do fluxo dos estacionamentos (por conta do transporte compartilhado) permitirá transformar os espaços vagos em armazéns e locá-los para grandes empresas em médio e longo prazos.
Um dos primeiros empreendedores a tentarem transformar o “problema” que o e-commerce criava para os shoppings em oportunidade foi Andreas Blazoudakis, um dos fundadores do iFood. A solução de Andreas foi o Delivery Center, uma plataforma de entregas que tem como ponto de partida os shopping centers e garante entregas para o mesmo dia na região em torno do empreendimento, a chamada “zona primária”, no jargão do setor.
Lançada em novembro de 2016, a operação ganhou força neste ano quando a BR Malls, a maior rede de shopping centers do Brasil, comprou 45% da startup. Mais do que o valor da aquisição, a BR Malls permitirá que o Delivery Center abra operações em seus mais de 40 shoppings.
Até agora, apenas quatro shoppings da BR Malls e outros 11 empreendimentos de outras redes estão integrados à plataforma, que só opera em Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo. O Delivery Center deve faturar R$ 4 milhões em dezembro, e espera adicionar um shopping por semana em 2019.
A plataforma começa fisgando os clientes pela boca: integra inicialmente as praças de alimentação e, em seguida, amplia a oferta de produtos e serviços disponíveis na venda on-line. “A Amazon comprou o Whole Foods por quê? É um tíquete médio baixo, mas com alta recorrência”, diz Andreas. “A comida é a chave, a porta de entrada.”
Integrado ao iFood e a outros marketplaces, o Delivery Center também tem seu próprio aplicativo, o “DTudo”. A plataforma cobra uma taxa de 20% para fazer todo o serviço de cadastrar os produtos, vender on-line, contratar a logística e entregar na casa do consumidor. A taxa sai da margem do lojista, e o consumidor final paga o mesmo preço que pagaria se fosse até o shopping.
Metade da taxa é destinada a cobrir os custos com entrega: o Delivery Center opera com uma frota própria de cerca de 40 motoboys por shopping, conseguindo que cerca de 80% das entregas sejam feitas em menos de 40 minutos.
No Shopping Tijuca, um dos primeiros da BR Malls a ser integrado à plataforma, a receita dos restaurantes já aumentou 17%. Para os analistas do Bradesco BBI, o Delivery Center pode aumentar a receita da BR Malls em 10% nos próximos quatro anos. “Acreditamos que o Delivery Center pode ser maior que o iFood”, escreveu a equipe liderada por Luiz Mauricio Garcia, num relatório otimista.
Desde sempre, o principal desafio dos shoppings no e-commerce era conseguir monitorar o estoque dos lojistas, para saber qual mercadoria está disponível em cada uma das lojas. O Delivery Center resolve isso de três formas.
Na versão mais básica, o consumidor entra na vitrine virtual de uma loja e checa, on-line, se determinado produto está disponível. Numa integração um pouco mais avançada, uma parte do estoque é cadastrada na plataforma e fica “travada” apenas para a oferta on-line. Já a terceira integração — considerada ideal — consiste no monitoramento em tempo real dos estoques on-line e físico. Das 1.000 lojas cadastradas na Delivery Center, por enquanto, apenas 10 estão integradas assim, mas a ideia é chegar a 100%.
Na JHSF, o e-commerce do Shopping Cidade Jardim, em São Paulo, já conta com a integração total dos estoques. Ela foi possível graças a uma ferramenta de auditoria eletrônica implementada anos antes para monitorar as vendas das lojas e evitar fraudes na cobrança do aluguel variável, que é atrelado à receita do lojista.
Voltado para o público de altíssima renda, o Cidade Jardim On-line faz entregas no mesmo dia para pedidos feitos até as 14h na cidade de São Paulo. Há pouco mais de 60 dias no ar, o site já comemora alguns resultados. O pré-lançamento da marca italiana de sapatos Aquazurra – que ainda não tinha loja no Brasil – foi feito três semanas antes de a loja ser inaugurada, na plataforma on-line. “Quando a loja abriu, a meta do primeiro mês de venda já tinha sido batida”, diz Thiago Alonso de Oliveira, CEO da JHSF.
O próximo shopping da empresa – que vai abrir em São Paulo no ano que vem – será todo voltado para a experiência omnichannel. “O cliente pode ir até a loja ver se a roupa serve e depois pedir de outra cor, para entrega em casa no mesmo dia, ou pedir a entrega diretamente a partir do site”, diz Thiago.
Com os shoppings testando os novos modelos de venda, a dúvida é se um sucesso retumbante no e-commerce pode acabar canibalizando o negócio, ameaçando o tráfego nas lojas. Para Ruy Kameyama, CEO da BR Malls, a preocupação não tem base. “Apenas 25% do fluxo dos shoppings tem como origem apenas a intenção de compra de algum item específico”, diz. Os outros 75%, afirma, dizem respeito à oferta de serviços, como restaurantes e cinemas.
Fonte: Correio Braziliense