Por Carlos Sambrana e Moacir Drska | A fusão entre Arezzo&Co e o grupo Soma, noticiada em primeira mão pelo NeoFeed, acaba de ser concluída. Em fato relevante, as empresas anunciaram que chegaram em um acordo e selaram a união entre as partes criando um mamute da moda nunca visto no mercado brasileiro, pois alia escala com marcas premium voltadas a um público consumidor que é menos afetado por ciclos econômicos.
São 34 marcas, quase 22 mil funcionários, mais de 2 mil lojas – das quais mais de 70% são franquias – e presença em 21 mil lojas multimarcas em todo o país. Juntos, os grupos terão um faturamento superior a R$ 12 bilhões. Grifes como Arezzo, Reserva, Hering, Farm, Animale e outras onipresentes em todos os centros de compras do país farão parte do portfólio.
O sonho de ter uma house of brands, muitas vezes tentado por outros players, se tornou realidade pelas mãos de Alexandre Birman, o CEO e controlador da Arezzo&Co. Agora, ele liderará a nova companhia, na qual o grupo Arezzo terá 54% e o Soma, liderado por Roberto Jatahy, os 46% restantes. Anderson Birman, pai de Alexandre, construiu uma potência dos calçados. Seu herdeiro, agora, eleva a companhia para outro patamar.
Pelo acordo, Jatahy Gonçalves será CEO da business unit de vestuário feminino. Rony Meisler permanecerá como CEO da business unit AR&Co e Thiago Hering continuará como CEO da business unit Hering. Uma consultoria será contratada para definir o nome do novo grupo que acaba de nascer.
A XP Investimentos atuou como assessor financeiro das duas empresas. O Itaú BBA e o Bank of America atuaram como assessores financeiros da Arezzo&Co. O J.P. Morgan atuou como assessor financeiro do Grupo Soma e a G5 Partners atuou como assessor financeiro dos Acionistas de Referência do Grupo Soma.
As negociações para a fusão entre Arezzo e Soma
Tornar isso realidade não foi uma tarefa simples. No início de 2021, a Arezzo&Co fez uma ofensiva para comprar a Hering, tinha todo o plano traçado e um amplo estudo de sinergias. Mas, ao saber do deal, Jatahy e o Soma atravessaram o caminho da empresa de Birman e compraram a Hering por R$ 5,1 bilhões – R$ 1,8 bilhão a mais do que a Arezzo&Co havia oferecido.
Isso gerou um enorme desconforto entre as duas companhias e muitas trocas de farpas nos bastidores. No fim daquele mesmo ano de 2021, Birman voltou à carga, mas dessa vez tentando comprar o Soma. Mas não teve sucesso na empreitada. Novamente, executivos dos dois lados trocaram “afagos” nos bastidores.
Desta vez, as conversas para que Arezzo&Co e Soma se unissem foram iniciadas no Réveillon, no condomínio Laranjeiras, em Paraty, no Rio de Janeiro. Birman e Jatahy se encontraram na ocasião e voltaram a trabalhar com a possibilidade. Depois da virada do ano, outros contatos foram feitos e no dia 25 de janeiro, em uma reunião no Copacabana Palace, Birman e seus executivos se encontraram com Jatahy e equipe.
Depois disso, Birman e Jatahy ainda se encontraram no sábado, 27 de janeiro, e selaram o negócio. Mas era preciso convencer os conselhos de administração de cada companhia sobre o racional do negócio. Juntos, os grupos alegam que terão sinergias de R$ 4,5 bilhões. Alguns analistas apontam que é metade disso.
Na segunda-feira, 29 de janeiro, os conselhos de administração das duas companhias foram comunicados. Os acionistas da Arezzo&Co aprovaram o deal, mas acionistas do Soma ficaram reticentes sobre a junção das duas companhias. O NeoFeed apurou que, a partir daquele momento, as conversas seriam retomadas depois do Carnaval.
Na quarta-feira, 31 de janeiro, quando o NeoFeed descobriu sobre as conversas e publicou que uma fusão era eminente, as ações das duas empresas dispararam na bolsa. Tanto Arezzo, que subiu 12,38%, como Soma, que saltou 17,55%, foram obrigadas a soltar fatos relevantes confirmando que estavam em conversas avançadas.
O fato acelerou a necessidade de avançar nas conversas e Jatahy, que estava em São Paulo, voltou ao Rio de Janeiro, sede do Soma, para conversar com o conselho de administração. Escutou que precisaria de uma opinião isenta sobre os méritos da transação. O J.P. Morgan foi chamado para o trabalho. As tratativas se estenderam até o domingo, 4 de fevereiro, quando fecharam, de vez, o negócio.
Na visão de um grande empresário do setor de moda, a tese do negócio é, sem dúvida, muito boa. “A Arezzo sai como consolidadora e o Soma teve sua boia de salvação”, diz ele. Esta mesma fonte diz que o Soma havia contratado bancos para encontrar compradores, pois tem dívida alta e seu lucro é baseado em incentivos fiscais.
Os próximos passos da Arezzo&Co e Soma
A Arezzo só vai ter a real dimensão de como está a companhia depois que tiver autorização unir as operações. Com a fusão sacramentada, o próximo passo de Arezzo e Soma é buscar a aprovação da operação pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
Para especialistas consultados pelo NeoFeed, a princípio, as perspectivas são de uma aprovação sem grandes sobressaltos. Mas cujo sinal verde pode não ser dado no curto prazo, em função do porte da transação e dos players envolvidos.
“O Cade vai se debruçar nessa análise, até pelo tamanho das empresas envolvidas. Mas é difícil não aprovar”, diz Helder Fonseca, sócio sênior do GVM Advogados. “E não me parece que tenha a adoção de algum remédio, mas, caso isso aconteça, não seria nada tão drástico dada a diversidade dos portfólios.”
Caso o órgão siga essa segunda orientação, uma possibilidade mais remota, Fonseca aponta que a abordagem deve ser semelhante a que foi adotada na fusão entre Localiza e Unidas, com a venda ou fatiamento de algumas marcas ou linhas de produtos.
José Del Chiaro, fundador da advocacia José Del Chiaro, enxerga um ponto de atenção. “Se o Cade fizer uma análise mais detida e estratificada, da participação somada em cada categoria e segmento, pode haver alguma implicação”, observa. “Porque eu não sei eles chegaram a ser monopolistas, mas vai ser muito difícil surgir um concorrente para enfrentá-los.”
Superada essa fase no âmbito do Cade, o próximo passo é fazer essa máquina funcionar de forma azeitada. Para os analistas ouvidos pelo NeoFeed, assim como a diversidade das marcas e categorias no guarda-chuva da operação combinada, há uma série de vantagens potenciais a serem capturadas. A começar pelas mais óbvias.
Essa primeira prateleira inclui os benefícios do compartilhamento e racionalização de estruturas no back office, o que envolve desde finanças, RH, tecnologia até o uso do parque de fábricas da Hering para outras operações, relacionamento com shopping centers e distribuição.
“A categoria com benefícios mais imediato é a de calçados, onde a capacidade de sourcing, desenvolvimento, produção e distribuição da Arezzo é enorme”, diz o consultor Alberto Serrentino. “Eles fizeram isso com a Reserva e o mesmo percurso poderia ser trilhado para os calçados do portfólio do Soma.”
Além do back office, há, literalmente, outras fronteiras a serem exploradas. Entre elas, a frente de internacionalização onde a Arezzo vem acelerando o passo com marcas como a Schutz. E o Soma, por sua vez, na pegada da Farm.
“Há uma sinergia enorme de aprendizados de gestão dessas estratégias em uma eventual combinação”, afirma Eduardo Terra, presidente da Sociedade Brasileiro de Varejo e Consumo (SBVC). “Essa avenida de internacionalização conjunta é um dos grandes upsides dessa operação.”
Em contrapartida, esse trajeto combinado também carrega, claro, suas interrogações. Uma dessas questões é justamente o processo de integração, já complexo por si só. E que, no caso de operações dessa magnitude, ganham contornos ainda mais desafiadores no que diz respeito à execução.
O desafio das culturas
Dentro dessa história a ser escrita, um capítulo, porém, é apontado como o que deve demandar mais atenção: a integração de culturas, aliada a questões como governança, estabelecimento das lideranças, cronograma de integração e a definição do que será mantido independente.
“Nesse caso, existe um desafio adicional porque ambos os grupos ainda estão integrando grandes M&As que fizeram anteriormente”, diz Serrentino, referindo-se à aquisição da Hering pela Soma e à compra da Reserva pela Arezzo. “Nos dois casos, ainda há um trabalho a ser feito.”
Embora não ignore esse desafio, Terra, da SBVC, faz um contraponto. Em sua visão, a experiência adquirida nesses processos pode facilitar a integração das duas operações e encurtar o caminho para a captura de sinergias.
Ele cita, por exemplo, o fato de tanto a Arezzo como o Grupo Soma terem adotado a estratégia de, nessas integrações, compartilharem o back office e, ao mesmo tempo, manterem a independência criativa de cada marca, bem como a gestão dessas bandeiras.
“São culturas muito diferentes, mas os dois grupos tiveram experiências semelhantes e bem-sucedidas até aqui. E aprenderam com isso, se preparando para uma fusão maior”, afirma Terra. “O fato é que, a princípio, 90% dos fatores hoje jogam a favor da fusão, contra apenas 10% de riscos.” Cabe, agora, aos dois líderes, Birman e Jatahy, trabalharem uma questão fundamental: a disputa de egos.
Talvez um dos casos mais bem-sucedidos de fusão que se tem notícia é o dos bancos Itaú e Unibanco. Em novembro de 2008, o Itaú, que tinha Roberto Setubal como presidente, e o Unibanco, que era comandado por Pedro Moreira Salles, entraram em um acordo que fez do Itaú Unibanco o maior banco privado do Brasil.
Isso, entretanto, não aconteceu da noite para o dia. As conversas para a fusão do Itaú com o Unibanco foram iniciadas em 2000. Na época, segundo depoimentos de Israel Vainboim, que foi conselheiro do Unibanco, o negócio não foi adiante porque Moreira Salles ainda se sentia desconfortável com Roberto Setubal na presidência. Afinal, cada um era presidente em seus respectivos bancos. Foi discutido até se os dois poderiam ser copresidentes executivos. Mas não foi adiante.
O negócio voltou a esquentar novamente depois de quase uma década. Moreira Salles se convenceu de que o deal só sairia se houvesse apenas um presidente no comando. A crise de 2008 também ajudou a acelerar a união gerando um banco mais forte. E o caminho encontrado foi Setubal no comando executivo e Moreira Salles na presidência do conselho. A preservação dos nomes dos bancos também foi fundamental no processo.
Mas foi preciso alinhar os processos e criar uma nova cultura. E que permanece em constante evolução. Hoje, Setubal e Moreira Salles são copresidentes do conselho de administração e o executivo Milton Maluhy Filho é o presidente-executivo. Em recente entrevista ao NeoFeed, Maluhy Filho falou sobre o que permitiu a evolução da cultura no Itaú.
“O passo número um foi o apoio do conselho. Parte do que fizemos foi desconstruir o que os próprios Pedro, Roberto e Cândido (Bracher, ex-presidente do Itaú) tinham construído. E nunca recebi uma ligação do tipo, ‘eu que fiz isso, não deveria mexer’. Sempre foram conselhos com olhar prospectivo, nunca de defesa de propriedade intelectual. E isso é incrível.” Um caso que pode servir de inspiração para Birman e Jatahy.
Fonte: Neofeed