Quando contou a consultores sobre a ideia de criar um sistema para os fornecedores terem acesso a dados como vendas e estoques de suas lojas, Luis Norberto Pascoal, presidente da DPaschoal, ouviu, como resposta: “Você está louco? ” O empresário decidiu não dar ouvidos aos especialistas e, há um ano, criou uma ferramenta digital que compartilha, instantaneamente, informações com os fabricantes das peças que ele vende. Dessa forma, a indústria consegue programar produção muito antes de as encomendas chegarem.
Na lógica de Norberto, oferecer aos fornecedores uma plataforma de dados os ajuda a não apenas planejar a produção, como elaborar preços e organizar a distribuição. “Estamos criando uma nova visão estratégia de que a fábrica precisa do apoio do sistema de venda”, completa.
Na DPaschoal, o recurso mostrou-se ainda mais útil durante a pandemia. Com 130 lojas próprias, a rede conseguiu reduzir o estoque em 40%, segundo Norberto. Além disso, o grupo não enfrentou falta de peças. A DPaschoal tem 80 fornecedores e trabalha com 80 mil itens, entre pneus e componentes para veículos. Segundo o empresário, com a pandemia, muita gente adiou a troca de carro e decidiu consertar o que já tinha.
A convivência mais saudável com os fornecedores também ajudou a DPaschoal a aprimorar um antigo sistema de treinamento de técnicos que trabalham em oficinas do grupo ou de fora. As aulas são ministradas por técnicos e engenheiros de fornecedores próximos, como a multinacional alemã Bosch, maior fabricante de autopeças do mundo, ou a sueca SKF, líder mundial em rolamentos.
Com 25 parcerias, nos últimos três anos a DPaschoal já emitiu 110 mil certificados a técnicos treinados. “Se você não acredita nas pessoas, esquece a tecnologia”, afirma Norberto, que também atua no movimento “Todos pela Educação”, organização da sociedade civil voltada a ações para melhorar a educação básica.
O compartilhamento de dados com fornecedores faz parte de um plano de investimento em digitalização da DPaschoal, que somou em torno de R$ 100 milhões, segundo Norberto.
Aos 73 anos, Norberto trabalha desde os 16 no grupo fundado em 1949 pelo pai, em Campinas, interior de São Paulo. Aos 23 anos, com a morte do pai, Norberto assumiu a presidência. Há 12 anos decidiu se aposentar. Mas, há quatro, optou por retomar o comando da companhia ao discordar dos métodos de cortes de custos, então adotados, mais voltados a pessoal e menos à produtividade e gestão.
Ao retornar, percebeu que faltava na empresa uma “visão digital”. Seu maior desafio, nos três primeiros anos, afirma o empresário, foi “convencer as pessoas de que elas poderiam acreditar nelas mesmas e fazê-las entender que a inteligência digital, “um fato; não uma opção”, serve para “complementar, dar mais velocidade, exatidão aos processos”.
Graças às vantagens do sistema digital, diz Norberto, o volume de negócios no segundo semestre do ano passado foi suficiente para compensar a queda na primeira metade do ano, que expôs os efeitos mais duros da pandemia. Assim, a estimativa do empresário é de uma receita em torno de R$ 1,6 bilhão em 2020, semelhante à de 2019.
Logo que retomou a presidência da empresa, Norberto passou a adotar práticas incomuns no mundo corporativo. Cortou a comissão de vendedores para evitar a venda de produtos ou serviços desnecessários. A ideia, a seu ver, deixa não só o cliente mais satisfeito como também faz bem ao planeta.
O cuidado com a questão ambiental é característica desse empresário. Ele se preocupa, por exemplo, com o excesso de embalagens, causado pelo comércio eletrônico. “Muitas vezes uma caixa de 30 centímetros por 30 é usada para embalar um produtinho de dez. Isso adiciona custos ao planeta”, destaca.
Norberto tem esperança de que o país mude as más práticas na política ambiental por pressão da sociedade e outros países. A tecnologia ajudará, diz, a mostrar ao mundo quem queima a floresta. “Às vezes as coisas só melhoram quando pioram”, diz. Para ele, as manifestações do governo em torno do tema acabaram por alertar o mundo. “Isso pode ter sido ótimo para nós. A Amazônia vem sendo destruída há muitos anos. Mas daqui a pouco, as empresas não vão conseguir vender seus produtos lá fora. O capitalismo consciente é capaz de mudar o mundo”.
Norberto está otimista em relação à economia. Diz que o país “é abençoado pela agricultura” e tem condições de ajudar a alimentar países com população maior que o território, como China e Índia, ou os desérticos árabes. “Nos últimos dois anos, o Brasil aprendeu a manusear corretamente o solo, usar sementes melhores, tirar três safras de onde antes tirava uma só”, diz o presidente do grupo que também tem fazenda e exporta café.
Também preocupa o empresário a perspectiva de falta de vacinas contra a covid-19. “Isso pode provocar mais perdas de vidas e atrasar o retorno às atividades econômicas”, diz. Ele sugere a união de governo e empresários para agilizar a vinda de mais insumos ou vacinas para ajudar o Sistema Único de Saúde, de forma transparente.
A pandemia afastou Norberto dos netos e a obsessão pela leitura de temas ligados à medicina o deixou “mais medroso” e crítico de atitudes de quem não usa máscara ou faz “encontros sociais errados”. Mas, o lado bom de tudo isso, diz, é ver que “o negacionismo está sendo desmascarado pela ciência”.