A alta do dólar interrompeu a onda de crescimento do comércio eletrônico internacional no Brasil. Grandes sites globais de varejo online — Alibaba, eBay, Wish — se expandiram nos últimos anos, em parte oferecendo produtos em moeda americana a preços baixos, a partir de US$ 1 ou US$ 2. Mas a escalada da moeda, num cenário já de fraco consumo, fez esse mercado encolher pela primeira vez no país no ano passado.
A projeção de especialistas é que esse comércio (chamado varejo “cross-border”) não cresça novamente neste ano, ou tenha expansão discreta, pressionado pela valorização do dólar. Pesquisa realizada pela Ebit/Nielsen mostra que o gasto total de brasileiros em sites estrangeiros caiu 22% em 2018, para US$ 2,2 bilhões. Em reais, a retração foi 11,5%, para R$ 7,7 bilhões. Foi a primeira queda desde o início do levantamento, em 2014.
Apesar de mais pessoas estarem comprando nesses sites no Brasil (23,1 milhões adquiriram algum produto em 2018, alta de 3%), o valor médio gasto por compra diminuiu 17,2%, para US$ 30,48. Em reais, a retração foi de 5,2%. Isso afetou o valor total movimentado. O levantamento foi feito com 4.628 consumidores frequentes de sites internacionais entre janeiro e março de 2019. Com base nos dados coletados, a consultoria faz projeções anuais, a única divulgada no país sobre esse mercado.
Para efeito de comparação, o varejo on-line como um todo, apesar do desempenho mais fraco que em outros anos, se expandiu 12%, faturando R$ 53,2 bilhões em 2018, diz a Ebit. Foram 123 milhões de pedidos, alta de 10%. O tíquete médio, de R$ 434, subiu 1%.
“A compra em sites estrangeiros, especialmente de itens de moda e acessórios, ocorre muitas vezes por impulso. O consumidor compra e espera quatro, cinco semanas para receber. Como acaba sendo uma compra por indulgência, e que ficou mais cara com o dólar, o brasileiro gastou menos”, diz Ana Szasz, diretora comercial da Ebit|Nielsen. Com a moeda brasileira em baixa, e a perspectiva de um cenário de instabilidade política no ano, a executiva não prevê uma recuperação a curto prazo. “Temos falado com bancos parceiros [dos lojistas] e empresas da área e a perspectiva é de nova redução neste ano.”
Na visão de consultores e executivos do setor, a decisão do Alibaba, anunciada na semana passada, de reduzir pela metade o prazo de entrega e custo de envio de produtos da China ao Brasil, pode ser uma reação a essa desaceleração do mercado. A empresa diz que a medida é para “melhorar a experiência” e “aprimorar serviços” e informa que tem crescido no país.
“Essas plataformas globais de ‘marketplace’ são negócios com muita liquidez, altamente capitalizados. Para se manter competitivos e defender mercado, eles ampliam investimentos mesmo numa eventual desaceleração”, diz Felipe Dellacqua, vice-presidente de vendas da VTEX, empresa de tecnologia para varejo multicanal.
Relatório concluído em abril pela Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC) mostra que 62% dos brasileiros que compram em sites internacionais usam cartão de crédito internacional, e portanto, sentem o impacto do câmbio — o boleto bancário equivale a 11%. Apesar dessa preferência, a entidade não acredita que o segmento voltará a perder força neste ano, diz o presidente Eduardo Terra.
“Quase 60% das pessoas dizem que hoje compram mais [em valores] em sites internacionais do que há um ano e 40%, menos. Entre os que compram menos, quatro entre cada dez afirmam que é por causa do dólar”, disse ele. “Acreditamos que há uma proliferação de sites com diferentes condições de pagamento e frete e isso motiva o consumidor”. Foram ouvidas 427 consumidores em março.
Na avaliação de Dellacqua e Szasz, lojistas brasileiros aprimoraram os seus sites de “marketplace” nos últimos dois anos no país, em termos de produtos à venda e prazos de entrega, e têm mantido condições comerciais atraentes. Isso acaba criando um negócio competidor para grupos estrangeiros.
Empresas como B2W e Magazine Luiza passaram a ocupar esse segmento com a venda de produtos (especialmente eletrônicos, acessórios e perfumaria) de lojistas nacionais, em moeda local, em até 10 vezes sem juros. Ao se considerar as vendas totais dessas empresas, que considera a comercialização do “marketplace”, os sites brasileiros cresceram entre 25% e 40% em 2018. Neste ano, até março, a alta variou de 15% a 30%
Nesse atual cenário, os sites estrangeiros tomaram medidas desde o ano passado para facilitar a compra. A Wish tem apresentado em seu site no país produtos com preço em real. O produto é cotado em dólar, mas a empresa faz a conversão e já disponibiliza em real na página principal. O Ebay tem uma “aba” em seu site no Brasil com venda de itens a menos de R$ 10.
“A iniciativa tem alguns meses e facilita o processo de compra”, diz Terra. “Quanto mais o site parecer ‘local’ melhor, porque minimiza o receio da compra”. A questão do temor com qualidade do produto de sites estrangeiros, dizem consumidores, é menos relevante. Só 4% comprou algo e ficou insatisfeito, segundo a pesquisa da SBVC.
Fonte: Valor Econômico