Em uma segunda-feira fria do inverno paulistano de 2005, Patrícia Santos de Jesus, à época com 25 anos de idade, chegou para trabalhar com um visual diferente. No lugar dos cabelos cacheados ou escovados, ela estava de trança estilo afro (um penteado que exigiu quatro horas do sábado no salão de beleza). Os colegas acharam lindo, com exceção da diretora. “Patrícia, esse cabelo é sujo, ele não representa o ambiente corporativo”, ela ouviu da chefe. “Ele não representa o dress code da empresa. Vai para casa tirar a trança.” Patrícia se recusou. A pouco tempo do casamento, foi demitida.
Formada em pedagogia, com pós-graduação em gestão de pessoas e MBA em administração, Patrícia, hoje, trabalha para que episódios como esse não ocorram nas empresas. No papel de consultora organizacional especialista em diversidade étnico-racial, ela ajuda companhias a encontrar negros qualificados e orienta empresas como Carrefour, White Martins e Monsanto na adoção de políticas de diversidade.
Apesar de ainda tímido (principalmente no Brasil), o interesse das companhias pelo tema, segundo ela, é crescente e tem motivações, inclusive, financeiras. Um estudo da McKinsey revela que as empresas que investem em diversidade étnica têm 35% mais chances de ter um resultado financeiro superior ao dos concorrentes. Além disso, dá ainda mais força ao tema o fato de a The Economist ter lançado uma lista (a Global Diversity List) com as empresas que se destacam por atuar contra a discriminação por gênero, cor da pele e orientação sexual no ambiente de trabalho.
A Época NEGÓCIOS, Patrícia, que foi palestrante no TEDxSaoPauloSalon (vídeo abaixo), falou sobre a questão racial no ambiente corporativo e os desafios que enfrenta como consultora.
Por que as empresas devem se importar com a questão racial?
A empresa que não trabalhar as questões étnico-raciais nos próximos dez anos vai deixar de lucrar. No Brasil, a maior parte da nova classe média é negra. Isso traz mais possibilidades de compra, de consumo. As agências de publicidade já se deram conta disso. Você vê mais negros nas propagandas, não vê? Junto disso existe uma crescente onda mundial de autoestima dessa população. Há um movimento de “vamos assumir quem somos”: cabelo black, trança, roupa com estampa afro… No Brasil também. Em 2001, o Brasil, em conferência da ONU, assumiu que existe racismo no país e se comprometeu a se mobilizar. As cotas nas universidades foram o primeiro passo, um passo muito importante para começar a discussão sobre a diferença entre brancos e negros. Depois, vieram ações para que houvesse inclusão em várias esferas, como o Estatuto da Igualdade Racial, o Dia da Consciência Negra… Cresceu a autoestima da comunidade.
Esse aumento da autoestima é acompanhado pela conscientização nas empresas?
Em boa parte das grandes, eu vejo que sim. Principalmente no caso das multinacionais americanas. Apesar de os negros corresponderem a 14% da população americana, eles ocupam espaços de poder nas grandes corporações. Lá há gerentes e grandes executivos negros, sem falar no Obama… Então, sim, eu vejo empresas que acompanham o movimento de conscientização racial e querem, sim, valorizar o negro… Mas existem muitos brasileiros racistas. Veja que a Luanna foi demitida por conta de uma trança [no ano passado, Luanna Teófilo, de 35 anos, funcionária de uma agência de comunicação, disse ter sido discriminada por conta da trança no cabelo; ela criou uma página no Facebook, a “Tira Isso”, mas teve de tirá-la do ar depois de uma determinação da Justiça]. A democracia racial no Brasil é um mito. Tem muita gente que me procura e diz, com segurança: não consigo emprego porque sou negro. Lembro de uma vez, quando era voluntária em uma ONG de recrutamento [começo dos anos 2000], que uma rede de farmácia deixou claro que não queria negros como candidatos. Achei engraçado. Eu, na condição de negra, com meu dinheiro na mão para pagar um produto na farmácia, eles vão deixar de vender para mim?
Em que medida a diversidade ajuda a empresa a ganhar mercado?
A empresa cujo corpo de funcionários é diverso cultiva olhares diferentes. Ou seja, ela tem mais chances de atingir diversos tipos de cliente, de falar com um consumidor com quem não falava antes. As empresas precisam pensar nisso. Existe um movimento grande na comunidade negra sobre o nosso lado consumidor: “Não me vejo [naquela marca]? Não compro. Não me representa? Não compro.” A companhia que tiver um público interno diverso terá, portanto, uma visão melhor do cliente, o que resulta em maior rentabilidade.
Qual é a dificuldade de uma empresa em ser mais diversa?
Por mais que a empresa tenha uma política de diversidade, a decisão de contratar é do gestor. Essa é a maior dificuldade: o olhar do gestor. Já passei por situações em que indiquei diversos estudantes para uma vaga, com o perfil exigido pelo empregador, e nenhum foi selecionado. Quando pergunto o porquê, a resposta que vem nunca é técnica. É sempre subjetiva: “não gostei”… É complicado. Certa vez encontrei 132 engenheiros para uma vaga de trainee em 15 dias. Trinta e sete passaram para a fase seguinte, e eu conversei com os 37 pessoalmente. Sabe quantos foram contratados? Nenhum. Outro ponto é que, às vezes, até para vaga em que o inglês não é necessário, acabam contratando quem tem inglês no currículo. Então, procuro trabalhar bastante a autoestima do candidato antes de ele ir para a entrevista, para que ele não se sinta intimidado. É preciso saber falar de si mesmo. Já ouvi: “fui participar de um processo seletivo e havia 20 brancos…” Sim, é assim. Conheço empresa com 2.500 funcionários que não tem nenhum negro.
O que uma empresa deve fazer para se tornar mais diversa? Por onde começar?
A empresa tem de ser diversa de uma forma geral. Tem de sentar e fazer um censo para ver o que não tem. Quais são as minorias excluídas? Nas 500 maiores e melhores, 90% é de homem e branco. Ou seja, falta mulher, falta negro. Faça o teste do pescoço. Olhe para o seu lado, no trabalho, e veja quem trabalha com você. A ideia da diversidade pode ser espalhada também por meio de treinamentos, manual, código de conduta. Pode-se levantar a questão da diversidade na companhia também por meio da formação de grupos de discussão. Isso ajuda a trabalhar o empoderamento de minorias. Atualmente, em uma rede de supermercados, faço coaching também, para treinar negros para assumir cargos de liderança.
Fonte: Época Negócios