O desenvolvimento tecnológico trouxe novos hábitos comportamentais e, consequentemente, hábitos de consumo. As ferramentas utilizadas pelas empresas também evoluíram e o mundo digital traz formas de contato, que podem gerar transações, nunca antes pensadas. Graças a isso, existem novas abordagens de venda direta ao consumidor. O Simpósio Brasileiro de Defesa do Consumidor, uma iniciativa de A Era do Diálogo, procura entender: existe um limite para uso das tecnologias digitais? E qual é o papel da regulação nesse sentido?
Para Angélica Faraco, gerente de afinidades da Chubb Seguros, as empresas podem usar a tecnologia livremente, mas precisam de equilíbrio. É necessário entender o perfil do cliente, saber o que ele espera. Quando uma tecnologia é direcionada a uma venda ou oferta, existe uma resposta, um período de aprendizado. “Precisamos saber o que o cliente necessita através da tecnologia, mas precisamos saber qual é o limite para que ele não se sinta invadido”, lembra. Nesse sentido, as empresas precisam estar prontas tanto para a oferta como para o acolhimento das necessidades do cliente. Assim, ele receberá o produto com satisfação.
Ao mesmo tempo, Marcos Lima Zumba, gerente de presença digitalda Claro, recorda a recente reflexão sobre o Facebook – qual o limite da tecnologia, do uso de dados? O executivo aponta que é entusiasta do digital, mas reflete sobre sua atuação. É preciso entender em que momentos os dados, os cookies dos consumidores, viram um CPF, por exemplo – o que não deveria acontecer. “Quando as empresas pensam em trazer o cliente, já imaginam receber milhares de SMS, ligações. Na era digital não é mais assim, o cliente tem poder, ele pode escolher não receber nada se aquilo for invasivo”, lembra. É um cenário diferente, que leva em consideração o perfil de consumo, as mudanças digitais.
Nesse sentido, Cássio Azevedo, presidente da ABT, entende que a assertividade na era digital ganhou novas proporções. As empresas têm informações tão detalhadas sobre os clientes que os perfis ficam cada vez mais próximos do que é realmente uma pessoa em específica. Ainda assim, é necessário o direito para que essas informações não sejam utilizadas. “A tecnologia é uma aliada, precisa ser utilizada. As empresas não podem ficar fora desse contexto porque ele já existe e é essencial. Ainda assim, demanda cuidado”, garante.
Relações
Aline, da Ricardo Eletro, reflete sobre o cenário de atendimento. “É necessário pensar numa autorregulação, não no sentido de embate, mas para evoluir o setor. Para que o consumidor tenha o mesmo direito das empresas, em sentido de horários, de abordagem”, aponta. Ela conta, por exemplo, um caso em que recebeu uma mensagem de sua empresa de seguros de madrugada. “Eu preciso deixar meu celular no silencioso por que a marca me manda mensagem a 1 da manhã?”, reflete. Os direitos devem ser os mesmos, não? A empresa é invasiva e o consumidor apenas assiste? Não dá para ficar recebendo ligações diariamente sobre uma nova oferta – não deveria ocorrer, ao menos. “As empresas precisam pensar em um bom senso, um limite para abordagem. Como usar o WhatsApp de forma equilibrada, responsável, sem gerar rejeição?”, questiona, “precisamos colocar a ferramenta a favor do cliente, pensando no respeito dessa relação”.
Nesse sentido, José Antonio de Oliveira Júnior, agente de fiscalização da Prefeitura de Sorocaba, explica que é necessário sempre pensar em formatar uma agenda positiva para o relacionamento entre empresas e clientes. “A verdade é que a discussão é a mesma, apenas as tecnologias são diferentes”, aponta. E também lembra-se da atuação do Consumidor.gov, que procura ser uma ferramenta de diálogo de verdade. “As empresas investem milhões para atender os pleitos dos consumidores e é necessário atuar agora para que isso se mantenha”, diz. “O desafio inicial talvez não seja a tecnologia, mas qual é a fragilidade da relação”.
É preciso entregar de verdade o que foi ofertado e assim o diálogo fica mais simples. Não adianta ter inúmeros canais de reclamação ou atendimento se a empresa não atender às expectativas do público. De fato, mesmo com novas ferramentas, a reflexão traz problemas antigos. “A autorregulação deve ser fomentada, o mercado amadureceu para isso, com a participação de todos, da Senacon, do governo”. É necessário levar isso para dentro das empresas de verdade. “Estamos falando com lealdade ou discutindo conceitos simplesmente com nossos interesses econômicos? A discussão passa por tudo isso”.
Equilíbrio
Armando Rovai, advogado do Rovai e Del Masso Advogados, mediador da conversa, aponta que a transparência, a boa fé e a responsabilidade são a base de boas relações de consumo. Assim, é essencial pensar na ética nessas abordagens abusivas com relação ao consumidor. “O rastreamento de buscas dos consumidores para mostrar inúmeras campanhas nas redes sociais não é abusivo? Isso é ético?”, questiona.
Para Angélica, não é abusivo apenas se for permitido. O que o cliente quer ver? É necessário respeito pelo que o consumidor por isso. Qual é o limite da colocação? E a tecnologia permite que exista o limite. A ética está embasada no respeito ao consumidor. “Adianta vender e o cliente não estar comigo no outro mês? Empurrar o produto ao ponto de o cliente não querer nem conhecer mais?”, pergunta. “A autorregulação é olhar para si, olhar para a sua empresa e saber como ofertar da melhor forma para o consumidor, de forma positiva. Precisa ter ética a partir do respeito e da escuta ativa, que muitas vezes deixa de acontecer”.
É preciso lembrar, na visão de Marcos, que o limite sobre o que é ético e o que não é está nas mãos do consumidor. O cliente tem um mecanismo na mão dele para que ele não seja rastreado. Os cookies que são rastreados podem ser simplesmente deletados. Isso existe desde que a internet existe. “O cookie é um meio não de identificar quem é a pessoa, mas qual é o perfil dela. E está nas mãos dela simplesmente abrir mão disso”. Mesmo assim, o executivo complementa que poderia existir uma educação sobre isso – talvez nem todos os usuários saibam qual é a fonte dos dados que são mensurados.
Reflexão
“Toda e qualquer empresa quer atender bem o cliente. Ninguém quer tratar mal o cliente”, lembra Azevedo. Qual é a área de atrito? Não entregar o que prometeu. Ainda assim, no meio digital a solução pode ficar mais fluida. Hoje, existem vários degraus no caminho para um cliente ter diálogo com a empresa e isso muitas vezes faz com que a resposta não chegue a tempo hábil. Com as novas ferramentas, esse atrito vai cair. “Vai chegar um momento em que cada contato do cliente com a empresa vai virar ouro, todos os dados serão preciosos”, lembra. Porque esse contato vai mostrar como o produto deve ser elaborado, formatado. A tecnologia, pensando em ética, deixa tudo que é cinzento mais transparente.
Sob esse ponto de vista, José Antonio, da Prefeitura de Sorocaba, lembra que, muitas vezes, parece que as empresas estão falando de um consumidor distante. O consumidor é um ser humano, muitos consumidores não têm acesso a bens públicos de necessidade básica e aqui falamos de grandes tecnologias. É preciso pensar na tecnologia para trazer o que é básico ao consumidor. “Nós estamos elevando o consumidor como se ele fizesse parte de um mundo muito elevado, com nomes difíceis de tecnologia, enquanto falhamos no básico, na entrega de um produto”, reflete. O Brasil é plural, as empresas estão focando nos consumidores que estão o tempo todo com tecnologia e parece que uma parte da população fica a margem. “Precisamos falar de verdade, lealdade, entender que do outro lado são pessoas. Precisamos evitar frustrar expectativas em qualquer meio, com tecnologia ou não”, conclui.
Fonte: Consumidor Moderno