Com 60% de seus restaurantes fechados na pandemia, rede de fast-food Burger King implementa em cinco meses estratégias que levariam até dois anos. A receita é incorporar mentalidade de startup.
O velho ditado “a necessidade faz o homem” não consta nas principais cartilhas de economia e administração, mas bem que poderia. O executivo Iuri Miranda, CEO da rede de restaurantes BK Brasil, master franqueada da rede americana Burger King Corporation, sabe muito bem disso. Ao observar que 60% de suas 868 unidades – 671 próprias e 197 franqueadas – tiveram de apagar as luzes durante a pandemia, com o fechamento de shoppings em todo o País, ele colocou em prática uma complexa estratégia de sobrevivência: determinou aos times de TI a ampliação da plataforma de delivery, acelerou a abertura de lojas de rua com serviço de drive-thru (chamadas pela empresa de free standing) e, principalmente, definiu um rígido manual de proteção aos funcionários e clientes. “A gente nunca viveu algo desse tamanho. Quando a crise chegou, tanto o Conselho de Administração quanto os clientes e os 18 mil funcionários perguntaram ‘e agora?’”, disse Miranda. “Por isso, tivemos de ser ágeis como nunca para colocar para funcionar o que já vínhamos preparando e antecipar inovações que poderiam levar até o fim do ano que vem”, afirmou.
A radical mudança de hábito era mais do que necessária. No segundo trimestre deste ano, a receita operacional líquida da companhia atingiu R$ 292,7 milhões, queda de 56,7% na comparação ao mesmo período de 2019. O Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) ajustado ficou negativo em R$ 92 milhões. “Em um cenário tão desafiador, não adiantava negar a realidade nem reclamar”, disse o CEO. “Naquele momento, percebemos que a capacidade de aprendizado e adaptação, o que chamamos de ‘learning agility’, se mostrou mais importante do que nunca.”
A julgar pelos números, os resultados vieram na mesma velocidade das mudanças. No acumulado de abril a junho, houve crescimento de 216% nas vendas digitais em relação ao mesmo intervalo do ano passado, representadas por delivery, totem e BK Express (em que o cliente compra e paga pelo app, mas retira em um restaurante da rede). Os downloads do app da rede atingiram a marca de 25 milhões. A participação do e-commerce saltou de 5,1% do total das vendas para 36,9%. No mesmo período, os canais digitais (delivery, BK Express e Totem) registraram crescimento de mais de 216%, passando de R$ 33,8 milhões, no segundo trimestre de 2019, para mais de R$ 107 milhões, no segundo trimestre de 2020. Já o drive-thru aumentou em 100%. Para Percival Maricato, presidente do escritório paulista da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel-SP), as grandes redes tiveram mais condições de enfrentar as restrições impostas pela pandemia, as novas regras de distanciamento e as novas medidas sanitárias. “Mas, infelizmente, metade dos estabelecimentos não terão as mesmas condições de reabrir”, afirmou.
Entre as iniciativas para o atendimento do público sem contato físico, o Burger King firmou parceria com o Mercado Pago para que o consumidor tenha a possibilidade de pagar seu pedido scaneando o QR Code no drive-thru. A empresa também firmou uma parceria com a ConectCar, em que a compra é realizada via tecnologia contactless, por meio de um adesivo, o mesmo utilizado para pagamento eletrônico de pedágio. “Tivemos de adotar uma cultura de startup, tirando a mentalidade de que é impossível fazer algo em tão pouco tempo”, afirmou Miranda.
GHOST KITCHEN – Em paralelo à adoção de uma disciplinada dieta na gestão e a incorporação de uma mentalidade mais tecnológica, a BK Brasil antecipou o lançamento de um serviço inédito das marcas Burger King e Popeyes – bandeira especializada em frango frito – em todo o mundo. Trata-se da Ghost Kitchen, conceito que permite que cozinhas sejam dedicadas exclusivamente à produção dos lanches para vendas por delivery. Segundo Miranda, o sucesso da operação, que começou em São Paulo, vai determinar o processo de expansão da modalidade para outras localidades do Brasil. “A escolha por dar início ao conceito de Ghost Kitchen se deu por questões bastante estratégicas: com o crescimento das vendas de delivery, queremos otimizar o atendimento das nossas lojas físicas, com unidades estruturadas especificamente para este canal de vendas”, disse o executivo. “Acredito que esse formato pode complementar a nossa estratégia de expansão e crescimento no País.”
Os downloads do app atingiram 25 milhões e A fatia do e-commerce nos resultados foi de 5,1% para 36,9%.
Para dar início ao serviço, um restaurante do Burger King no centro da capital paulista passou por uma reestruturação para ter atendimento exclusivamente voltado ao canal de entregas – sem atendimento presencial ou consumo no local. O serviço permite, também, uma relação ainda melhor da rede com os profissionais de entregas e os agregadores (iFood, Rappi e Uber Eats), assim como na operação de delivery próprio da rede, o BK Delivery. A unidade selecionada também foi adaptada para receber uma cozinha do restaurante Popeyes. Para os consumidores, segundo a empresa, não há diferença em relação à realização dos pedidos: basta acessar os aplicativos de entregas e selecionar os produtos. Como de costume, a demanda é encaminhada para a unidade mais próxima do endereço de destino, portanto, caso o cliente esteja na área de cobertura do restaurante, o pedido será automaticamente direcionado a ela.
Se o Brasil seguir a tendência de outras economias, o segmento tem tudo para conquistar participação relevante no Burger King nos próximos anos. De acordo com a Abrasel, o conceito de Ghost Kitchen, também conhecido como Dark Kitchen ou Cloud Kitchen, deve faturar R$ 18 bilhões ao longo de 2020 em todo o mundo. Nos Estados Unidos, por exemplo, esse movimento já caminha a passos mais avançados e a estimativa de faturamento no setor é de R$ 75 bilhões até 2022, de acordo com relatório divulgado pela Cowen & Co. O crescimento no segmento de Ghost Kitchen também é reflexo do aumento da demanda do serviço de delivery voltado para alimentação. No Brasil, o setor teve expressiva expansão de 20% no último ano.
McDonald’s vê a recuperação
Assim como o Burger King, a Arcos Dorados, que administra a rede de fast-food McDonald’s no Brasil e na América Latina, mesclou momentos de tensão e certo alívio no segundo trimestre. Com as operações impactadas pela pandemia e pela desvalorização média de 27% do real frente ao dólar, a bandeira registrou perda de 59,8% na receita em relação ao mesmo período de 2019 – redução de US$ 329,3 milhões para US$ 132,2 milhões. As vendas comparáveis (em lojas com mais de 12 meses de atividade) caíram 46,3%, mas apresentaram melhora com o passar dos meses: 54,2% em abril, 45,7% em maio e 39,1% em junho. “O momento é desafiador, mas a companhia vem apresentando boa recuperação nos últimos meses”, afirmou o presidente, Paulo Camargo.
O McDonald’s tem 1.024 lojas no Brasil, sendo 563 em ruas. Com os salões fechados, a companhia apostou no serviço de drive-thru, disponibilizado em mais de 460 unidades, de retirada (take away) e nos pedidos por meio de plataformas digitais, além de aplicativo próprio, para manter as vendas. Os estabelecimentos de rua permaneceram abertos durante o trimestre e, em junho, já haviam recuperado mais de 90% dos níveis de venda do ano anterior. “Nossa estratégia se mostrou essencial para essa retomada.” As lojas em shopping começaram a reabrir durante o último trimestre. No fim do período, a marca já operava mais de 85% de seus restaurantes no Brasil – o índice agora é de 95%.
Fonte: IstoÉ Dinheiro