Expectativa é que condições econômicas adversas já encontradas no segundo semestre de 2022 fiquem ainda piores
Por Ana Luiza de Carvalho
O ano de 2023 deverá ser difícil para a indústria de moda, com a piora das condições macroeconômicas que já vinham alarmando companhias e clientes no segundo semestre de 2022. A conclusão é do estudo The State of Fashion 2023, feito pela consultoria McKinsey & Company e divulgado com exclusividade ao Valor. O levantamento, que ouviu 290 executivos globais entre agosto e outubro, mostra que o mercado deve se beneficiar de lições da pandemia, com investimento em gestão de estoques, digitalização e encurtamento das cadeias de produção.
No primeiro semestre do ano passado, a indústria da moda apresentou “expressivo crescimento”, de acordo com a consultoria, em razão do pico de compras após o momento mais grave da pandemia. Esse cenário sustentou a margem Ebitda das empresas, calculado a partir da razão entre o Ebitda (resultado antes dos juros, impostos, depreciação e amortização) e a receita líquida.
A margem Ebitda média da indústria global de moda, segundo a McKinsey, passou de 6% para 12,3%. Martha Torres, sócia associada da consultoria, pondera que o patamar ainda está abaixo da média anterior à covid. “Esse fenômeno de melhoria de margens não foi completo. No Brasil, as margens chegaram a 8% em 2020 e ficaram entre 11% e 12% recentemente, abaixo do patamar histórico de 14%”, diz.
De acordo com os resultados do terceiro trimestre de 2022, os mais recentes divulgados pelas companhias brasileiras de capital aberto, a Guararapes alcançou margem Ebitda ajustada de mercadorias de 12,2%, com avanço de 3,5 pontos percentuais em relação ao terceiro trimestre de 2021. A Lojas Renner registrou alta de 1,5 ponto percentual no comparativo anual, com Ebitda ajustado de varejo de 16,8%, enquanto a margem Ebitda ajustada do Grupo Soma foi de 16,6%, com ganho de 6,4 pontos percentuais.
Fernanda Hoefel, sócia do McKinsey, afirma que o Brasil se diferencia de outros mercados por sua cadeia de produção local mais complexa, com presença de atores nas diferentes etapas da confecção. “A distância nunca foi uma dificuldade grande pois temos um grande percentual do fornecimento local, além de que muitos varejistas fazem bancos de tecido e conseguem maior controle de manufatura”, diz.
Parte da indústria também está apostando na verticalização de suas cadeias, como no caso de varejistas que adquirem pequenas confecções regionais, afirma a executiva. “Com as cadeias mais curtas, as empresas têm decisões mais flexíveis ao longo do ciclo produtivo, podendo mudar a quantidade de peças produzidas”, diz.
Essa particularidade brasileira, segundo o estudo, é vista pelos concorrentes globais como uma forma de combater as rupturas na cadeia de produção. O encurtamento das cadeias foi a alternativa mais citada pelos executivos (65%), seguida por parcerias estratégicas com fornecedores (61%) e produção sob demanda (39%).
A instabilidade geopolítica e seus desdobramentos originam os maiores obstáculos para 2023, segundo os executivos consulados. A guerra na Ucrânia, citada em 66% das respostas, também acelerou a expectativa de inflação, apontada por 78% dos entrevistados. O conflito está especialmente relacionado à crise energética na Europa, em razão das interrupções no fornecimento de gás russo à indústria, fator citado por 58% dos executivos.
O Leste Europeu reportou o maior índice de pessimismo global, com 51% dos empresários apostando em uma desaceleração. No Oriente Médio e na América do Norte as perspectivas são um pouco mais positivas, mas ainda com retração. Os percentuais de executivos que esperam maior crescimento neste ano são dessas duas regiões, com 55% e 39%, respectivamente.
Hoefel afirma que o inverno europeu mais ameno, que diminuiu a demanda por aquecimento a gás, não deve representar um alívio em curto prazo. “A cadeia de moda é muito longa, planejada com muita antecedência, o que significa que não há reflexo imediato em alterações de custos. Fora que quanto maior a variação climática em uma estação, mais difícil gerenciar os estoques e as vendas”, explica.
O varejo de moda brasileiro viu isso ocorrer no terceiro trimestre de 2022, quando as temperaturas mais baixas em plena primavera prejudicaram as novas coleções. Durante teleconferência de resultados, os executivos da Lojas Renner apontaram que os números do segundo trimestre haviam sido beneficiados por um outono mais frio que o habitual, antecipando as compras de inverno. As previsões metereológicas levaram o Citi a rebaixar a recomendação de ações da C&A de compra para neutra.
Fonte: Valor Econômico