A rede de supermercados Dia enfrenta um período difícil no Brasil, com queda nas vendas e revisão no modelo de investimentos. A empresa cresce menos que seus rivais diretos e abaixo do mercado. Afetado por “incertezas econômicas” e pela expansão do formato de atacarejo no Brasil, o grupo espanhol diz que vai usar de maneira “inteligente” e “mais prudente” os recursos no Brasil e na Argentina.
Nesses países, o crescimento terá que ser autofinanciado, disse em novembro a analistas o presidente do grupo, Antonio Coto Gutiérrez, sinalizando que uma eventual capitalização da matriz estaria fora dos planos. Assim, o volume de abertura de lojas no Brasil deve ser reduzido “levemente” em 2019, diz ele. A rede tem aberto de 60 a 70 unidades por ano.
É um anúncio a ser considerado dentro do cenário da empresa lá fora. O grupo espanhol vive um momento de forte pressão — houve trocas do comando global, o valor de mercado da empresa despencou em 2018 e foi anunciado dias atrás um aumento de capital de €600 milhões na companhia.
No Brasil, por anos consecutivos, a rede Dia, com cerca de 1,2 mil lojas e R$ 7 bilhões em vendas brutas, crescia mais rapidamente que a maioria das concorrentes, a taxas que chegaram a 20% ao trimestre em 2016.
A desaceleração começou a dar sinais mais claros após 2017, em parte pelo efeito da queda da inflação, que afetou todo o setor.
Ocorre que a inflação voltou a se acelerar em 2018 com uma melhora no desempenho do Dia, mas a operação acumula receita em queda (70% das lojas são franquias). De janeiro a setembro, há recuo de 1,6% nas vendas brutas (caíam 3,4% em junho). No Carrefour, a alta é de quase 7% e no Grupo Pão de Açúcar (GPA), 10% no período. A Cencosud, que enfrenta dificuldades no país há anos, encolheu menos, 1,3%. Os números consideram a moeda local.
Procurada, a empresa preferiu não dar entrevista — a cadeia é presidida há sete anos por Freddy Wu (ex-Dia, da Argentina).
O Valor apurou que um dos problemas no ano passado foi a falta de certos produtos nas lojas, algo medido pelo índice de ruptura. Foi identificado um excesso de determinadas mercadorias, encaminhadas pela área de compras da rede aos franqueados, e falta de outros itens. Isso pode ocorrer por alguma falha dos franqueados ou se a rede repassa ao lojista o que ela quer desovar do seu estoque (e nem sempre é o que a loja precisa).
Como a cadeia opera com poucas marcas de cada produto, quando falta uma marca, o cliente fica sem opção. E a marca própria Dia, muito forte na cadeia, responsável por um terço das vendas, nem sempre ocupa esse espaço.
O aumento da demanda em produtos frescos, como frutas e verduras, que não é o ponto de destaque da rede, também teria feito a cadeia perder mercado, diz um consultor próximo a um grupo de franqueados. A rede abriu nova bandeira chamada “Meu Dia” em 2018, com foco em itens frescos.
A empresa tem cerca de 680 lojas franqueadas e 460 unidades próprias. “Estava sendo feito um forte trabalho no fim do ano passado, junto aos franqueados, para tentar fechar 2018 com venda crescendo. A matriz queria entregar um número melhor aos acionistas na Espanha”, diz uma segunda fonte a par da operação.
Aos analistas, Gutiérrez disse em teleconferência, em novembro, que a rede tem “o posicionamento certo” no Brasil, mas há um “ambiente desafiador” por aqui. Afirma que houve um “enorme impacto do câmbio nas finanças” do grupo e isso afetou as decisões de investimento na região.
“Como nossa situação geral mudou, nosso desafio é ser inteligente na maneira como investimos nosso dinheiro na América Latina, de modo a manter nossos negócios em boa forma enquanto navegamos pela atual turbulência [macro] nesses países”, afirmou on executivo. Depois, citou a pressão dos atacarejos sobre a rede.
Gutiérrez fala em ser “um pouco mais prudente” nos investimentos, mas nega tratar-se de uma “desaceleração dramática no Brasil”.
O executivo disse que vai reduzir “um pouco” o número de lojas no país. “Vamos nos concentrar mais nas regiões [no Brasil] em que somos mais fortes. Mas não vamos reduzir significativamente [aberturas]. O que vamos fazer é ter um equilíbrio e [conduzir] a expansão se autofinanciando nesses mercados”.
Isso indica que a recuperação nas vendas do Dia no Brasil terá que ocorrer sem ampliação forte nos investimentos locais. Para efeito de comparação, Carrefour e GPA devem ampliar investimentos no Brasil em 2019 versus 2018.
Lá fora, a rede enfrenta queda em valor de mercado (90% neste ano), reflexo em parte de ruídos gerados após fracos resultados, troca de comando e informações sobre discordâncias entre sócios. Em agosto, Ricardo Currás foi sucedido por Gutiérrez, após queda no desempenho do grupo no ano.
O lucro operacional até setembro caiu 33% no mundo. A dívida líquida subiu quase 25% e há um processo de renegociação com credores. O aumento de capital de € 600 milhões anunciado em dezembro é para tentar melhorar a estrutura de capital da rede.
Fonte: Valor Econômico