Criar um terreno fértil para a empresa crescer passa inevitavelmente por quebrar paradigmas, acertar e errar, conta Marcio Valle, diretor-presidente da Coop
Aceitar mudanças, admitir erros, aprender com eles, rever convicções. Nada disso é fácil para as empresas, pois envolve um grande número de processos e pessoas. Por outro lado, garante a sobrevivência do negócio. Quem sabe bem disso é a Coop, com 29 lojas na região do Grande ABC e interior paulista. Para retomar sua competitividade e capacidade de crescimento, a cooperativa se viu diante da necessidade de fazer mais com menos. Com o suporte de uma consultoria especializada, desconstruiu muitas crenças e dogmas para reconstruí-los com maior força e eficiência. O resultado foi alcançar em 2015 uma margem Ebitda 60% superior à média de 2011 a 2013. Para 2016, as expectativas são positivas. Nesta entrevista à SM, Marcio Valle, diretor-presidente da Coop, conta com detalhes como as mudanças foram implementadas, os desafios e aprendizados.
A chegada da consultoria causou apreensão na cooperativa?
Houve uma preocupação de perder nossa essência. Sabíamos que as mudanças seriam profundas e que aconteceriam reposicionamentos. Se não garantíssemos uma clareza em nossa cultura e proposta de valor, como atendimento diferenciado e preços competitivos, havia o risco de a cooperativa mudar muito e, consequentemente, perder público. Então, antes de o processo começar, reforçamos esses e outros aspectos entre os colaboradores.
Quais foram as principais decisões?
Deixamos de priorizar, por exemplo, a ideia de sermos reconhecidos como uma empresa inovadora. A consultoria nos mostrou que esse atributo não nos traria nada de concreto. Pelo menos num primeiro momento. Com isso, constatamos que o e-commerce, na época operando há cerca de um ano com eletroeletrônicos, não compensaria os investimentos que ainda iria exigir e demoraria para ser rentável. Então, decidimos encerrar a operação. Mas no futuro será retomada.
Foi difícil aceitar o fim do e-commerce?
Foi. Isso significa admitir que nos equivocamos num projeto atual, focado em uma forte tendência de mercado, no qual investimos muito e apostávamos mais ainda. Mas, como em outras situações, a consultoria nos fez refletir, especialmente sobre custo e benefício. Ela nos mostrou que poderíamos recuperar e ter muito mais retorno ao redirecionar o capital que ainda seria investido às novas prioridades, como revitalizações e aberturas de novas lojas. Desde 2011 não inaugurávamos nada. Em 2014 conseguimos retomar a expansão inaugurando quatro drogarias de rua. No ano passado, foram mais quatro, além de um novo supermercado e duas reformas. Assim, encerramos 2015 com 29 supermercados e 39 drogarias, sendo 10 de rua e 29 internas.
Também foram eliminados programas antigos da cooperativa. Como foi a repercussão entre colaboradores e os cooperados?
Para reduzir despesas, dois programas foram encerrados em 2014. Um deles foi o Mexa-se, evento esportivo com foco em corrida e caminhada, voltado para a comunidade e com premiações. Outro foi a festa do Dia das Crianças para colaboradores. No caso do Mexa-se, avaliamos bem e o retorno não compensava os investimentos e o trabalho. E, como parte do gasto era patrocinada por fornecedores, acabávamos perdendo verbas. Refletimos e vimos que nossos cooperados iriam valorizar muito mais um preço mais competitivo no mix. E foi isso mesmo. Passado um ano do encerramento, não verificamos necessidade de retomá-lo, embora o evento atraísse cerca de 10 mil pessoas na região do ABC. Já no caso do Dia das Crianças, notamos que os funcionários ficaram desmotivados e tristes, pois o evento era aberto a familiares. A economia gerada não compensava esse retorno negativo. Por esse motivo, retomamos a festa em 2015. Percebemos que os colaboradores até passaram a valorizar mais o evento, porque viram que retomamos para deixá-los satisfeitos.
Num primeiro momento, cortamos itens para reduzir custo e aumentar escala de compra. Mas acabamos deixando de oferecer produtos ou marcas que atendiam grupos de cooperados que valorizam diversidade. Voltamos atrás e ajustamos o mix de novo.
No sortimento, também houve mudanças que precisaram ser revistas.
Num primeiro momento acreditamos que cortando itens conseguiríamos vantagens como redução de custo na gestão de sortimento e melhoria de negociação ao focarmos alguns fornecedores, o que nos daria maior escala com eles. Mas, por outro lado, perdemos qualidade de serviço ao deixar de oferecer produtos ou marcas para certos grupos de cooperados que valorizam a diversidade do mix. Tínhamos 19 mil itens e o objetivo era chegar em 13 mil. Quando chegamos próximo disso vimos que havia insatisfação por parte dos cooperados e, com isso, perda de vendas. Fizemos uma forte reflexão do que estava acontecendo e decidimos voltar a elevar o número de itens. Hoje estamos com 16 mil itens. Na análise, alguns produtos não voltaram ao mix. Em queijos e massas premium, por exemplo, simplificamos marcas e tipos, mas tivemos que voltar. Em outros casos, descobrimos que não tínhamos o produto nem antes da mudança. Qualificamos o sortimento para atender melhor o nosso cooperado. A reflexão foi importante e a reação também. Há coisas que só se aprende fazendo e, quando isso acontece, conseguimos nos posicionar melhor do que quando entramos num projeto. Paralelamente, criamos os clusters. E tudo isso nos dá, um ano depois de iniciado o processo, segurança quanto ao sortimento. Nosso público, independentemente da loja e região, gosta de variedade de itens e de versões de maior valor agregado. Não dá para ter um sortimento muito simplificado. Em algumas lojas a queda foi significativa. E a resposta do nosso público é muito rápida.
Diante dessas mudanças e equívocos, como lidaram com as desconfianças dos funcionários?
Focamos a comunicação. Eles precisavam saber e entender o que estava acontecendo. Para evitar desespero, é preciso responder às perguntas e informar para onde a cooperativa estava indo, o que estava mudando e o que ainda seria mudado. Há dois anos, criamos a área de comunicação institucional interna e externa. Há quatro meses implantamos a rádio colaborador. Das 6h30 às 8h00 das 22h às 23h, a programação é voltada só para o colaborador. Há música, informações internas e de fora e utilidade pública. Também estamos gravando spots meus para comunicar ao colaborador o que está acontecendo na empresa.
Quais os planos traçados pela cooperativa para este ano?
Prevemos investir R$ 100 milhões este ano, principalmente em expansão. A intenção é abrir dois supermercados, quatro ou cinco drogarias de rua e mais revitalizações de lojas. Também vamos investir fortemente em treinamento da equipe, revisão e padronização de processos para elevar a produtividade. Essas medidas fazem parte de nosso plano para aumentar a receita da cooperativa. E todo esse trabalho ainda vai nos ajudar a sair fortalecidos da crise. Quando ela passar, esperamos que seja em 2017, estaremos prontos para seguir crescendo.