Por Lucinda Pinto | O nível de alavancagem das empresas de varejo de vestuário e de eletroeletrônico mostrou algum alívio no segundo trimestre, uma boa notícia para um setor muito penalizado pelo período de juros altos. Mas a hora ainda não é de baixar a guarda. Para analistas, a pressão dos custos financeiros permanece e será ainda o foco no caixa, e não no crescimento, que vai marcar a trajetória dessas companhias nos próximos meses.
“Os resultados do setor não assustaram no segundo trimestre, mas ainda não compõem um quadro confortável”, afirma Ian Miller, sócio e analista de empresas da Apex Capital. Ele afirma que, embora as perspectivas tenham melhorado, o cenário macroeconômico ainda não é favorável para as empresas. “Até o fim do ano, o juro estará alto, e isso continuará comendo o resultado das empresas”, diz. “O foco, portanto, deve estar na melhora da rentabilidade.”
A situação da dívida e do caixa das companhias foi um dos pontos mais observados pelos analistas no balanço do segundo trimestre. A evolução do índice de alavancagem ajuda a medir a condição do caixa da companhia e a avaliar o seu nível de solvência. E algumas das empresas mostraram índices melhores.
Foi o caso de Riachuelo, que apresentou um índice de alavancagem de 2,5 vezes a dívida líquida em relação ao Ebitda, ante 3,1 vezes em igual período de 2022. Da mesma forma, o indicador da C&A saiu de 4,2 vezes para 1,3 vez, na mesma base de comparação. Já a alavancagem da Renner saiu de -0,79 vez para -0,4 vez, ou seja, a empresa demonstrou ter mais caixa do que dívida. E a Centauro viu seu indicador subir de 1,4 vez para 3,35 vezes.
Magazine Luiza e Via apresentam índices que levam em consideração a relação do caixa líquido ajustado com o Ebitda ajustado. Magalu mostrou uma leve piora: o índice saiu de -1,4 vez para -0,4 vez, mas ainda mostrando caixa líquido. Já o índice de Via ficou em 0,4 vez, ante -0,3 vez no segundo trimestre de 2022.
Muitos analistas, entretanto, calculam a alavancagem de forma diferente e, na maioria das vezes, chegam a resultados mais altos. É o caso da Fitch. Embora a agência reconheça também uma tendência de alguma melhora na condição geral do varejo, a forma de contabilizar os recebíveis das companhias e os gastos com aluguel leva a um resultado diferente em termos de alavancagem.
Segundo Renato Donatti, diretor de corporates na Fitch Ratings, uma das principais diferenças na conta está na antecipação de recebíveis, normalmente de cartão de crédito. A grande maioria das empresas oferece a opção de vendas parceladas e, tradicionalmente, antecipa esses recebíveis junto a uma instituição financeira ou com a própria adquirente, mediante uma taxa de desconto. Em muitos casos, não há nenhuma informação a respeito dos valores antecipados, uma vez que não há direito de regresso. Na Fitch, a antecipação é tratada como uma alternativa a uma captação de dívida de curto prazo, com o correspondente ajuste no fluxo de caixa (capital de giro), de forma a melhor refletir o escopo econômico financeiro de cada empresa, como o ciclo financeiro e as necessidades de caixa. Ele ressalta que a não divulgação desse tipo de transação, no entanto, não indica nenhum tipo de descumprimento das regras por parte das companhias.
Da mesma forma, a agência contabiliza como dívida a capitalização dos contratos de arrendamento, uma vez que se trata de um compromisso financeiro de curto, médio e longo prazos necessário para que as empresas realizem sua atividade principal. Donatti ressalta, no entanto, que a maioria dos covenants financeiros não contemplam como dívida nem os alugueis nem as antecipações de recebíveis
O importante é notar que as empresas que são avaliadas pela agência mostraram uma melhora em seus indicadores, ainda que eles estejam mais altos. A C&A, por exemplo, reduziu seu índice de alavancagem pelos critérios da Fitch de 5,7 vezes para 4,4 vezes por meio de um controle de despesas importante e gestão eficiente de estoques, medidas que ajudaram a empresa a melhorar sua margem bruta. “A C&A é muito exposta ao cenário macro mais duro e também à competição com as asiáticas, mas tem navegado melhor nesse mar de instabilidade”, diz Donatti.
Já a Riachuelo, que enfrenta desafios parecidos com os da C&A, tem tido mais dificuldade em elevar sua receita e sofre pressão maior sobre a margem bruta. Isso porque a empresa ampliou os estoques, em grande medida apostando na coleção de inverno. O frio não veio e a varejista precisou fazer mais promoções, o que impactou o resultado. “Fizeram um trabalho de despesas importante, mas não foi suficiente para melhorar a geração de caixa”, explica. Nas contas da Fitch, a alavancagem da Riachuelo ficou em 5,6 vezes, ante 8,8 vezes no segundo trimestre de 2022.
Na Centauro, o nível de estoques também tem sido uma questão que afeta o caixa. A companhia se preparou para a continuidade de uma demanda forte desde a Copa do Mundo, o que não se confirmou. E lida com uma peculiaridade: uma parte importante desse estoque vem da Fisia, distribuidora de produtos Nike comprada pela Centauro em 2020. Como essas encomendas são feitas com antecedência, não é possível interromper as compras, o que torna o processo de ajuste do estoque mais lento. Para se ter uma ideia, a Centauro tinha um estoque de R$ 2,08 bilhões em junho de 2023, ante R$ 1,4 bilhão em igual período do ano passado. Esse quadro ajuda a explicar o índice de alavancagem da companhia, que subiu de 2,7 vezes para 4,4 vezes, segundo a Fitch.
No balanço, a Centauro afirma que “as antecipações de recebíveis foram necessárias para suportar no curto prazo o financiamento das operações e reforçar o caixa, até que as ações para melhora de rentabilidade e ajuste na posição do estoque comecem a ter resultado.”
A agência de classificação de risco não faz a cobertura de Magazine Luiza e Via. Mas gestores de crédito que também fazem suas próprias estimativas para os indicadores de alavancagem falam em índices em torno de 4 vezes e 6 vezes, respectivamente.
A Via anunciou um plano de reestruturação, que prevê o fechamento de 100 lojas e também a concentração de parte de sua dívida em um Fidc. A visão dos analistas é que se trata de um plano ambicioso, que tem potencial para gerar um “turnover” na situação da companhia, mas com um alto risco de execução.
De maneira geral, a fotografia das varejistas contribuiu para um alívio também nos spreads das dívidas negociadas no mercado secundário – embora as taxas continuem muito acima dos níveis observados no momento da emissão. No caso da Via, o papel com vencimento em setembro de 2026 está sendo negociado a uma taxa 36,36% acima do CDI, ante 1,70% na data da emissão. Antes do balanço, esse spread chegou a superar os 40%. Nas outras grandes varejistas, o spread é menor. O título da Magazine Luíza é negociado a 8,47% acima do CDI (1,25% na data da emissão); Guararapes com spread de 5,85% (2,35% na emissão) e C&A a 4,74%, ante 2,4% na emissão.
“É um momento interessante para o investidor encontrar papéis”, afirma Filipe Albert, gestor de crédito da Fator Administração de Recursos. Ele ressalta, entretanto, que o noticiário sobre o setor ainda deve refletir alguma instabilidade nos próximos meses. “O cenário de crescimento ainda vai demorar a vir. Agora é hora de arrumar a casa. Mas com o tempo esse ruído vai se suavizar”, afirma.
Em nota, a C&A afirmou “que preza pela transparência e conformidade na divulgação de suas demonstrações financeiras. As informações prestadas pela companhia fornecem aos investidores e mercado todas as condições para fazerem suas análises. A companhia é auditada por uma das maiores firmas de auditoria do mercado e cumpre todas as regras da CVM.”
Magazine Luiza, Via, Riachuelo, Centauro e Renner não se posicionaram.
Fonte: Infomoney