Startup de móveis e decoração planeja operação internacional, estruturação de portfólio financeiro, expansão de marca própria e lojas físicas
Por Moacir Drska
Como muitos empreendedores, Marcelo Marques se acostumou a lidar com desafios quase que diários. Nos últimos anos, porém, sua rotina guardava poucas surpresas. Fundada em 2011 por ele, Victor Noda e Mario Fernandes, a Mobly, startup de móveis e decoração, percorria sua trilha sem grandes sobressaltos.
Tudo mudou em dezembro de 2020, quando a empresa protocolou o registro do seu IPO. “Eu voltei a ter o frio na barriga que há muito tempo não sentia”, afirma Marques, cofundador, CFO e diretor de RI da Mobly, ao NeoFeed, sobre a agenda intensa de reuniões com bancos, advogados, auditorias e investidores, cumprida nos meses seguintes.
O roteiro levou a Mobly ao Novo Mercado da B3. Em fevereiro, a companhia captou R$ 812 milhões, sendo R$ 778 milhões em sua oferta primária. E com o caixa reforçado, Marques está assumindo um novo compromisso. “Vamos executar muitos projetos que estavam guardados na gaveta”, diz.
A Mobly nasceu como um e-commerce de móveis e decoração e acrescentou os canais de marketplace e lojas físicas a esse modelo, que hoje conta com um catálogo de mais de 200 mil produtos.
Agora, a companhia quer estender ainda mais os limites da sua atuação. Em uma dessas iniciativas, a empresa prepara uma primeira incursão no exterior, ainda em 2021. O ponto de partida será os Estados Unidos e, na sequência, o objetivo é pisar no mercado europeu.
Nessa etapa inicial, a Mobly irá atuar como seller em marketplaces, um formato já adotado no mercado brasileiro e complementar aos seus canais próprios. No País, a companhia tem presença em plataformas como Magazine Luiza, Via Varejo, B2W, Amazon e Mercado Livre.
O portfólio terá produtos da marca própria e de beneficiamento da Mobly. Nesse modelo, a empresa tem projetos com parceiros da indústria, onde seleciona e compra as matérias-primas. A ideia é assegurar a qualidade e, ao mesmo tempo, um bom preço nesses itens.
“Esse projeto está saindo do forno agora e vai nos ajudar a conhecer mais sobre esses mercados”, conta Marques, que enxerga a entrada da Mobly com atuação direta no exterior em uma janela de cinco anos. “Quando isso acontecer, já teremos aprendizados e informações.”
Há novidades também na marca própria. Nessa área, a startup atua com estofados, cadeiras de escritório, cadeiras em geral e alguns itens de sala de jantar. Além de reforçar essas linhas, a empresa vai estender sua oferta a armários, closets, mesas e racks, entre outros produtos.
Em 2020, a Mobly reportou uma receita líquida de R$ 603,1 milhões, um crescimento de 48,2%. A marca própria da empresa respondeu por 42% das vendas. No ano, a companhia contabilizou 985 mil clientes ativos e um volume bruto de mercadorias (GMV) de R$ 950,3 milhões, alta de 57,6% sobre 2019.
A Mobly reportou uma receita líquida de R$ 603,1 milhões em 2020 e um GVM de R$ 950,3 milhões
Para seguir encorpando esses números, um dos próximos passos é desenvolver, no marketplace, a categoria de pequenas reformas, com produtos como ferramentas. Com a novidade, a empresa busca aumentar a recorrência e alcançar novos perfis de consumidores.
Ainda no portfólio, há conversas iniciais para estruturar um pacote de produtos e serviços financeiros. Nessa esfera, a empresa acaba de obter a certificação PCI, o que significa que a Mobly está alinhada com as regras do principal padrão de segurança da indústria de cartões e de pagamentos no mundo.
“Isso, com certeza, está na nossa agenda. Podemos criar produtos financeiros para os nossos fornecedores, sellers e mesmo clientes”, afirma Marques, que cita modalidades como empréstimos e crediários. “E, eventualmente, cortar intermediários e andar um pouco na cadeia de adquirência.”
Metros quadrados
A expansão das lojas físicas também vai ganhar velocidade. Nos três formatos adotados, a ampliação será focada no estado de São Paulo. “Não teremos nada além de 200, 250 km distante da capital”, frisa Marques.
No caso das megastores, que ocupam, em média, 2,5 mil metros quadrados e já somam duas unidades na capital, a meta é abrir quatro lojas em 2021. A primeira está sendo construída no estacionamento do Parque D. Pedro Shopping, em Campinas (SP) e deve ser inaugurada em maio.
Já a rede de outlets ganhará mais duas unidades nesse ano, em locais ainda em definição. Hoje, são quatro lojas em Guarulhos, Campinas, Taubaté e no bairro da Mooca, em São Paulo. Além do mix com preços mais acessíveis, o formato é usado pela empresa para levar a marca a regiões mais periféricas.
O avanço mais agressivo está reservado à Mobly Zip. Esse modelo, mais compacto e voltado a cidades com menos de 200 mil habitantes, envolve a associação com pequenos empresários locais do setor, cujas lojas são convertidas pela Mobly.
No processo, esses parceiros respondem pelos custos do ponto-de-venda e pelos funcionários, e têm direito a uma comissão – não revelada – sobre as vendas realizadas.
A Mobly, por sua vez, dá um banho de loja e de tecnologia nessas unidades, e oferece acesso a todo o seu catálogo e serviços de logística. A previsão é abrir nove Mobly Zips e chegar a um total de 13 até o fim de 2021. Nesse modelo, no médio prazo, a startup enxerga uma opção para começar a chegar em outros estados.
Todas as lojas da Mobly estão sendo usadas para agilizar as entregas aos consumidores, a partir da modalidade de ship from store, e da oferta de alternativas como o click & collect. A logística é justamente outro destino das cifras captadas no IPO.
A empresa já está aplicando parte dos recursos em sua malha e na Mobly Log, braço próprio para a última milha que respondeu por 46% das entregas em 2020. A companhia inaugurou um centro de distribuição em Barueri (SP) e vai abrir outra unidade em Belo Horizonte (MG) neste trimestre.
Para 2021, estão previstos ainda um novo centro em Recife (PE). Completam essa malha as estruturas já em operação nas cidades de Itupeva (SP), Extrema (MG) e Garuva (SC).
Concorrência
Com esse leque de iniciativas, a Mobly busca ganhar terreno em um mercado que movimentou mais de R$ 90 bilhões no País, em 2019, segundo a consultoria IEMI Inteligência de Mercado. Em relatório recente, a Ágora Investimentos ressaltou o modelo que vem sendo construído pela startup.
“A Mobly desenvolveu capacidade para vencer em uma categoria complexa, com uma plataforma de logística proprietária especializada em itens volumosos e uma gama de produtos híbridos combinando marca privada com produtos de terceiros”, escreveram os analistas Richard Cathcart e Flavia Meireles.
A Ágora definiu o preço-alvo da ação da Mobly para o ano em R$ 30. Os papéis da empresa, avaliada em R$ 2,37 bilhões, foram precificados em R$ 21 no IPO e fecharam o pregão da última sexta-feira em R$ 22,26.
Em paralelo ao avanço da Mobly, Alberto Serrentino, sócio da consultoria Varese Retail, destaca um componente do setor. “Esse mercado é extremamente fragmentado no Brasil”, diz. “Mas existem empresas mostrando muito apetite e a perspectiva é de uma competição cada vez mais acirrada.”
O número de empresas dispostas a conquistar uma fatia mais relevante no segmento vem, de fato, crescendo. Algumas dessas companhias também estão capitalizadas e, assim como a Mobly, são nativas digitais.
É o caso da MadeiraMadeira, e-commerce de móveis e produtos para reformas. Em janeiro, a startup abriu a temporada de unicórnios de 2021 ao receber um aporte de US$ 190 milhões liderado pelo fundo japonês Softbank e a gestora brasileira Dynamo.
A Westwing é mais uma dessas empresas. Em fevereiro, poucos dias depois da Mobly, a companhia abriu capital na B3 e levantou R$ 1,16 bilhão, dos quais, R$ 430 milhões foram diretamente para o seu caixa.
Outra companhia que está buscando se posicionar é a Tok&Stok. Em outubro de 2020, a empresa, mais tradicional e com um projeto de digitalização em curso, também protocolou o seu pedido de oferta pública inicial de ações. Até o momento, porém, esse plano não foi concretizado.
Listada no Novo Mercado, a Mobly está avaliada em R$ 2,37 bilhões
“É um mercado enorme, sem um grande player definido. E todos já entenderam que o modelo omnichannel será o vencedor”, diz Marques. “Nós estamos correndo para sermos a maior empresa do segmento.”
Ele não pode assegurar que a Mobly sairá vencedora nesse páreo. Mas uma certeza o acompanha nesses primeiros passos como companhia aberta. “Ver a reação do mercado é sempre um frio na barriga”, diz. “Certamente, nós garantimos de dois a três anos de borboletas no estômago.”
Fonte: Neofeed