Por Shagaly Ferreira | Em novembro de 2025, o Brasil sediará a 30.ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP-30), com potencial para gerar novos negócios e possibilidades de alianças estratégicas para a economia verde no País, incluindo o segmento varejista. Este é o cenário esperado com otimismo pelo CEO da Lojas Renner, Fabio Faccio, o primeiro entrevistado do Estadão para a série que pretende discutir, até a chegada do evento, problemas e saídas para a sustentabilidade e a transição climática nos mais diversos setores da economia, e as expectativas dos principais representantes do setor empresarial e outras áreas econômicas sobre o evento.
Para Faccio, uma COP sediada no País é percebida como uma “oportunidade de ouro” tanto para elevar a consciência de stakeholders (como são chamadas todas as partes afetadas por uma empresa) sobre os temas ambientais quanto para a descoberta ou ampliação de soluções em economia regenerativa para uma produção mais sustentável no Brasil.
“A COP tem um papel importante de aumentar o nível de consciência das empresas, da população e dos governos, e o Brasil tem uma grande oportunidade, por toda a biodiversidade que tem, de ser um grande agente de transformação positivo. A COP-30 ser sediada no País é uma oportunidade de ouro que a gente não pode desperdiçar”, afirma o executivo. “Nosso país tem muitos recursos naturais e pode ser o berço do fomento a uma economia regenerativa.”
A varejista de moda, que anunciou ter chegado a 80% de seu portfólio de peças elaborado com processo ou insumo sustentáveis, participou de painéis na COP-29, encerrada na semana passada no Azerbaijão, e assumiu compromissos públicos de descarbonização, como alcançar carbono zero em 2050, com meta certificada pela Science Based Targets Initiative (SBTi).
Os esforços, que pretendem atravessar o ano da COP-30, são os de seguir uma lógica voltada para um ciclo de vida sustentável de roupas, com uso de matérias-primas renováveis e incentivo ao reuso das peças, diz Faccio. Com as possíveis oportunidades geradas pelo evento, ele espera avançar na discussão de como continuar gerando crescimento econômico de uma forma responsável, desencorajando práticas de produção descartável na moda.
“Um ponto que é muito falado é o da moda descartável, o fast fashion, em que se produzem produtos de baixa qualidade e que as pessoas usam uma vez e jogam fora. Isso gera um lixo para o meio ambiente, acaba usando mais energia, mais matéria-prima com questões de toxicidade, a um preço muito baixo. Isso é um problema muito sério na nossa indústria”, avalia o gestor.
Abaixo, os principais trechos da entrevista:
A Renner vem acumulando ganhos expressivos de lucro e Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) nos últimos balanços trimestrais. De algum modo, parte disso tem relação com a estratégia mais sustentável de produção que a empresa tem buscado adotar?
Nós consideramos a sustentabilidade um dos principais temas para a empresa há muitos anos. Então, sim (tem relação). Somos uma empresa sem nenhum grupo controlador de referência. Os donos da Renner são os mais de 25 mil colaboradores, os mais de 19 milhões de clientes e os mais de 130 mil acionistas. Quando se tem uma empresa em que os donos são tantos, a gente tem de endereçar temas que interessem a todos. E a quem não interessa proteger o planeta? Tem gente que acha que (a sustentabilidade) joga contra. Tem uma polêmica muito grande dizendo que, ou as empresas dão lucro, ou elas são ESG (sigla em inglês para meio ambiente, social e governança). Não acreditamos nisso.
Há casos em que as empresas relatam serem mais pressionadas por acionistas e bancos para serem sustentáveis e menos pelos consumidores. Qual a sua percepção sobre isso, no caso da Renner?
A demanda do consumidor por um produto mais sustentável existe, sim. Mas, alguém vai pagar a mais por isso? Dificilmente. O nível de consciência vem subindo. (Mas) o poder de consumo das pessoas, principalmente no Brasil, onde se tem uma renda menor e uma carga tributária bastante elevada, dificulta muito a opção do consumidor (pela sustentabilidade). O que a gente acredita é que existe a consciência, mas o consumidor não deve pagar mais caro por isso. O trabalho da empresa é fazer um produto de moda confortável e sustentável ao melhor preço. Se for mais caro, fica difícil.
E como a empresa baliza os custos de uma produção sustentável?
Não é fácil, dá trabalho, mas é possível. Por exemplo, em 2017, lançamos metas públicas, e uma delas era sobre energias renováveis. Na época, a gente queria ter 80% da nossa energia vindo de fontes renováveis: pequenas centrais hidrelétricas, biomassa, energia eólica e energia solar. E nós chegamos a 100% em 2021. No começo, a energia renovável era mais cara e era muito difícil escalar. Mas, com parcerias, esse trabalho foi crescendo, a tecnologia foi melhorando, até chegar num ponto em que era praticamente o mesmo preço. Conseguimos fazer 100% de fontes de energia renováveis com o preço mais barato, e não um ou outro.
E quanto às matérias-primas?
Há matérias-primas, hoje, que ainda são mais caras. Outras já começam a ficar mais baratas pela escala. Conforme a gente vai demandando empresas que trabalham com isso, o custo vai se equilibrando melhor. Quando há um novo material, a gente começa numa escala menor. Conforme a tecnologia vai evoluindo, vai abaixando o preço e a gente consegue ganhar escala. Isso aconteceu com algodão certificado. Quando começamos, ele era caríssimo. Hoje em dia praticamente não tem diferença de preço.
O Brasil tem materiais para essa demanda?
Eu diria que sim. O maior ganho é quando trabalhamos em colaboração. Nós trabalhamos não só com outras empresas, mas com universidades, institutos de pesquisa, ONGs, e aí se consegue desenvolver novas matérias-primas. Não é necessário importar. O Brasil é muito rico em sua biodiversidade, tanto para matriz energética quanto para matérias-primas.
A Renner não tem fábricas próprias. Como a empresa consegue fazer o rastreamento do compromisso ambiental dos fornecedores?
Para produzir para a Renner, as empresas têm de ter certificação socioambiental. Temos institutos que fazem auditoria constante nas fábricas e nós, internamente, refazemos essa auditoria. Isso garante que estejamos avançando nas nossas metas de 2022 a 2030.
E hoje, no setor varejista de moda, qual o maior desafio para alcançar essas metas? A questão da gestão de riscos climáticos, por exemplo, é um ponto?
Está muito claro, para nós, que os extremos climáticos já estão acontecendo. Só no ano passado, o Rio Grande do Sul (sede da empresa) teve cinco enchentes. É importantíssimo que todos tenhamos consciência disso, e não só o setor da moda. O ponto é saber como continuamos gerando crescimento econômico, principalmente em um País como o nosso, de uma forma responsável. Em todos os setores têm formas de fazer. No nosso também: redução do uso de químicos, formas de lavagem, formas de pigmentação com tintas naturais. Na Renner, 8 em cada 10 peças já têm características menos impactantes, e nossa meta é chegar a 10. Um ponto que às vezes é muito falado é da moda descartável, o fast fashion, em que se produzem produtos de baixa qualidade e que as pessoas usam uma vez e jogam fora. Isso gera um lixo para o meio ambiente, acaba usando mais energia, mais matéria-prima com questões de toxicidade, a um preço muito baixo. Isso é um problema muito sério na nossa indústria. Não trabalhamos dessa forma. Usamos tecnologia para produzir menos e desenvolver um processo de produção mais rápido. Se o consumidor está demandando um tipo de produto, nós produzimos. Fazendo isso, produzimos menos e conseguimos gerar mais valor para cadeia a um preço menor para o consumidor.
O que esse setor pode esperar em oportunidades na COP-30?
Eu diria que, como varejista, sou um otimista. Eu tenho uma expectativa alta. Estivemos na COP-29, apresentando dois painéis sobre as nossas ações, para compartilhar com os demais e, ao mesmo tempo, para aprender com os demais. Já é a nossa segunda participação como painelista, e isso nos traz tanto compartilhamento das ações quanto novos aprendizados. E eu acho que a COP tem um papel importante também de aumentar o nível de consciência das empresas, da população e dos governos, e o Brasil tem uma grande oportunidade, por toda a biodiversidade que tem, de ser um grande agente de transformação positiva. A COP-30 ser sediada no País é uma oportunidade de ouro que não podemos desperdiçar. Se trabalharmos bem, podemos ajudar a ter uma mudança positiva na consciência global. Tem muitos países super avançados nesse tema, e podemos ser mais um. E não tem só a consciência, mas tem os recursos também. Nosso país tem muitos recursos naturais e pode ser o berço de fomento de uma economia regenerativa.
A empresa está se preparando de que maneira esse evento?
Temos nossas metas, nossos compromissos públicos, validados pela ciência. Por isso também estivemos na COP, podendo compartilhar o que estamos fazendo. Temos alguns reconhecimentos importantes, como o Dow Jones Sustainability Index, um dos principais rankings de sustentabilidade de empresas listadas do mundo. Mesmo com reconhecimentos, temos muito a fazer. É continuar a nossa jornada com nossas metas de 2030 para poder compartilhar mais aprendizados e aprender mais na COP-30.
Além da oportunidade de elevar o nível de consciência, o senhor vê na COP-30 também uma oportunidade de negócios?
Ela funciona muito para conscientização dos diferentes stakeholders, mas também traz muita gente que é ligada ao tema, o que proporciona um debate importante de construção de soluções. Tenho certeza que já tem muitas soluções boas, mas também tenho certeza de que tem muita coisa que a gente ainda vai descobrir em breve. Há muita coisa acontecendo, muita inovação, muita tecnologia, muita novidade do processo, formas, pensar diferente. Eu imagino que é um ambiente muito rico para pessoas que têm a mesma crença poderem compartilhar, aprender, e quem sabe dali saiam grandes soluções para que possamos ter um futuro melhor para todos.
Fonte: Estadão