Empresas como iFood, Rappi e Aiqfome ampliam serviço para itens de supermercado e farmácia
Por Daniela Braun
Aplicativos de entrega de comida pronta se adaptam a um novo perfil de consumidor, diferente daquele que no auge da pandemia ficava mais em casa e acionava mais o serviço de “delivery”. Com a inflação e juros em alta, e os restaurantes sem espaço para absorver aumento de custos, os pratos estão mais caros e o brasileiro reduz os pedidos para equilibrar o orçamento.
E uma parte do público, que tem maior poder de compra, está preferindo voltar aos restaurantes, em vez de comprar comida pronta por aplicativo.
Para não perder receita, a estratégia dos apps como iFood, Rappi e Aiqfome (do Magazine Luiza) é ampliar ofertas e parceiros em categorias como supermercados e farmácias. Os restaurantes, por sua vez, buscam ampliar os canais de delivery direto para reduzir custos e conhecer melhor os clientes (ver Foco das grandes redes é usar mais canais diretos).
O recuo da demanda foi detectado por uma pesquisa do Google Trends: de janeiro a junho houve queda de 45% nas buscas pela palavra “delivery” em relação ao mesmo período de 2020, no início da pandemia. Outra pesquisa feita em março, também pelo Google, mostra que 29,2% dos brasileiros diminuíram as visitas a restaurantes e lanchonetes e que 21,8% reduziram a frequência de pedidos de “delivery” de comida ou bebida em relação a fevereiro.
O cenário, que mudou também em outros países, se refletiu no resultado global do iFood, que detém 80% do mercado brasileiro de entrega de refeições prontas, segundo dados da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel). No ano fiscal encerrado em março, a empresa registrou um prejuízo de US$ 206 milhões e teve um recuo de 66% no lucro operacional para US$ 10 milhões, embora a receita tenha crescido 29% para US$ 991 milhões no período.
O novo cenário também trouxe, na esteira da inflação alta, juros subindo e menos dinheiro disponível para as empresas.
“Com menos acesso a capital, a recomendação básica de todas as empresas é buscar a eficiência”. diz Roberto Gandolfo, vice-presidente de logística e restaurantes do iFood, sobre os cortes na equipe. Em junho, a empresa fez demissões no Brasil e reduziu pela metade as novas contratações.
A volta do consumidor ao salão do restaurante é vista como positiva pelos aplicativos de “delivery”, mesmo que concorra com as entregas. “A volta é importante para que os restaurantes se fortaleçam, retomem o fluxo de caixa e o equilíbrio”, diz Gandolfo.
Mesmo com o salão aberto, boa parte dos restaurantes enfrenta problemas. Dos 1.689 estabelecimentos pesquisados pela Abrasel 29% tiveram prejuízo, 36% ficaram em equilíbrio e 35% geraram lucro em maio. “A inflação pega todo mundo, do estabelecimento ao consumidor”, diz Paulo Solmucci, presidente da Abrasel. Ele afirma que a inflação do setor está em torno de 16%, nos últimos 12 meses, acima da inflação do país (IPCA/IBGE) que está quase em 12%. “Os estabelecimentos só conseguiram repassar 6,3% deste custo”, diz.
Para não perderem clientes, em maio, 45% dos bares e restaurantes pesquisados reajustaram os cardápios abaixo da inflação oficial. Já as taxas que os restaurantes precisam pagar às plataformas de “delivery” são repassadas no cardápio ou no serviço de entrega.
Gás, água, produtos para animais de estimação e itens de mercadinhos de bairro entraram no sortimento do Aiqfome neste ano. “Como a entrega de comida teve queda, apostamos em outras categorias essenciais que o cliente vai demandar de qualquer forma”, diz Igor Remigio, CEO do Aiqfome.
Desde janeiro, a participação de outras categorias, além de comidas prontas, dobrou para 5%. Até o fim do ano, a meta é chegar a 7% e ampliar a oferta de produtos com itens do Magazine Luiza.
O plano de chegar a restaurantes de 1.000 cidades brasileiras com o Aiqfome até o fim do ano, foi mantido – hoje são 771. Mas com foco em cidades de até 300 mil habitantes, não em mais em municípios acima de 500 mil moradores. “Restaurantes estão com sede de novos parceiros após a saída da Uber Eats”, diz Remigio. O aplicativo de entrega de comida da Uber deixou o Brasil em março.
O Rappi ampliou parcerias com supermercados, farmácias, lojas e atacados. “Em 2021, quase triplicamos o número de parceiros na comparação com 2020”, diz Luiz Tavares, diretor de supermercados e farmácias do Rappi Brasil. De janeiro a julho houve um aumento de 167% no volume de parceiros que não são restaurantes em relação a 2020. Paralelamente, o RappiBank, banco digital do Rappi, lançou a antecipação de recebíveis a estabelecimentos parceiros, com taxa de 1,49% até o fim do mês.
“A entrega de [itens de] supermercados amplia o sortimento e dá acesso a muitas categorias, o que ajuda sustentar crescimento no longo prazo”, diz Gandolfo, do iFood. No mês passado, o volume de lojas ativas no app cresceu 54,1% em relação a julho de 2021. Outra estratégia de geração de receita da empresa foi o serviço Cardápio Digital, lançado em agosto do ano passado. Pagando uma mensalidade, o restaurante pode divulgar suas opções por WhatsApp, site e redes sociais, administrando os pedidos em uma só tela.
Enquanto os aplicativos buscam novas fontes de receita, restaurantes procuram reduzir a dependência das plataformas oferecendo entregas diretamente. “Antes da pandemia, o critério para um restaurante ser bem-sucedido era a localização, mas depois passou a ser a oferta em múltiplos canais”, diz Ingrid Devisate, diretora do Instituto Food Service Brasil.
Uma pesquisa do IFB com 72 mil consumidores mostra que a fatia de fast-food cresceu de 24% para 25% no total de pedidos de “delivery”, entre o primeiro trimestre de 2021 e os três primeiros meses deste ano. O volume de pedidos em sites diretos das redes cresceu de 15% para 17% no mesmo período.
Solmucci, da Abrasel, diz que o “delivery” chegou a um momento de estabilidade. Após ter representado mais de 80% do faturamento de restaurantes e bares no auge do isolamento social no país, a entrega tem hoje 20% de participação nesse bolo, o dobro do que tinha em 2019. “Passado o foco em sobreviver, os restaurantes estão começando a entender as oportunidades e riscos dos apps, bem como a necessidade de formar uma clientela própria”, afirma.
A ampliação de canais diretos de vendas por grandes redes de restaurantes foi o atrativo para a vinda da suíça Menu Technologies ao Brasil. Fundada em 2014, em Zurique, a fornecedora de tecnologia para gestão integrada de diferentes plataformas de vendas de restaurantes abriu a subsidiária brasileira em maio. O foco inicial está em redes que já são clientes globais como Burger King, KFC e Papa John´s. “A maior dependência das empresas de ‘delivery’ é uma grande dor do mercado, que se intensificou na pandemia”, diz Gabriela Conrado Alves, gerente global de contas da Menu Technologies, que atuava na Uber Eats.
A empresa conversa com a Abrasel para adaptar seu sistema ao padrão aberto de programação Open Delivery para facilitar o uso de múltiplas plataformas e aplicativos de vendas pelos restaurantes. “No dia-a-dia, atender salão e ‘delivery’ é difícil porque as plataformas e tecnologias estão separadas”, diz Bruno Henrique Dutra Pereira, que veio do Rappi para atuar como gerente geral de vendas da Menu para o Brasil. Em junho, Rappi e Americanas Delivery anunciaram a adesão ao padrão Open Delivery. Segundo a Abrasel, coordenadora do projeto, mais de 200 empresas estão testando o Open Delivery em operações de logística, pedidos, cardápios e conciliação de pagamentos.
Fonte: Valor Econômico