Por Mariana Desiderio
A marca M.Officer era febre entre os jovens nos anos 1990 e chegou a ter mais de 200 lojas. Hoje está à míngua, com apenas 12 lojas próprias e quatro franquias. O grupo que controla a marca entrou em recuperação judicial essa semana, com R$ 53,5 milhões em dívidas, alegando dificuldades em competir com os produtos asiáticos. Mas a crise da marca começou muito antes. Entenda a derrocada.
Da criação ao auge
Foi hype entre os jovens nos anos 80 e 90. Fundada em 1986 pelo estilista Carlos Miele, a marca rapidamente virou objeto de desejo, fazendo sucesso em especial em São Paulo. “Nos anos 1980 você não era ninguém se não tivesse uma calça da M.Officer”, diz Ana Paula Tozzi, CEO da AGR Consultores.
Em um mercado fechado, virou sinônimo de luxo ao lado de marcas como Zoomp, Ellus e Fórum. O mercado brasileiro ainda era fechado a grandes marcas estrangeiras. Isso abriu espaço para as marcas nacionais. “O Brasil não tinha mercado de luxo, então o luxo aqui eram essas marcas premium brasileiras”, diz Alberto Serrentino, fundador da consultoria Varese Retail.
A abertura de mercado tornou o setor mais competitivo. Com a abertura do mercado em 1992, e o Plano Real em 1994, o consumidor começou a ter mais acesso a marcas internacionais como Diesel e Levi’s. Marcas com origem no varejo também começaram a ganhar espaço no mercado premium, acirrando a concorrência no setor, diz Serrentino.
A Zoomp faliu e outras marcas foram vendidas. Já a M.Officer investiu pesado em marketing e virou franquia. Com isso, conseguiu se manter relevante e ampliar rapidamente sua presença no mercado. Em 2006, era a marca de jeans mais lembrada pelas jovens, enquanto concorrentes enfrentavam dificuldades. A Triton e a Forum foram vendidas em 2008. A Zoomp teve falência decretada em 2009. Foi relançada em 2017, após a marca ter sido vendida em leilão.
Fundador Carlos Miele deixou o dia-a-dia do negócio e investiu na carreira de estilista internacional. Desfilou em Londres e vestiu celebridades com Sarah Jessica Parker e Beyoncé. Criou uma grife luxuosa, a Carlos Miele, e chegou a ter lojas em Nova York e Paris. A marca ainda existe, com duas unidades em São Paulo, segundo seu site.
Negócio no Brasil seguia em expansão mesmo sem o dono por perto. Em 2013, a M.Officer chegou a ter mais de 200 lojas e anunciava planos ambiciosos de crescimento.
Trabalho escravo e derrocada
Maré virou no final de 2013 quando a M.Officer enfrentou denúncia de trabalho análogo à escravidão. Um casal boliviano foi resgatado produzindo peças da marca em uma confecção em São Paulo. No ano seguinte, outra ação libertou seis imigrantes bolivianos de uma oficina que também produzia para a empresa. A M.Officer foi condenada a pagar R$ 6 milhões por danos morais e dumping social, que ocorre quando empresas desrespeitam os direitos trabalhistas com o objetivo de obter vantagem econômica sobre a concorrência.
Além do impacto das denúncias, a marca passou a perder mercado para grandes magazines. Lojas como Renner, C&A e Riachuelo passaram a investir em lojas mais atrativas ao consumidor e em peças com algum apelo de moda, só que bem mais baratas, diz Marcelo Cherto, CEO da Cherto Consultoria.
Em 2016, Miele retomou a direção criativa da M.Officer. Ele permanece como único dono da empresa, conforme o pedido de recuperação judicial. Mas a volta do fundador não foi suficiente para reerguer a marca, que definhou rapidamente.
Em dez anos, encolheu para uma rede de apenas 16 unidades, sendo 12 lojas próprias e 4 franqueadas. Das unidades próprias, sete ficam em shoppings em São Paulo. Já as franquias estão todas fora das capitais: uma em São Bernardo do Campo (SP), uma em Ourinhos (SP), uma Sinop (MT) e uma em Rondonópolis (MT), segundo o site da marca.
No pedido de recuperação judicial, a empresa diz que vive uma crise ‘passageira’. As dificuldades são atribuídas principalmente à pandemia e à concorrência desigual com e-commerces asiáticos. A recuperação judicial tem como objetivo dar fôlego para uma empresa se recuperar de uma situação financeira difícil, reestruturar a sua dívida e evitar a falência.
Empresa foi afetada pelas vendas de sites asiáticos. No pedido à Justiça, os advogados afirmam que as empresas internacionais vendem no Brasil “sem contratar funcionários brasileiros, tampouco estar sujeitos ao recolhimento de todos os tributos recolhidos pelos empresários e sociedades empresárias instalados no Brasil”.
Na pandemia, a M.Officer teve queda de 91% nas vendas. Também teve que enfrentar “grande inadimplência por parte de seus clientes do atacado”, diz o documento. A empresa enfrenta ainda “sérias restrições na obtenção de capital de giro” junto aos bancos. A restrição de crédito, prejudica a continuidade de suas operações, continua o pedido de proteção contra credores apresentado à Justiça. A empresa informou ainda que a pandemia fez com que a matéria-prima utilizada tivesse seu “preço alterado para um patamar jamais praticado”.
Erros de gestão e distância do consumidor
Para analistas, a crise da marca é antiga. Segundo Serrentino, da Varese Retail, as dificuldades internas foram agravadas pelas crises econômicas de 2008, de 2015 e pela pandemia. “Tudo isso pega uma empresa que já está frágil e ela passa a ter um problema crônico de liquidez”, diz.
A marca não conseguiu se manter relevante, nem se conectar com as novas gerações. Também entrou tarde no online, e o que trouxe dificuldades extras na pandemia, diz Tozzi, da AGR Consultores. Com a redução drástica do número de lojas, perdeu poder de negociação com fornecedores. Isso tornou mais difícil trazer variedade para as coleções, além de encarecer o produto e reduzir a margem de lucro, continua a consultora.
As dificuldades de gestão não são raras em empresas de moda. Muitas vezes fundadas por designers e estilistas, elas podem sofrer se não olharem com atenção para a eficiência na gestão e as tendências do mercado, lembra Cherto. Para sobreviverem, muitas marcas têm se associado em holdings, com o objetivo de ganhar escala e eficiência na gestão. O maior exemplo do modelo hoje é o Grupo Soma, dono de marcas como Farm, Animale e Hering.
É uma marca que vem perdendo expressão faz tempo. É fácil colocar a culpa na pandemia, mas o problema já vinha de antes.
Marcelo Cherto, CEO da Cherto Consultoria
As marcas que estão aí até hoje têm eficiência de gestão. Se não entender as mudanças do público consumidor e do mercado, um dia você pode acordar e descobrir que ficou velho.
Ana Paula Tozzi, CEO da AGR Consultores
Em que pese as dificuldades e retrações enfrentadas pelo setor de vestuário nos últimos anos, as Requerentes têm total confiança de que a crise de liquidez enfrentada é passageira, decorrente exclusivamente do atual contexto acima delineado, ocasionado pelo momento atípico de conjugação de fatores perniciosos, que não deve afetar de modo definitivo a solidez das atividades desenvolvidas.
Pedido de recuperação judicial da M.Officer
Fonte: UOL