Conheça a varejista que reinventou o conceito de R$ 1,99 no Brasil ao vender produtos inusitados, coloridos e que você não sabia que precisava
Não vale e falar que é bugiganga. Vale dizer – ao menos para os japoneses – que você não imaginava que precisava daquele produto até conhecê-lo, comprar e sair usando por aí. Entre pegadores de moeda, shoyu sem conservante ou açúcar, galão de água dobrável, porta tomate e cortador de manga, a rede varejista Daiso oferece no Brasil até 3,5 mil produtos importados. Em comum, todos eles são criativos, inusitados e coloridos – e (quase) todos são vendidos ao preço fixo de R$ 6,99. Ao reinventar no Brasil o conceito que surgiu com as lojas de R$ 1,99 nos anos 90, a Daiso tem conseguido conquistar o público paulista. A rede japonesa, que chegou ao país em 2012, abre em média uma loja por mês no estado de São Paulo e mantém o ritmo de crescimento a despeito do dólar em alta e de uma das maiores crises das últimas décadas no varejo brasileiro.
“A gente cria a necessidade nas pessoas. Por exemplo: ela gosta de comer salada, nós trazemos o porta-salada”, diz Reginaldo Gonçalves Paulista, gerente-geral da Daiso Brasil. Tenta-se replicar, por aqui, um forte hábito do Japão: presentear as pessoas. “O brasileiro acaba entendendo que um presente não precisa ser caro. Tem que ser interessante e criativo. E é aí que entramos”, explica o executivo, traduzindo o nome da empresa: “Daiso significa grandes criações”.
Atualmente, a rede conta com 18 lojas e 230 funcionários no Brasil. Com um faturamento de R$ 60 milhões no país em 2015, a empresa espera aumentar as receitas neste ano com a abertura de até dez lojas no estado de São Paulo. Na primeira quinzena de março, será inaugurada uma unidade no Shopping Aricanduva. As próximas serão abertas no bairro do Butantã e no shopping Cantareira Norte Shopping. Em paralelo, a varejista estrutura o e-commerce que será lançado ainda no primeiro semestre de 2016. Por enquanto, todas as movimentações e aberturas dizem respeito à grande São Paulo. A expansão é cautelosa, “sem dar o passo maior que a perna”, como Paulista diz.
A estratégia
Uma das maiores redes varejistas de preço fixo do mundo, a Daiso foi fundada no Japão em 1972 por Hirotake Yano. Hoje presidente da rede, Yano trabalhava como vendedor ambulante e começou vendendo produtos por 100 ienes (R$ 3,50). Em 1977, ele fundou a Daiso-Sangyo, a franquia de preços únicos que atualmente está em 28 países, soma 4,2 mil lojas e oferece no total mais de 70 mil itens. São 1 milhão de pantufas vendidas por mês e 2 milhões de gravatas todos os anos.
Ao que tudo indica, a Daiso tem conseguido replicar no Brasil tanto os preceitos de gestão das empresas japonesas (organização, disciplina, cultural formal e meritocracia) quanto o modo oriental de estruturar as lojas. Não abrem mão da variedade e investem muito em detalhes estéticos. Entrar em uma loja Daiso no Brasil é de certo modo se aventurar entre aquilo que te interessa, aquilo que você não sabe por que existe e aquilo que causa certa estranheza.
Embalagens vêm traduzidas e muitos dos produtos trazem estampas com desenhos na linha “fofinhos e coloridinhos”. Uma conversa recente entre funcionários e gerentes da rede trouxe à tona que muitos dos brasileiros não entendem o que é dito a eles quando eles entram nas lojas da rede (Irashaimasse!!) ou por que certas coisas funcionam naquele modus operandi. Foi para esclarecer esses pontos, segundo Paulista, que surgiram as placas que hoje enfeitam o topo das gondôlas. Está ali escrito desde o jeito certo de se pronunciar Daiso até o significado de Irashaimasse. Ficou curioso? É ‘bem-vindo’.
Com fábricas no Japão, Tailândia e China, entre outros países, os artigos produzidos são disputados pelas 4,2 mil lojas da Daiso em uma espécie de ‘leilão online’ que funciona 24 horas por dia. Cada unidade faz seu pedido e ‘torce’ para conseguir aprovação. Produtos muito disputados acabam ficando na Ásia, por um questão de proximidade. Pedido aprovado, ele demora dois meses e meio para chegar às lojas brasileiras – isso se não houver algum problema aduaneiro. A distância tem seu preço. Cerca de 10% das porcelanas (um dos itens mais vendidos) chegam quebradas. Dos alimentos, 50% dos importados são perdidos.
Para diminuir as perdas, a Daiso diz que seu maior investimento é justamente nessa logística. A rede contratou consultorias, nomeou quatro funcionários somente para cuidar dos pedidos e criou a sua ‘gestão de estoque zero’. Com novos sistemas e melhor comunicação entre lojas e gerências, foi definido quais eram os 500 produtos que precisavam ser respostos regularmente, considerando sua representavidade de vendas. O restante do estoque é investido em novidades – e seu giro, na teoria, é constante. Só na unidade da Rua Direita, no centro de São Paulo, 30 mil produtos chegam todas as semanas. “Com o dólar a esse preço, cada dia a mais no estoque é muito prejuízo”. A rede, contudo, sofre críticas de clientes em seu principal canal de comunicação: o Facebook. Muitos afirmam que as novidades ‘somem’ rápido e eles dificilmente tem uma segunda chance de comprar a mercadoria.
E a crise?
A Daiso chegou em dezembro de 2012 ao Brasil prometendo “preço único com produtos de qualidade”. Os R$ 5,99, contudo, transformaram-se em R$ 6,99 quando o dólar ultrapassou R$ 3. Esse valor fixo representa hoje 80% de seus produtos, mas 10% já estão a R$ 7,99. Há ainda itens a R$ 14,99 e R$ 19,99. Apesar dos aumentos, a varejista tem passado a mensagem aos clientes de que “não participará da crise”. “Se fizéssemos o reajuste conforme a crise, o preço base seria, no mínimo, R$ 13,99”, afirma Paulista. “Mas diminuir bem as margens é a nossa estratégia para ganhar mercado”. A rede ainda não dá lucro no Brasil. A expectativa é que isso ocorra já no ano que vem.
Além de tentar segurar o preço, a Daiso investe em parcerias com empresas e produtos próprios para o mercado brasileiro, como o shoyu sem conservantes que lançou em janeiro. Sua expansão conta com a parceria da rede de supermercados Hirota. Atualmente, metade das lojas Daiso funciona em unidades do Hirota. “Para a gente é bom, porque ela é uma rede muito respeitada e idônea. Para eles, porque acaba atraindo mais clientes para supermercado”.
Antes de dar certo, veio o susto
Os japoneses estavam botando fé no Brasil – mas quase desistiram. A abertura da primeira loja da Daiso no país em 2012 gerou filas – mesmo quase sem divulgação. Um estoque providencial de três containers garantiria o abastecimento e muitos funcionários – em sua maioria descendentes japoneses – pareciam dispostos a replicar por aqui o sucesso conquistado lá fora. Mas era junho de 2013.
A manifestação contra o reajuste das passagens de ônibus ganhava força e também gerava violência por parte de alguns grupos isolados em São Paulo. Na noite em que esse pequeno grupo tentou invadir a Prefeitura e pichou o Theatro Municipal, as depredações também tomaram conta das lojas da Rua Direita. “Virou um mar de peças e vidros”, lembra Paulista. Caixas foram danificados, estantes reviradas e produtos roubados. “Foi muito triste. Os japoneses se assustaram e até pensaram em ir embora”, diz o executivo referindo-se aos funcionários que vieram ao Brasil de modo temporário para tocar a implementação da rede.
Era importante que a primeira unidade desse certo, porque ela seria “o case” do Brasil, o termômetro para avaliar se a loja que oferecia produtos inusitados e coloridos – até demais para os padrões brasileiros – iria vingar. Um relatório foi enviado pela equipe brasileira para dizer “ao Japão”, como gostam de se referir à sede, que tudo estaria de pé em uma semana. Um dia passou e, com uma boa dose de empenho e criatividade, as portas se abriram novamente. As estantes foram erguidas com prateleiras de papelão e o que restou no estoque foi posicionado de forma estratégica, disfarçando espaços vazios ou danificados. “Não podíamos deixar que eles desistissem daqui”, conta Paulista. Os japoneses até foram embora, mas deram o aval para que os brasileiros construíssem e montassem sozinhos a segunda loja da rede, no Tucuruvi. Começava assim a expansão da Daiso no país. Considerando o ritmo atual, os brasileiros parecem ter aprendido como fazer.