Antes visto apenas como concorrente, o comércio eletrônico começa a fazer parte do modelo de negócios dos shopping centers. Depois da Cyrela Commercial Properties (CCP), foi a vez de o Shopping Cidade Jardim, do grupo JHSF, criar seu “marketplace” – portal na internet que reúne diversas marcas e lojistas – em 30 de setembro. Neste primeiro semestre, Iguatemi e Sonae se preparam para lançar seus serviços de venda pela web.
Outros projetos, como da Multiplan, devem ser implementados até dezembro. Glauco Humai, presidente da Abrasce, associação que reúne as principais companhias do setor, estima que em até um ano e meio todos os grandes grupos de shoppings centers do país terão colocado em prática iniciativas para integrar as lojas físicas de seus empreendimentos ao mundo digital.
“Há um novo entendimento de que o varejo hoje não pode ser dividido entre físico e on-line”, diz Humai. “O varejista tem que estar disponível para atender o consumidor 24 horas.” O cliente escolhe a que horas compra, seja no horário comercial ou no meio da madrugada, e onde terá o produto entregue – se na sua casa, no escritório ou numa loja das redondezas. De preferência, no menor prazo possível.
Ter um papel relevante nesse novo cenário é o grande desafio do varejo como um todo, e maior ainda para os shoppings, projetos imobiliários por definição, que são remunerados com um valor fixo pela locação de espaços e por uma parcela variável, relacionada ao faturamento das lojas instaladas nos empreendimentos.
Em meados de 2017, as empresas do setor discutiam na Abrasce formas de cobrar algum tipo de taxa das varejistas nas situações em que o cliente compra no site da marca e apenas vai buscar o produto na loja do shopping, no sistema conhecido como “retira em loja”. As operadoras dos shoppings argumentavam que esse tipo de venda não entrava na contabilidade do empreendimento, embora sua estrutura tenha sido usada.
Não se encontrou uma solução para a questão, mas Humai afirma que a discussão está “mais apaziguada”. Cada shopping tem buscado seu próprio caminho para entrar no mundo digital e, embora existam nós a serem desatados, o setor percebeu que há concessões a serem feitas em alguns momentos para obter ganhos em outros. “Há entendimento mais maduro de que há perdas e ganhos no processo.”
Criar “marketplaces”, oferecendo aos lojistas serviços de infra-estrutura tecnológica, numa plataforma integrada de pagamento e logística para entrega dos produtos, é uma das saídas. “O modelo de ‘marketplace’ traz para o mundo virtual a mesma lógica do shopping físico, de curadoria de marcas e comodidade para o consumidor”, diz Cristina Betts, vice-presidente de Finanças do grupo Iguatemi. “O cliente pode fazer compras de diversas lojas em um carrinho único, numa mesma plataforma de pagamento.”
O Iguatemi planeja lançar seu portal de vendas on-line no primeiro semestre deste ano, com produtos de 60 a 70 grifes parceiras de seus 17 empreendimentos no país. Trata-se de um canal complementar. “Nada impede que a marca tenha seu próprio site”, diz Betts.
Concorrente direto no atendimento ao consumidor de alta renda, o Shopping Cidade Jardim, em São Paulo, lançou seu “marketplace” há pouco mais de três meses, com cerca de 50 marcas participantes, como Giorgio Armani, Omega e Trousseau. Há possibilidade de entrega para todo o Brasil, com transportadoras parceiras. Na Grande São Paulo, o consumidor pode receber no mesmo dia pedidos feitos até as 14h.
Thiago Alonso, CEO da JHSF Malls, diz que o fundamental para a entrada dos shoppings no comércio eletrônico é ter claro seu papel de facilitador na relação do consumidor com o varejista e não de concorrente. “Quando eu trago tecnologia capaz de conectar o cliente com o estoque que está na loja, aprofundo o meu relacionamento com o lojista”, diz.
Ele cita o projeto desenvolvido com a grife de calçados e acessórios Aquazzura como exemplo dessa parceria. Enquanto as obras da loja física no empreendimento não ficavam prontas, em outubro, a marca começou a expor seus produtos no “marketplace”. “Quando abriram as portas, um mês depois, metade do estoque já estava vendido”, afirma Alonso.
A ideia é que, num prazo de até dois anos, 1% a 1,5% das vendas do Cidade Jardim sejam feitas por esse canal. Para o Iguatemi, a projeção é que, num prazo de três a cinco anos, seu “marketplace” tenha faturamento equivalente a de um shopping físico do grupo.
Nesse novo cenário, os shopping centers também estão descobrindo um novo papel: o de minicentros de distribuição de mercadorias.
“No Brasil, os shoppings estão dentro das cidades, mais perto da casa do cliente que os centros de distribuição [tradicionais]. O estoque da loja já está ali, o custo de entrega é menor. O e-commerce representa uma venda adicional para esse lojista”, diz Vicente Avellar, diretor de operações da BR Malls, maior empresa de shoppings do país, com 40 empreendimentos.
O grupo comprou em maio de 2018 uma participação minoritária na empresa de entregas brasileira Delivery Center. A startup monta centros de expedição de produtos no estacionamento dos shoppings. De lá saem os pedidos feitos pelos consumidores para locais que estejam, no máximo, a uma hora de distância. É uma ferramenta para entregas rápidas, um dos novos focos de competição do comércio eletrônico no mundo todo.
Trata-se de uma plataforma aberta, que presta serviço ao grupo e a shoppings concorrentes e permite a integração com outros serviços de entrega, como o iFood. O projeto começou em empreendimentos de Porto Alegre e do Rio, como o Shopping Tijuca, e no fim de 2018 iniciou a expansão em São Paulo, com o Shopping Santa Cruz. Atualmente está em 12 – sendo cinco da BR Malls e sete de concorrentes, como o Botafogo Praia Shopping, da Ancar. A previsão é que a até o fim deste mês sejam 21. Em cinco anos, a meta é ter 200 empreendimentos.
Para Avellar, o projeto aproxima o consumidor do shopping, em vez de afastá-lo. “O shopping passa a ser um vizinho mais próximo da vida dele. Esse mesmo cliente que faz uma encomenda pela internet, continua tendo o desejo de socialização de ter experiências que o shopping pode e deve proporcionar. São coisas complementares.”
A visão é compartilhada por Daniel Peres, gerente do departamento de inovações digitais da Multiplan, que também está entre as maiores empresas de shoppings do país e é dona de empreendimentos como o Morumbi Shopping, em São Paulo, e do Barra Shopping, no Rio. “O mundo virtual é um complemento do mundo real. O homem é um ser gregário e não sobrevive sem o contato humano. A tecnologia será mais um canal de distribuição para os shoppings”, afirma.
A Multiplan prepara o lançamento de uma plataforma de vendas on-line para este ano, mas não dá detalhes do projeto. O grupo português Sonae anunciou em novembro que também terá a sua. “O projeto será iniciado no Parque D. Pedro Shopping, em Campinas [SP], e depois se expandirá a outros empreendimentos do portfólio”, disse o CEO da companhia, José Baeta Tomás, em evento com investidores.
Com seis empreendimentos nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Goiás – como o Shopping Cidade São Paulo e o Tietê Plaza Shopping, na capital paulista -, a Cyrella Commercial Properties foi pioneira em lançar o “marketplace” On Stores, em dezembro de 2017. Inicialmente experimental, o projeto ganhou fôlego a partir de maio, com a campanha do Dia das Mães, conta Pedro Daltro, presidente da CCP.
O shopping virtual da CCP reúne 300 lojistas, de um total de 1,3 mil a 1,4 mil que têm contrato com o grupo em seus centros de compra. Mesmo sem toda a base presente, na Black Friday (promoção comercial realizada no fim de novembro), a On Stores representou 5% das vendas totais dos seis shoppings do grupo. “Superou as expectativas”, diz.
Para ficar longe de polêmicas com redes que já possuem seus próprios sites, o projeto começou com foco nos lojistas menores, que não têm estrutura para montar sua própria operação de comércio eletrônico. E com uma peculiaridade: a compra é on-line, mas o consumidor precisa ir até a loja retirar o pedido – o objetivo é abrir possibilidade para novas vendas, de um produto, um sorvete ou um serviço.
Daltro reconhece, no entanto, que receber sua encomenda em casa é uma demanda do consumidor. Para este ano, a ideia é iniciar o serviço de entrega, mas sempre dentro do raio de influência de cada shopping, o que significa uma distância de 5 km a, no máximo, 10 km. O objetivo é garantir que o produto saia do estoque da loja que está instalada no empreendimento, proporcionando uma venda adicional.
A CCP também está em negociações para trazer lojas âncoras — varejistas maiores, que já têm seus próprios sites e figuram em outros “marketplaces” do mercado – para o projeto. Ele não revela termos dos acordos em andamento, mas faz questão de deixar claro: “Nossa ideia não é ganhar dinheiro com a plataforma, mas melhorar a performance de vendas. Não queremos competir com o varejista.”
O fato de as negociações com as grandes redes terem ficado para um segundo momento mostra que, apesar de os shoppings terem avançado em seus projetos de integração com o mundo on-line, essa discussão ainda está longe de terminar.
Fonte: Valor Econômico