A crise política desencadeada pelas delações dos irmãos Batista, controladores da JBS, envolvendo o presidente Michel Temer, já começa a emperrar as negociações entre os varejistas e seus fornecedores.
O temor de que o país volte a viver o mesmo clima de falta de confiança de agosto de 2016, quando foi votado e aprovado o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, está esvaziando a clientela das lojas.
Em consequência, os comerciantes começam a rever os pedidos de compra e a pedir maior prazo de pagamento para as indústrias.
“Parou tudo. Os lojistas não querem nem receber os representantes das confecções. Voltou a cair a confiança no país e nos negócios”, afirma Ronald Masijah, presidente do Sindivestuário, entidade que reúne as confecções, e sócio-diretor da Darling, uma das mais tradicionais marcas nacionais de lingerie.
A Darling possui 40 representantes de vendas, que mantêm contato, mensalmente, com cerca de 1.500 clientes espalhados pelo país. “Os lojistas dizem que vão aguardar o desfecho do caso da JBS e querem esperar um pouco mais para ver a reação dos consumidores, que já se mostram mais inseguros”, diz.
Com ele concordam fornecedores da indústria. “Depois que estourou essa bomba na política as compras do comércio travaram”, afirma José Carlos Fernandes Jr., dono da Look Like, empresa que representa confecções de Santa Catarina, Ceará, Rio de Janeiro e São Paulo.
Fernandes Jr. relaciona-se, a cada mês, com 25 redes de lojas, que operam aproximadamente 400 pontos de venda no país. De acordo com ele, no primeiro trimestre, o volume de pedidos das redes superou o de igual período do ano passado.
“Depois do caso da JBS, os negócios diminuíram em cerca de 30%. Os lojistas estão ressabiados, ninguém quer estocar produtos. A compra de peça está sendo bem pontual”, diz ele.
Quem realizou encomendas para as fábricas no início deste mês fez revisão de volumes. Alguns lojistas também estão pedindo prorrogação de prazos de pagamento para as fábricas, de acordo Sandro Benelli, consultor de varejo.
Um dia depois que os vídeos dos irmãos Joesley e Wesley Batista foram divulgados, as lojas ficaram vazias, de acordo com depoimentos de comerciantes. Logo depois, reapareceram, mas mais cautelosos com os gastos do que antes.
Com 19 lojas, a rede Beluga, especializada em roupas femininas, registrou queda de 10% nas vendas após o caso JBS.
Geralmente, após o Dia das Mães, a segunda melhor data do ano para o comércio, as vendas diminuem, especialmente para as lojas de roupas, sapatos e acessórios.
“Mas o fato é que, até então, havia uma sensação de retomada da economia no ar. Nesses últimos dias, ouvi lojista falar em queda de até 25% nas vendas”, afirma Marcelo Salomão, sócio da Beluga.
“O episódio foi como um banho de água fria na esperança de todo mundo”, diz Paulo Matos, diretor da Tommy Hilfiger, rede de origem holandesa com 15 lojas próprias, 22 franquias e 800 multimarcas.
Depois de mais de dois anos de crise, de acordo com Matos, os lojistas estão bem mais conservadores com as compras. O episódio da JBS tornou, ao menos neste primeiro momento, os negócios mais difíceis.
Nos últimos dois anos, diz ele, entre 5% e 8% dos clientes da Tommy Hilfiger – que é parceira no Brasil da Inbrands, por meio de uma joint-venture – quebraram ou estão inadimplentes.
Em um encontro do grupo Acelera Varejo, que reuniu, na quinta-feira (25/05), cerca de 100 lojistas, o diagnóstico era que a crise política já havia provocado queda de vendas nas lojas.
O tema principal do encontro era sucessão em empresas familiares, com a palestra de um profissional, mas o episódio da JBS e os seus efeitos acabaram tomando uma parte do tempo.
“Há dez dias os negócios estão mais inseguros”, afirma Pompeu Belusci, sócio da Di Pollini, rede de 20 lojas de sapatos masculinos, e um dos organizadores do grupo Acelera Varejo.
A partir de março, segundo ele, os lojistas puderam sentiram uma recuperação nos negócios. Abril foi um mês atípico, por conta dos feriados, e a expectativa era que as vendas voltassem com mais força a partir de maio, impulsionadas pelo Dia das Mães.
A data até que trouxe um alívio para as lojas. Na primeira quinzena deste mês, as vendas das lojas paulistas subiram 1,25% na comparação com igual período do ano passado, de acordo com a Associação Comercial de São Paulo (ACSP).
Os comerciantes temem que o resultado da segunda quinzena volte a ser negativo. Tudo vai depender, dizem eles, da duração da crise política.
Antes mesmo do episódio JBS, o INC (Índice Nacional de Confiança), levantamento da Ipsos para a Associação Comercial de São Paulo já apontava que a confiança do consumidor continua no campo do pessimismo.
Em maio, o indicador, que varia entre zero e 200 pontos, atingiu 68 pontos, menor até do que o de janeiro (77), o de fevereiro (74) e o de março (71). Em abril, o INC bateu em 66 pontos.
“A economia brasileira continua no fundo do poço. É difícil afundar mais. O INC é um dos mais baixos da história”, diz Emílio Alfieri, economista da ACSP.
O enfraquecimento das venda nos últimos dias, de acordo com Alfieri, é reflexo da crise política somado à ressaca do Dia das Mães.
Nos últimos 12 meses terminados em março, as vendas no varejo registraram queda de 5,3%, de acordo com o IBGE. Até fevereiro tinha sido de 5,4% e, até janeiro, de 5,5%, considerando o período de 12 meses.
Se continuar nesse ritmo, a queda de vendas do varejo em 12 meses, no final do ano, deve chegar a 5%, de acordo com Alfieri. “Não será um número positivo, mas a queda nas vendas terá sido inferior à do ano passado”, diz Alfieri.
Não há como prever uma recuperação mais rápida da economia com uma taxa de desemprego perto de 14% – o que representa cerca de 14 milhões de desempregados -, somada à grave crise política que o país atravessa.
“As empresas estão muito machucadas, tentando ganhar fôlego e agora recebem essa bordoada na cabeça”, diz Fábio Silveira, sócio-diretor da consultoria MacroSector.
A economia deve ficar travada, diz Silveira, pelo menos até a decisão do TSE sobre a participação de Michel Temer em irregularidades na campanha presidencial de 2014, quando era vice de Dilma.
“As empresas ainda estão absorvendo o impacto dessas delações, o pessoal do setor está perplexo, assim como toda a sociedade. É um momento de parar e avaliar”, diz Edmundo Lima, diretor executivo da Associação Brasileira do Varejo Têxtil (ABVTEX).
De acordo com ele, ainda não há notícias de que os associados, que representam as maiores redes do varejo de moda do país, tenham sentido uma mudança drástica nas vendas e ou nas compras das indústrias.
“Existe uma apreensão maior, mas é preciso esperar mais um pouco para ver o impacto de toda essa crise”, diz ele.
A esperança dos lojistas, agora, está nas vendas para o Dia dos Namorados e para o Dia dos Pais. A Di Pollini está com a produção de nova coleção de sapatos planejada para essas duas datas. Por enquanto, não pretende alterá-la.
Vale lembrar que, antes da crise e no melhor momento da rede, a Di Pollini chegou a produzir mil pares de sapatos por dia. São atualmente 500 pares. Se vender o que planejou, diz Belusci, já será um bom resultado.
Fonte: Diário do Comércio