Dados colhidos pelos analistas, em reuniões com varejistas digitais, apontam para um crescimento nas vendas acima da expansão do mercado em plataformas como Mercado Livre, Amazon e Shopee
Por Adriana Mattos
Desde as teleconferências de resultados das empresas abertas relativas ao segundo trimestre, as empresas de varejo já sinalizavam que o terceiro trimestre não seria nada fácil, e sinais de fôlego maior apareceriam mais no quarto trimestre. Os efeitos tardios da alta nos juros, que leva um tempo até atingir mais pesadamente o consumo, assim como a ressaca de um período sem datas de vendas fortes — julho a setembro é fraco em ações comerciais —, acabou jogando as expectativas mais positivas para o período a partir de novembro.
Ocorre que esses resultados ainda instáveis em alguns segmentos neste terceiro trimestre — como moda e alimentos, além do recuo no varejo de bens duráveis — pode acabar ampliando as diferenças de desempenho entre as companhias, com uma vantagem maior para as estrangeiras que atuam no comércio eletrônico.
Os últimos dados colhidos pelos analistas, em reuniões com varejistas digitais, apontam para um crescimento nas vendas acima da expansão do mercado em plataformas como Mercado Livre, Amazon e Shopee, empresas sediadas fora do país — sendo que Mercado Livre e Shopee estariam se beneficiando de um portfólio de produtos muito variado e com baixo tíquete médio.
Em encontro da equipe do Goldman Sachs com Fernando Yunes, que lidera a operação do Mercado Livre no país, ele comentou que há um otimismo na empresa com o impulso das vendas totais transacionadas na plataforma (GMV, da sigla em inglês) no terceiro trimestre. Na reunião ocorrida nesta semana, ele disse que há aceleração frente aos níveis do segundo trimestre.
De abril a junho, a companhia cresceu 18,6%. Ao fim do encontro, a equipe do banco passou a estimar avanço nas vendas da empresa no país de 20% de julho a setembro deste ano sobre 2021. Para o quarto trimestre, a estimativa é de alta de 19%.
Para efeito de comparação, o comércio eletrônico no país cresceu entre 3% e 6% de janeiro a junho, a depender da fonte de dados, portanto, um nível bem abaixo do Mercado Livre.
Se alcançar esse desempenho de dois dígitos, a companhia deve voltar a superar com folga a expansão média do setor no acumulado do ano.
Nessa mesma linha, a Amazon também deve ter tido um crescimento acima do mercado no terceiro trimestre por conta do volume intenso de ações comerciais que promoveu no intervalo, na visão de analistas de bancos. No período, ocorrem datas tradicionais da companhia no país e no mundo, como o Amazon Prime, com eventos num período difícil para o varejo.
Pesquisa realizada pela consultoria Dunnhumby Brasil, e publicada pelo Valor na semana passada, mostra como as varejistas aparecem no ranking de participação de mercado e o posicionamento de Amazon, Mercado Livre, Americanas e Magazine Luiza.
Na pesquisa de participação dessas empresas na venda on-line de alimentos neste ano, o Mercado Livre vem liderando com 17%, seguido de Amazon, com 15%, e aparecendo com distância maior a Lojas Americanas (11%) e o Magazine Luiza (11%) .
As brasileiras Americanas, Magazine Luiza e Via divulgam seus dados ao mercado no relatório do terceiro trimestre, mas especialistas entendem que a maior dependência, especialmente das duas últimas, da venda de duráveis torna o crescimento delas mais lento, frente aos marketplaces que têm um portfólio de venda menos concentrado em categorias de alto valor e que precisam de crédito para crescer.
A cautela dos shoppings
A decisão da Iguatemi Empresa de Shopping Centers anunciada no último dia 9, de comprar uma participação maior no shopping JK Iguatemi , em São Paulo — adquiriu 36% do empreendimento por R$ 667 milhões —, é um sinal de que há uma postura mais racional de aquisições no mercado. A fatia pertencia à Adeoti Empreendimentos Imobiliários.
Apesar do mercado entender que há boas opções à venda, e os grandes grupos podem aproveitar janelas de oportunidades, os passos dados têm sido mais cautelosos e calculados.
A Iguatemi amplia de 64% para 100% a posição num empreendimento de alto valor e já consolidado, num movimento parecido com a Multiplan, que também decidiu aumentar sua posição em um shopping onde já atuava.
Em agosto, a Multiplan informou que iria adquirir 49,9% do shopping Diamond Mall, localizado na região de Belo Horizonte (MG), e que pertencia ao Clube Atlético Mineiro, numa operação de R$ 340 milhões. A empresa já havia comprado 50,1% das ações do shopping em 2020.
Nos últimos meses, operações envolvendo ativos que estavam sendo negociados no setor acabaram sendo suspensas pelo cenário de múltiplos de empreendimentos ainda elevados e alto custo do capital, o que acaba levando as empresas a adotar postura mais conservadora nas negociações. Em vez de buscar negócios fora de suas praças de dominância, ou arriscar construir empreendimentos, preferem investir em shoppings que já são bem avaliados pelo mercado, e com segurança maior do potencial de crescimento.
Moda em alerta
Um sinal de alerta ganhou força maior no varejo de vestuário depois da publicação dos últimos números de vendas do setor, na semana passada, pelo IBGE, na sua Pesquisa Mensal do Comércio (PMC).
Em julho, na série com ajuste sazonal, houve taxas negativas em sete das oito atividades pesquisadas, e a maior foi verificada em tecidos, vestuário e calçados, com recuo de 17,1% sobre junho, seguido de móveis e eletrodomésticos, com queda de 3%. É o segundo mês consecutivo de retração em moda e calçados, já que em junho sobre maio, o recuo foi de 5,7%.
Em relação ao ano anterior, a queda desse mercado foi de 16,2%. “A atividade deu a terceira maior contribuição para este indicador, contribuindo com queda de 1,3 pontos percentuais. do total de 5,2% [a taxa de queda total do varejo em julho sobre 2021]”, afirma o material de análise do IBGE.
Era aguardado o desempenho de julho para verificar se maio havia sido apenas um desempenho negativo pontual, e haveria uma recuperação posterior, o que acabou não ocorrendo. “Algumas das grandes cadeias comerciais apresentaram redução na receita, sobretudo na parte de calçados”, disse o gerente da pesquisa do IBGE, Cristiano Santos.
Até abril, na comparação meses imediatamente anteriores, o varejo de moda vinha numa tendência mais positiva, com quatro meses seguidos de crescimento. Isso acabava contribuindo para análises mais otimistas das entidades setoriais. Depois da publicação da PMC, a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) reduziu de 1,7% para 1,3% a estimativa de expansão das vendas do comércio varejista em geral neste ano.
Fonte: Valor Econômico