O mercado de trabalho começou a responder com mais força à perda de fôlego da economia no ano passado, mas a retração no crédito, e não na renda, foi a principal influência para a queda de 4% do consumo das famílias em 2015. A avaliação é do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), com base no desempenho da disponibilidade orçamentária dos consumidores. Como, neste ano, a queda da renda deve se acentuar na esteira da expansão da população desempregada, o tombo no consumo tende a se aprofundar, dado a maior participação dos rendimentos no orçamento disponível.
No ano passado, a disponibilidade de recursos que as famílias tinham para gastar, entre empréstimos e rendimentos, diminuiu 3,7% em relação a 2014, em termos reais, segundo cálculos dos pesquisadores Vinícius Botelho e Silvia Matos, do Ibre-FGV. A estimativa, que unifica a variação da renda com a do crédito, exclui a evolução do saldo patrimonial (como aplicações financeiras e imóveis), e considera a massa de rendimentos ampliada, que soma à renda do trabalho benefícios de seguridade e transferências de renda do governo. Esse foi o primeiro desempenho negativo desde 2009, ano em começa a série calculada pelo Ibre.
Embora o crédito tenha participação limitada na disponibilidade orçamentária em comparação com a renda, de 15%, o recuo na tomada de financiamentos foi responsável por 75% da contração do orçamento disponível observada em 2015, afirma Botelho. De acordo com o Banco Central, o saldo total de crédito para as famílias subiu 0,6% em 2015, e a concessão total de novos empréstimos e financiamentos caiu 3,2%.
O desempenho do comércio casa com a análise do Ibre. Com base em dados da Pesquisa Mensal do Comércio (PMC), do IBGE, a LCA Consultores estima que os segmentos do varejo mais ligados à renda exibiram no ano passado comportamento menos negativo do que aqueles mais dependentes de crédito. A retração do volume de vendas nos “setores renda”, calcula o economista Paulo Neves, foi de 2,4% em 2015, bem mais modesta do que o tombo de 14,3% nos “setores crédito”.
“Os efeitos da piora da economia no mercado de trabalho são bastante defasados, mas o crédito já se antecipa a essa perspectiva e pisa no freio antes, o que acabou gerando um primeiro ciclo de desaceleração do consumo”, diz Botelho. Nesse primeiro período, destaca-se a contração de 16% no consumo de bens duráveis em 2015. Os dados são do Monitor do PIB, também do Ibre, que separa o desempenho do consumo das famílias no PIB de 2015 entre bens não duráveis (-2,8%), semiduráveis (-7,4%), duráveis e serviços (-1,4%).
No ciclo inicial, não houve queda significativa da renda do trabalho, afirma o pesquisador do Ibre, movimento esperado para 2016 como reflexo do aumento do desemprego. Como a massa de rendimentos representa a maior parte (85%) da disponibilidade orçamentária das famílias, o consumo deve se retrair com mais força neste ano, diz. Nas projeções do Ibre, a demanda privada vai recuar 4,7% dentro do PIB no ano corrente, enquanto a taxa de desemprego medida pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua deve subir 3,5 pontos em relação a 2015, para 12%.
A deterioração mais expressiva da renda, já observada nos indicadores de emprego deste ano – no trimestre terminado janeiro, o rendimento médio real recuou 2,4% sobre igual período de 2015 – já se reflete na inadimplência das famílias, outro fator que deve segurar o consumo, diz Marianne Hanson, da Confederação Nacional do Comércio (CNC).
Em março, a fatia de famílias que possui contas em atraso alcançou 23,5%, de acordo com a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), alta de 5,6 pontos sobre o mesmo mês do ano passado. Embora a cautela com o momento econômico esteja reduzindo o número de consumidores endividados, explica Marianne, dívidas antigas, de longo prazo, ainda têm impacto sobre o orçamento, como o financiamento imobiliário e o de veículos. “Mesmo com a queda na contratação de crédito, as famílias continuam carregando essas dívidas por bastante tempo”, disse.
A expansão nos calotes, porém, tende a ser modesta justamente pelo comportamento mais prudente do consumidor, que não está fazendo novas dívidas, pondera. O início do ano, destaca Marianne, é sazonalmente marcado por alta na parcela de famílias endividadas devido à concentração maior de despesas no período e, mesmo assim, esse percentual caiu de 60,8% em fevereiro para 60,3% no mês passado, em seu menor nível desde março de 2015.
Para Paulo Neves, da LCA, mesmo com a perspectiva de piora mais significativa da renda do trabalho, a tendência neste ano é que os setores do varejo mais dependentes de crédito continuem exibindo recuo maior. A taxa de juros para a compra de bens duráveis, excluindo veículos, atingiu 94% ao ano em março, destaca Neves, o que mostra que não só as famílias, mas também os bancos estão mais seletivos. Do lado dos “setores renda”, apesar do avanço do desemprego, o reajuste de 11,6% do salário mínimo, a saída dos impactos do “tarifaço” do início de 2015 e a perda de fôlego da inflação vão dar um alento ao varejo, ainda que pequeno, avalia Neves. “As condições de renda seguem dramáticas, mas magnitude da piora das condições de crédito deve ser preponderante.”