Maior rede de varejo farmacêutico, a Raia Drogasil (RD) vê as as farmácias com um novo papel na saúde da população brasileira após a pandemia do novo coronavírus. A companhia vai passar a vender testes rápidos de Covid-19 em suas unidades e vai preparar seu time de farmacêuticos para atender a população. “A função da farmácia não é só operar e abrir. Passando essa crise, terá um papel claro na prevenção da saúde. O farmacêutico tem de ser usado para poder ajudar a população a ficar cada vez mais saudável. O Covid-19 leva a farmácia para outro patamar no futuro”, disse Marcilio Pousada, presidente da Raia Drogasil. O executivo participou nesta quarta-feira, 29 de abril, da série de entrevistas ao vivo “Economia na Quarentena”, do Estadão.
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou a venda de testes rápidos para Covid-19 em farmácias. Como será a venda?
A Anvisa aprovou (a venda) e a Associação Brasileira das Redes de Farmácia e Drogarias (Abrafarma) está vendo o protocolo correto para que seja implementado. A ideia é que seja o teste rápido. As farmácias estarão prontas para fazer. A Raia Drogasil já está estudando isso e estamos atrás dos fornecedores corretos.
Este teste será feito na farmácia?
A dinâmica que a gente imagina é que o farmacêutico seja um dos responsáveis para ajudar o consumidor neste momento. Ele vai na farmácia, faz uma lanceta no dedo e coloca no aparelho, que faz o reagente na hora. Em 10 a 15 minutos, o teste diz se a pessoa tem ou não o anticorpo. Estamos verificando como esta informação chega ao Ministério da Saúde. A gente tem de fazer com que o teste tenha um valor para a sociedade como um todo, não só para o cliente.
A escolha do fornecedor é importante, uma vez que está variando muito a qualidade dos testes, que têm dado muito falso-negativo.
Essa é a preocupação da Raia Drogasil. Temos de encontrar os melhores fornecedores para fazer isso. Os testes são importantes porque começam a colocar as farmácias em outro patamar da saúde para o consumidor. A farmácia já esteve neste patamar no passado e agora começa a retomar.
Como assim?
O farmacêutico era o contato de primeira necessidade que a pessoa tinha. Em algum momento, o governo foi regulando o mercado, o que é correto. Mas não pode ter um exagero. Tem de ter um meio termo para que o atendimento da população. O farmacêutico pode e deve ajudar. Temos 1.440 lojas de 2.100 totais que aplicam vacinas. As farmácias podem ajudar na saúde e na prevenção.
Haverá uma mudança no papel da farmácia pós-coronavírus? Como será a farmácia do futuro?
Na gripe espanhola, a nossa rede não fechou em nenhum momento. A marca Raia tem 115 anos e a Drogasil, 85 anos. A função da farmácia não é só operar e abrir. No futuro, acabando o Covid-19, a farmácia terá um papel claro na prevenção da saúde. Esse é o caminho ideal. Em nossas redes, temos 2.100 lojas, em 23 Estados, com mais de 8 mil farmacêuticos. O farmacêutico tem de ser usado para poder ajudar a população a ficar cada vez mais saudável. Então, a gente acha que o Covid-19 traz a farmácia para outro patamar no futuro.
É uma maneira de descentralizar os locais de onde as pessoas vão fazer os testes…
Não é só isso. Temos uma função clara porque estamos muito perto do consumidor. Quando você analisa o período que a pessoa vai cuidar da saúde, desde que ela nasce até ficar idosa, as pessoas vão muito mais a uma farmácia do que em um hospital, médico ou laboratório clínico. A farmácia está próxima da vida do consumidor e agora vai também participar mais da saúde antes dele ficar doente. Neste ano, por exemplo, batemos recorde de vacinas da gripe.
Mas a regulamentação atual não permite tudo isso ainda…
O governo está sendo bem sensível a isso. Eles têm de perceber que precisamos participar da saúde com mais força. Saúde vai estar na agenda do governo com mais força.
Estamos há 45 dias em quarentena. Como a RD tem enfrentado esse período?
A RD se preparou bem, mesmo assim os desafios são gigantescos. Começamos a nos preparar desde janeiro, quando a pandemia estava forte na China. Trabalhamos para melhorar o estoque e em como cuidar das pessoas que estão no dia a dia do negócio. Para manter o negócio aberto, temos de cuidar do nosso time.
Como está a demanda por entrega delivery? Vai se tornar mais sistemático após a pandemia?
Veremos novos hábitos do consumidor. A gente já vinha preparando a empresa para trabalhar o canal digital. Com a pandemia, esse canal se multiplicou por quatro. A entrega da vizinhança, no qual o consumidor compra pelo whatsapp, começou a entrar e vai continuar perene na empresa. O consumidor vai demandar uma relação mais forte pelo digital e estamos preparados para isso. Temos também a venda Compre e Retire, que também está expandindo.
Estamos às vésperas da retomada gradual das atividades em São Paulo. O que vai mudar na RD?
Os protocolos que estabelecemos para receber os clientes nesta crise permanecerão os mesmos. Não vai mudar nada até ter certeza que essa epidemia acabou. No escritório, estamos todos em casa. Nos centros de distribuição, todos têm a saúde monitorada. Vamos continuar com isso. A partir de 11 de maio não é a vida voltar ao normal, será o novo ‘normal’.
Há um desalinhamento entre o governo federal e parte dos governadores. Há também uma redução do isolamento social. Como o sr. avalia?
Nos preparamos para atender bem o consumidor. Criamos um fundo de emergência, no qual o funcionário colabora e a empresa coloca a mesma quantia, porque essa crise afetou área econômica. Esse fundo de emergência ajuda um colaborador que enfrenta um problema financeiro. Acho que os governos viveram com essa dicotomia – de abre ou fecha a economia. Estamos acompanhando o dia a dia dos governos e como essa crise afeta os negócios e saúde. Acho que se tivesse mais colaboração, não só no nosso País, mas no mundo inteiro, teríamos passado mais rápido por isso.
Muitas empresas foram afetadas de maneira diferentes no coronavírus. A empresa vai rever expansão?
A nossa visão é de longo prazo. Temos um plano de abrir 240 lojas este ano e, por enquanto, está normal. O ritmo de aberturas de loja caiu em março, abril e também deve ser menor em maio. A partir de junho e julho deverá acelerar de novo.
Durante a crise, chegaram a faltar produtos na farmácia, como álcool gel e máscaras. Como está este fornecimento?
Com certeza houve uma corrida no começo para álcool gel, máscaras, vitaminas e analgésicos. Os mais graves foram máscaras e álcool gel. Nossa prioridade foi higienizar nossas lojas. Temos máscaras para todos os funcionários e começamos a vender máscaras de pano nas lojas. Não temos problema de estoque de medicamentos.
Houve mudanças de hábitos de consumo?
Percebemos que o cliente está indo menos na loja, mas quando ele vai, compra mais. Eles têm feito mais estoque de medicamentos crônicos. Percebemos uma queda em perfumaria. Higiene básica não foi alterado. A gente entende que tudo isso é passageiro. O que volta diferente? Os meios digitais: o consumidor vai consumir mais por esse canal. Saúde também fará parte da agenda de todo mundo.
Vimos uma nova crise política agora com a saída de Sérgio Moro. Essas crises políticas devem nos empurrar para uma recessão ainda maior?
Tenho certeza de que precisamos de mais colaboração. Precisamos entender que o País tem de se mexer. Tem um efeito perverso na economia. Isso é muito ruim para o País como um todo. É uma crise diferente. Temos de entender isso e encontrar uma maneira de fazer o dinheiro chegar (aos mais vulneráveis) para passarmos estes dois a três meses.
Que lições podemos tirar desta crise?
Estou aprendendo muito. A principal lição é perceber quão frágeis somos. Um vírus criou uma agenda maluca e colocou a sociedade a olhar a saúde de maneira diferente.
Fonte: Panorama Farmacêutico